Sociedade

“São Paulo tem que combater ditadura do automóvel”

Especialista fala sobre desafios da capital paulista para se tornar uma cidade inclusiva, justa e democrática.

Apoie Siga-nos no

Por Carlos Albuquerque

Tem início em Quito nesta segunda-feira (17/10) a Habitat III, conferência das Nações Unidas onde autoridades e especialistas se encontram para definir a Nova Agenda Urbana. O documento deverá nortear o desenvolvimento das cidades nas próximas décadas, para que se tornem mais igualitárias, inclusivas e sustentáveis.

Em entrevista à Deutsche Welle, Rodrigo Faria, pesquisador da USP e do Instituto Pólis, think tank voltado para a produção de conhecimento sobre a cidade e a cidadania, fala sobre os desafios de São Paulo, como cidade mais populosa das Américas.

Deutsche Welle: Uma das visões da Nova Agenda Urbana a ser lançada em Quito é que “as cidades sejam inclusivas e livres de quaisquer formas de discriminação”. Como isso se aplica para o futuro de São Paulo?

Rodrigo Faria: Essa visão da agenda é para cidades do mundo todo. No caso de São Paulo, por ser uma cidade do Sul global, por ser uma das maiores cidades do mundo, esse desafio tem uma magnitude ainda maior. É um desafio de enfrentar décadas de descaso, décadas de uma cidade comprometida com o desenvolvimento, mas não com o desenvolvimento da sua população.

Isso significa adotar os direitos humanos e, principalmente, o direito à cidade como parâmetro da implementação das políticas públicas no território de São Paulo. Há toda uma pauta de redistribuição dos benefícios da cidade que precisa ser enfrentada para que efetivamente se produza uma cidade inclusiva, justa, democrática.

DW: Como você vê essa Nova Agenda Urbana em relação às medidas já anunciadas pelo prefeito eleito João Doria?

RF: Ainda é muito cedo para se fazer qualquer avaliação. Já há alguns indícios de diretrizes que ele pretende adotar, que são um pouco preocupantes do ponto de vista da política urbana. Por exemplo, a perspectiva de conceder determinados serviços à iniciativa privada como uma diretriz geral de governo.

Embora isso dialogue com o discurso da eficiência, de um estado mais ágil, de uma economia de recursos, sabe-se que nem sempre a concessão para a iniciativa privada ou parcerias público-privadas efetivamente significam economia, eficiência, etc. Vide a Linha 4-Amarela do metrô, que é feita nesses moldes e que fica longe de ser um exemplo de boa prática.

DW: Entre as propostas anunciadas pelo novo prefeito está o encerramento da iniciativa de inclusão de dependentes de crack em favor de um programa de internamento. Até que ponto isso pode resolver o problema da “cracolândia”?

RF: É preciso pensar a “cracolândia” como uma questão multidimensional e extremamente complexa. Porque se está falando de indivíduos, de coletividade, de território, de usos, de uma questão de saúde pública. Trata-se de uma questão extremamente complexa e qualquer questão complexa exige uma solução que seja igualmente complexa.

Assim, qualquer proposta que seja reducionista está equivocada. Não sei se este é o caso da proposta dele, porque realmente não a conheço a fundo para fazer uma avaliação. De toda forma, do ponto de vista do território, eu acho importante se pensar que não é excluindo uma população, removendo uma população de determinados lugares, que se vai se transformar aquele território e muito menos transformar aqueles indivíduos. 

DW: Que soluções poderiam aliviar o problema da locomoção na capital paulista?

RF: É colocar realmente como prioridade das políticas públicas o transporte coletivo. No caso de São Paulo, acho importantíssimo combater a “carrocracia”, a ditadura do automóvel individual. É importante também favorecer a mobilidade por outras formas, seja por bicicleta, seja também o deslocamento a pé.

Um ponto importantíssimo dessa reversão de mobilidade na capital paulista é o reequilíbrio dos usos do território. Tem-se expandido aqui no centro milhares de imóveis vazios voltados para a especulação imobiliária, enquanto se tem uma população pobre sem lugar para morar ou muitas vezes morando na periferia. Então por que não forçar o uso desses imóveis para a situação de interesse social e com isso diminuir a necessidade de transporte da população trabalhadora aqui do centro de São Paulo?

DW: Hoje, as cidades ocupam 2% do espaço construído, mas são responsáveis por 70% do PIB, por mais de 60% do consumo global de energia, 70% das emissões de gases tóxicos e abrigam mais da metade da população mundial. Não existiria um paradoxo entre essa concentração e as várias propostas da Nova Agenda Urbana?

Uma das grandes críticas em torno da discussão da Nova Agenda Urbana é ela se chamar Nova Agenda “Urbana” e não Nova Agenda Habitat. Quando se sai de uma discussão de Nova Agenda Habitat para Nova Agenda Urbana, excluem-se da discussão todos aqueles habitats que, em tese, estão situados no campo.

Como se pensar, por exemplo, a segurança alimentar e nutricional se não for do ponto de vista da integração de áreas urbanas e rurais. Na sua afirmação, você colocou o quanto a cidade consome de recursos e, certamente, nem todos eles são gerados dentro da própria cidade. Para se conseguir realmente mudar esse paradigma de desenvolvimento, tem-se que pensar de maneira conjugada o urbano e o rural.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.