Sociedade

O operário da camisa 8

Foram dois gols: um quando cabeceou a bola. Outro, quando correu para abraçar a torcida

Paulinho, o cara do Corinthians
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Pelo andar da carruagem, meu professor e amigo Celso Unzelte, autor de Os Dez Mais do Corinthians*, terá de arrumar espaço no seleto grupo dos maiores ídolos do clube para encaixar um certo camisa 8. Com o gol que classificou a equipe para a semifinal da Libertadores, Paulinho entrou no rol de jogadores inesquecíveis do time. Mais: se ganhar a Libertadores, vai ter gente de joelhos carregando nas arquibancadas do Pacaembu (ou do futuro Itaquerão) uma estátua de tamanho real do volante.

Exageros à parte, é difícil olhar para o elenco do Corinthians e encontrar um atleta que seja mais a cara da equipe do que o camisa 8 (a mesma que um dia vestiu Sócrates). Discreto e sem firula, ele é o que se convencionou chamar de carregador de piano de um time de carregadores de pianos. Marca, passa, sai para o jogo e aparece como homem surpresa na hora da decisão. É o operário que todo treinador quer no seu time. E que, ao lado de Ralf, forma a melhor dupla de volantes da atualidade.

A Libertadores da América, como se sabe, é obsessão de onze em cada dez corintianos. Todos os grandes clubes de São Paulo já ganharam, exceto o time do Parque São Jorge. Algo aparentemente incompreensível: o torneio exige dos competidores justamente a postura que é marca do clube e sua torcida, sempre a privilegiar a raça e a vontade sobre a técnica. Os operários, enfim.

Até hoje não me lembro de nenhum time que venceu a Libertadores jogando bonito – mesmo o Santos do ano passado, que sob Muricy teve de calejar para aprender a segurar o resultado. A Libertadores pode não ser terreno propício para firulas, mas é a maior ratoeira de pipoqueiros do futebol.

O Vasco não está na semifinal porque, entre outras falhas, faltou sangue frio ao seu melhor jogador em sua melhor oportunidade. A cada ano que passa, Diego Souza amplia a distância entre o que é e o que se espera dele em campo. Falta a ele um título como protagonista, e a derrota para o Corinthians tirou dele essa chance.

Paulinho, em compensação, parece ser o cara certo na hora certa, como no lance que originou o gol e carimbou a passagem do time para a semifinal da competição. Todos se preparavam para as penalidades: torcedores (os rivais, claro), juiz, goleiros, narradores. Menos Paulinho. Aos 43 minutos do segundo tempo, apareceu na área e desviou a bola de cabeça num momento em que quase mais ninguém aguentava correr.

Como tem sido praxe na competição, o time martela, martela e se supera nas horas mais delicadas. Foi assim na estreia, com um gol de Ralf no último momento que impediu a derrota contra o Deportivo Tachira, e também contra o Emelec, já nas oitavas: os gols saíram na hora certa (um deles, de Paulinho), quando o embate mais parecia jogo de xadrez.

O espírito hoje encarnado por Paulinho tem origem na Libertadores do ano passado, quando o time foi precocemente eliminado pelo humilde Tolima. Da caça às bruxas sobreviveu o técnico Tite – que, como gratidão, levou o time ao título do Campeonato Brasileiro e, agora, às semifinais da Libertadores – algo que não acontecia desde 2000.

No esporte, é preciso pular uma série de barreiras para receber o status de ídolo. Pela ordem, é preciso ter talento, dedicação, comprometimento, sangue frio e paciência. E a torcida, seja qual for, não tolera pipoqueiro. Se o atleta reunir todos esses dons, como Sócrates, o sujeito pode sonhar com o dia em que será citado em algum lista de ídolos do professor Unzelte (mesmo que seja dos Cem Mais).

Paulinho parece ter passado por todos esses testes. Ganhe ou não a Libertadores, será sempre lembrado como a alma de um time que não se abateu na hora mais tensa. E que marcou dois gols num momento só: quando cabeceou a bola para as redes e quando correu para abraçar a sua torcida, paciente como ele, à espera de um milagre. Os corintianos não poderiam adorar mais o seu camisa 8.

*Eis a lista dos dez maiores ídolos de Unzelte (até a semifinal da Libertadores de 2012):

 

Cláudio

Baltazar

Luizinho

Gilmar

Rivelino

Zé Maria

Wladimir

Sócrates

Neto

Marcelinho Carioca.

Pelo andar da carruagem, meu professor e amigo Celso Unzelte, autor de Os Dez Mais do Corinthians*, terá de arrumar espaço no seleto grupo dos maiores ídolos do clube para encaixar um certo camisa 8. Com o gol que classificou a equipe para a semifinal da Libertadores, Paulinho entrou no rol de jogadores inesquecíveis do time. Mais: se ganhar a Libertadores, vai ter gente de joelhos carregando nas arquibancadas do Pacaembu (ou do futuro Itaquerão) uma estátua de tamanho real do volante.

Exageros à parte, é difícil olhar para o elenco do Corinthians e encontrar um atleta que seja mais a cara da equipe do que o camisa 8 (a mesma que um dia vestiu Sócrates). Discreto e sem firula, ele é o que se convencionou chamar de carregador de piano de um time de carregadores de pianos. Marca, passa, sai para o jogo e aparece como homem surpresa na hora da decisão. É o operário que todo treinador quer no seu time. E que, ao lado de Ralf, forma a melhor dupla de volantes da atualidade.

A Libertadores da América, como se sabe, é obsessão de onze em cada dez corintianos. Todos os grandes clubes de São Paulo já ganharam, exceto o time do Parque São Jorge. Algo aparentemente incompreensível: o torneio exige dos competidores justamente a postura que é marca do clube e sua torcida, sempre a privilegiar a raça e a vontade sobre a técnica. Os operários, enfim.

Até hoje não me lembro de nenhum time que venceu a Libertadores jogando bonito – mesmo o Santos do ano passado, que sob Muricy teve de calejar para aprender a segurar o resultado. A Libertadores pode não ser terreno propício para firulas, mas é a maior ratoeira de pipoqueiros do futebol.

O Vasco não está na semifinal porque, entre outras falhas, faltou sangue frio ao seu melhor jogador em sua melhor oportunidade. A cada ano que passa, Diego Souza amplia a distância entre o que é e o que se espera dele em campo. Falta a ele um título como protagonista, e a derrota para o Corinthians tirou dele essa chance.

Paulinho, em compensação, parece ser o cara certo na hora certa, como no lance que originou o gol e carimbou a passagem do time para a semifinal da competição. Todos se preparavam para as penalidades: torcedores (os rivais, claro), juiz, goleiros, narradores. Menos Paulinho. Aos 43 minutos do segundo tempo, apareceu na área e desviou a bola de cabeça num momento em que quase mais ninguém aguentava correr.

Como tem sido praxe na competição, o time martela, martela e se supera nas horas mais delicadas. Foi assim na estreia, com um gol de Ralf no último momento que impediu a derrota contra o Deportivo Tachira, e também contra o Emelec, já nas oitavas: os gols saíram na hora certa (um deles, de Paulinho), quando o embate mais parecia jogo de xadrez.

O espírito hoje encarnado por Paulinho tem origem na Libertadores do ano passado, quando o time foi precocemente eliminado pelo humilde Tolima. Da caça às bruxas sobreviveu o técnico Tite – que, como gratidão, levou o time ao título do Campeonato Brasileiro e, agora, às semifinais da Libertadores – algo que não acontecia desde 2000.

No esporte, é preciso pular uma série de barreiras para receber o status de ídolo. Pela ordem, é preciso ter talento, dedicação, comprometimento, sangue frio e paciência. E a torcida, seja qual for, não tolera pipoqueiro. Se o atleta reunir todos esses dons, como Sócrates, o sujeito pode sonhar com o dia em que será citado em algum lista de ídolos do professor Unzelte (mesmo que seja dos Cem Mais).

Paulinho parece ter passado por todos esses testes. Ganhe ou não a Libertadores, será sempre lembrado como a alma de um time que não se abateu na hora mais tensa. E que marcou dois gols num momento só: quando cabeceou a bola para as redes e quando correu para abraçar a sua torcida, paciente como ele, à espera de um milagre. Os corintianos não poderiam adorar mais o seu camisa 8.

*Eis a lista dos dez maiores ídolos de Unzelte (até a semifinal da Libertadores de 2012):

 

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Rivelino

Zé Maria

Wladimir

Sócrates

Neto

Marcelinho Carioca.

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