Sociedade

“Réus não teriam interesse em matar o casal”

Advogados dizem que casal assassinado era malvisto em assentamento; para eles, ONGs querem transformar vítimas em mártires para acessar a Amazônia

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Por Felipe Milanez, de Marabá

 

Para os advogados dos réus José Rodrigues Moreira e Lindonjonson Silva- acusados de serem o mandante e um dos executores do assassinato de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, respectivamente – quando um crime tem motivação ambiental, cria-se o boato de que o Brasil não tem competência para administrar a Amazônia. “E esse boato vai se espalhando de tal forma que o Brasil começa a sofrer pressões internacionais para que a Amazônia seja internacionalizada”, dizem, na entrevista abaixo. Segundo os defensores Wandergleisson Fernandes e Arnaldo Ramos, faltam evidências para condenar os réus. Eles afirmam nunca terem perdido um processo em um Tribunal do Júri, tendo vencido, segundo eles, em nove ocasiões no ano passado. “Estamos confiantes”.

CartaCapitalTendo em vista as evidências de acusação, como testemunhas e provas periciais, qual a estratégia de defesa dos réus?

Wandergleisson Fernandes – A defesa vê essas supostas evidências com outros olhos. Uma das evidências que entendemos incontundentes é que as vítimas José Cláudio e sua companheira falavam abertamente para a imprensa nacional e internacional, e participaram de eventos nos Estados Unidos, aonde eles declaravam que eram ameaçados por fazendeiros, por madeireiros e por carvoeiros, três categorias que têm interesse no desmatamento e na exploração dos recursos naturais da floresta de uma forma desordenada. Com a morte deles, é apontado como autor, como mandante, pessoas que não tinham interesse e nem iam ganhar nada com morte deles. As pessoas que tinham interesse em lucrar com a morte deles não foram presas. Quem está preso? Duas pessoas analfabetas, que são também dois sem-terra. Tanto é verdade que um deles, acusado de ser o mandante, apontado como sendo um fazendeiro, é um sem-terra que foi assentado pelo INCRA. Isso é uma evidência da inocência deles. Por si só prova a inocência? Não. Mas é um crime que não foi presenciado. Não temos uma testemunha de acusação que possa apontar: “eu estava lá e eu presenciei”. Ninguém pode ser condenado por meras conjecturas.

Uma questão interessante: cria-se a figura de um herói, de um mártir que estava lutando pela Amazônia. Em momento algum eu vou questionar isso. Somos a favor da vida. As pessoas que cometeram esse homicídio devem ser punidas. Não podemos permitir aqui no Brasil que continue pegando pessoas inocentes e se coloque no cárcere no lugar dos culpados. São inúmeros os casos no país de pessoas que foram condenadas indevidamente por crimes que não cometeram.

CC – Quem são os réus? Quem é José Rodrigues e Lindonjonson Silva?

Arnaldo Ramos de Barros Júnior – São duas pessoas analfabetas que sempre sobreviveram da agricultura, plantando, colhendo. São pessoas simples, humildes. Pessoas que trabalham muito para sobreviver. Não são fazendeiros, não são pecuaristas, são pequenos agricultores.

CC – De onde eles são?

ARBJ – O Zé Rodrigues nasceu em Minas Gerais. Com poucos anos de idade seus pais mudaram para o Pará. O Lindonjonson já nasceu no Pará, na cidade de Bom Jesus do Tocantins. O Zé Rodrigeus, acusado de ser o mandante, é mineiro, veio para cá com 8 anos.

CC – Por que migraram para o Pará. E por que foram para Nova Ipixuna?

ARBJ – Lá em Nova Ipixuna existia uma irmã que morava há mais de 20 anos na região, chamada Aldenir. Sempre as pessoas com poucas condições migraram procurando algo melhor. Por isso ele migrou: à procura de melhores condições financeiras.

CC – E, na visão da defesa, quem são as vítimas, José Cláudio e Maria?

ARBJ – As vítimas foram taxadas pela mídia como protetoras da natureza. Eram pessoas que protegiam a natureza e por esse motivo teriam sido mortas. Mas, assim, esse é o perfil delas. Só que manuseando os autos vocês vão perceber que há processo criminal, segundo denúncia ofertada pelo Ministério Público, no qual a vítima teria, junto de três irmãos, Claudenir, Claudionor e Edvlado, assassinado um rapaz chamado Edilon, que seria um sem-terra que vivia naquele local, por disputa de área. Segundo o Ministério Público o irmão de José Cláudio queria ficar com a área de Edilon, que teria sido presenciado pelo irmão chamado Manoel. Todos os três irmãos são foragidos da Justiça e foram pronunciados para o Tribunal do Júri em janeiro desse ano.

CC – Qual a importância desse caso para a região, marcada por conflitos fundiários?

ARBJ – O Pará é famoso por conflitos fundiários. Só que esse caso tomou uma repercussão muito grande. O José Cláudio e a Maria do Espírito Santo eram como protetores da natureza. A região Amazônica é extremamente cobiçada internacionalmente pelas suas riquezas naturais, minerais. Já escutamos falar muito em internacionalização da Amazônia. Quando esse crime específico tem como motivação a proteção ambiental, cria-se na comunidade internacional o boato de que o Brasil não tem competência para administrar a Amazônia. E esse boato vai se espalhando de tal forma que o Brasil começa a sofrer pressões internacionais para que a Amazônia seja internacionalizada. E a gente vai perceber que tem varias coisas que a imprensa e o governo escondem dos cidadãos brasileiros. Por exemplo, há na região amazônica um metal extremamente importante, crucial para a hegemonia dos países desenvolvidos, que é o nióbio. O Brasil detém 98% do nióbio do mundo. É um material utilizado para a fabricação de foguetes, mísseis, de materiais cirúrgicos, turbina de avião, classificado como estratégico para a hegemonia dos países desenvolvidos. O interesse na Amazônia é tão grande que chegou ao ponto, na demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, o Brasil ser pressionado pela ONU, que se reduzisse a demarcação, sofreria uma penalização. Isso veiculado na internet e na imprensa. E aquela área é extremamente rica nesse mineral. O nióbio é mais interessante do que o petróleo, porque o petróleo há em outros países. Então, há por trás desse processo um interesse internacional muito grande para que com a condenação, motivada com esses argumentos no processo, o Brasil perca a administração da Amazônia para o exterior.

CC – Como está a situação no assentamento?

WF – Interessante notar que essa ideia de herói, quando você chega na região, eu me surpreendi. Porque a gente tem a ideia de que o herói morreu. Mas quando você chega na região, e você vai se deparar com os vizinhos, as pessoas que pertenciam à mesma categoria de assentados, no mesmo assentamento, entre as pessoas com quem conversámos para descobrir a verdade, a maioria das pessoas não tinha da vítima essa imagem de herói. Eles eram vistos como pessoas encrenqueiras. As pessoas temiam ele, era uma pessoa que andava armada e com histórico de homicídio, tanto ele quanto a esposa, andavam armadas. Eram pessoas que estavam sendo ameaçadas, o que talvez se justifique. As pessoas diziam que tinham sua liberdade tolhida, era uma espécie de coronel local. A gente não vê um clamor popular na localidade. Eles só são heróis fora dali. Muitos ONGS apoiam, e as ONGs entram com dinheiro. Ele foi levado aos Estados Unidos, alguém financiou isso. Então existe sim uma vantagem. O discurso de defesa da natureza, explorar certas mazelas, algumas pessoas conseguem encontrar vantagem nisso. Até na seca no Nordeste existem aproveitadores. Então esse discurso em defesa da natureza, a pessoa começa a ter o seu horizonte expandido. Ela começa a ter acesso a recursos, a viagem ao exterior, algo totalmente fora da realidade delas e então ela incorpora esse personagem.

CC – Marabá completa 100 anos nessa semana. Como o senhor enxerga Marabá no centenário?

WF – Sou daqui do Pará. E se tivesse que resumir numa palavra, seria maturidade. Somos um país jovem, uma cidade jovem. Com o passar dos anos vem a maturidade. Uma região outrora esquecida, mas o desenvolvimento veio principalmente na educação: vamos ter o primeiro curso de Medicina. Vejo isso com bons olhos, temos uma faculdade de Direito só, e agora virá uma particular. Eu vejo isso como uma evolução. Eu acredito que Marabá chega aos 100 anos numa nova fase, numa nova roupagem. O cidadão com acesso a educação. A partir desses 100 anos, construir uma história melhor e tornar a imagem dessa região uma imagem boa.

 

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