Política

‘Não estou lá para saber’

A inacreditável entrevista da secretária de Justiça de SP mostra como o governo tucano desafia até a lei da ciência para justificar uma barbárie

"Não deu tempo de pegar nada. Eles disseram: deixa tudo aí, depois vai voltar para buscar. Peguei o que deu", relata moradora
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O governo Alckmin só não fez chover durante a expulsão das 1,3 mil famílias do assentamento Pinheirinho, em São José dos Campos. Fora este detalhe, todas as leis da ciência e da lógica foram desafiadas no episódio.

No despacho judicial que autorizou a ação militar do Estado não constava a ordem “faça-se a chuva”. Mesmo assim, bastou uma canetada para provocar uma fileira com centenas de desalojados, tão comuns nessa época do ano, a estação chuvosa. As cenas pareciam repetição de tragédias naturais recentes: famílias deixando suas casas, e se abrigando em igrejas com o que conseguem carregar na enxurrada.

Coube ao governo decretar a calamidade, colocando todo seu efetivo policial nas ruas para, em tese, garantir a ordem. A ordem pelo caos. Detalhe macabro: chovia e fazia frio quando as famílias deixaram suas casas, sob o som das bombas e a sombra dos cassetetes.

E se após janeiro de 2012 os livros escolares disserem que um governo ou juiz não pode, com uma canetada, decretar uma tempestade, será bom desconfiar. Porque o excerto deverá conter um asterisco: a exceção é o estado de São Paulo.

“O que fizemos foi cumprir a lei”, saíram espalhando aos quatro ventos os responsáveis pela ação. E não houve violência policial – e desta vez quem é desafiada é a lei da física: a luz e a imagem projetada.

Porque, no discurso oficial, a lei foi cumprida e a legalidade, instaurada. E o que se vê no abrigo improvisado na igreja da cidade é tudo menos calma. E se a responsabilidade é cuidar da lei, e não de gente, soa inútil perguntar à secretária estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania se houve excesso policial, como fez o jornal Estado de S.Paulo. Se perguntar, ela te dirá: “Não estou lá para saber”.

Na mesma e inacreditável entrevista, Eloisa Arruda só faltou dizer que faltou à cena por medo de sujar o sapato na lama, tal a frieza nas respostas e o distanciamento do episódio. “Pelo que tenho conhecimento, as famílias estão alojadas e têm possibilidade de retirar pertences. Vivemos o império da lei”. E mais: “Uma ordem judicial foi cumprida e a polícia usou os recursos necessários”.

Se estivesse lá, talvez mudasse sua opinião a respeito das palavras “espancamento” e “abuso”, que ela e o chefe tanto hesitam em cravar.

Na mesma linha, o prefeito Eduardo Cury (PSDB) também jura que tudo está tudo muito bem, obrigado. E que, nas mãos dos policiais, todos estão mais seguros – apesar dos hematomas, faltou dizer. “Diversas famílias estão saindo do Pinheirinho por conta própria e pedindo apoio para retornarem às cidades de origem”, garante ele, via Twitter.

O esforço pelo convencimento flerta com a tragicomédia. Dizem que uma mentira se torna verdade pelo esforço da repetição. Sob o governo tucano, a citação ao exercício é quase pleonasmo.

No Pinheirinho, a briga não é mais contra os sem-teto que um dia ousaram ocupar um terreno da massa falida que já pertenceu a Naji Nahas, o megaespeculador que frequentou mais a carceragem da Polícia Federal do que o bairro popular.

A briga é com as imagens, projetadas de uma forma e transmitidas, na boca das autoridades, de outra: enquanto as autoridades louvam a operação bem-sucedida, fotos e vídeos do mundo real vazam por rachaduras virtuais.

Vai ver são apenas miragens as fotos e testemunhos de moradores queixando-se da proibição de voltar para as casas, recuperar os bens, antes que um trator chegue e deite tudo ao chão. E das crianças fechando olhos e boca em meio à fumaça de gás lacrimogênio. Ou a queixa do secretário nacional de Articulação Social, que foi conferir a expulsão in loco e foi recebido com um tiro de borracha.

Pela internet, vemos o cartão de boas vindas do cumprimento de ordens: no centro de triagem montado pela prefeitura para atender os desabrigados, quatro policiais seguram e aplicam sete golpes de cassetete contra um homem desarmado. Ele também era um perigo à legalidade? Não importa. Em São Paulo, é assim que se cumpre a lei e se instaura a ordem.

E se as leis da ciência exata foram desafiadas pelas autoridades no episódio, ao menos uma máxima histórica saiu sem sequer um arranhão. A história é contada pelos vencedores. E os vencedores estão longe dos abrigos da igreja. Longe, como a secretária que “não estava lá para saber”.

O governo Alckmin só não fez chover durante a expulsão das 1,3 mil famílias do assentamento Pinheirinho, em São José dos Campos. Fora este detalhe, todas as leis da ciência e da lógica foram desafiadas no episódio.

No despacho judicial que autorizou a ação militar do Estado não constava a ordem “faça-se a chuva”. Mesmo assim, bastou uma canetada para provocar uma fileira com centenas de desalojados, tão comuns nessa época do ano, a estação chuvosa. As cenas pareciam repetição de tragédias naturais recentes: famílias deixando suas casas, e se abrigando em igrejas com o que conseguem carregar na enxurrada.

Coube ao governo decretar a calamidade, colocando todo seu efetivo policial nas ruas para, em tese, garantir a ordem. A ordem pelo caos. Detalhe macabro: chovia e fazia frio quando as famílias deixaram suas casas, sob o som das bombas e a sombra dos cassetetes.

E se após janeiro de 2012 os livros escolares disserem que um governo ou juiz não pode, com uma canetada, decretar uma tempestade, será bom desconfiar. Porque o excerto deverá conter um asterisco: a exceção é o estado de São Paulo.

“O que fizemos foi cumprir a lei”, saíram espalhando aos quatro ventos os responsáveis pela ação. E não houve violência policial – e desta vez quem é desafiada é a lei da física: a luz e a imagem projetada.

Porque, no discurso oficial, a lei foi cumprida e a legalidade, instaurada. E o que se vê no abrigo improvisado na igreja da cidade é tudo menos calma. E se a responsabilidade é cuidar da lei, e não de gente, soa inútil perguntar à secretária estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania se houve excesso policial, como fez o jornal Estado de S.Paulo. Se perguntar, ela te dirá: “Não estou lá para saber”.

Na mesma e inacreditável entrevista, Eloisa Arruda só faltou dizer que faltou à cena por medo de sujar o sapato na lama, tal a frieza nas respostas e o distanciamento do episódio. “Pelo que tenho conhecimento, as famílias estão alojadas e têm possibilidade de retirar pertences. Vivemos o império da lei”. E mais: “Uma ordem judicial foi cumprida e a polícia usou os recursos necessários”.

Se estivesse lá, talvez mudasse sua opinião a respeito das palavras “espancamento” e “abuso”, que ela e o chefe tanto hesitam em cravar.

Na mesma linha, o prefeito Eduardo Cury (PSDB) também jura que tudo está tudo muito bem, obrigado. E que, nas mãos dos policiais, todos estão mais seguros – apesar dos hematomas, faltou dizer. “Diversas famílias estão saindo do Pinheirinho por conta própria e pedindo apoio para retornarem às cidades de origem”, garante ele, via Twitter.

O esforço pelo convencimento flerta com a tragicomédia. Dizem que uma mentira se torna verdade pelo esforço da repetição. Sob o governo tucano, a citação ao exercício é quase pleonasmo.

No Pinheirinho, a briga não é mais contra os sem-teto que um dia ousaram ocupar um terreno da massa falida que já pertenceu a Naji Nahas, o megaespeculador que frequentou mais a carceragem da Polícia Federal do que o bairro popular.

A briga é com as imagens, projetadas de uma forma e transmitidas, na boca das autoridades, de outra: enquanto as autoridades louvam a operação bem-sucedida, fotos e vídeos do mundo real vazam por rachaduras virtuais.

Vai ver são apenas miragens as fotos e testemunhos de moradores queixando-se da proibição de voltar para as casas, recuperar os bens, antes que um trator chegue e deite tudo ao chão. E das crianças fechando olhos e boca em meio à fumaça de gás lacrimogênio. Ou a queixa do secretário nacional de Articulação Social, que foi conferir a expulsão in loco e foi recebido com um tiro de borracha.

Pela internet, vemos o cartão de boas vindas do cumprimento de ordens: no centro de triagem montado pela prefeitura para atender os desabrigados, quatro policiais seguram e aplicam sete golpes de cassetete contra um homem desarmado. Ele também era um perigo à legalidade? Não importa. Em São Paulo, é assim que se cumpre a lei e se instaura a ordem.

E se as leis da ciência exata foram desafiadas pelas autoridades no episódio, ao menos uma máxima histórica saiu sem sequer um arranhão. A história é contada pelos vencedores. E os vencedores estão longe dos abrigos da igreja. Longe, como a secretária que “não estava lá para saber”.

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