Sociedade

Ousar ficar. Por um país que precisa de nós

Não tive dúvidas quanto a voltar ao Brasil, reassumir o meu posto, implantar o conhecimento que aprendi e ensinar os nossos jovens cientistas.

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Desde menina, consciente ou inconsciente, queria ser cientista. Embora tivesse escolhido uma carreira que me desse algumas opções incríveis, logo no terceiro ano da faculdade tomei a decisão de fazer pesquisa e seguir a carreira acadêmica.

Cursei uma universidade pública de excelência e tive grandes e inspiradores professores. Terminei a faculdade e fui diretamente ao mestrado e depois ao doutorado, seguido do meu ingresso à carreira docente em uma grande escola de medicina, que depois se transformou em universidade.

Seguindo o caminho natural de uma pós-graduação de excelência, escolhi um importante centro de pesquisa para fazer um pós-doutorado no exterior. Objetivo: formular uma linha de pesquisa inovadora e que, ao voltar ao Brasil, trouxesse avanços para a ciência básica e avanços no tratamento de doenças.

Com recursos obtidos de meu país, pude fazer um longo estágio em duas grandes instituições dos Estados Unidos da América. Aprendi técnicas, tive contato com o estado da arte e me formei em uma área de pesquisa que possibilita estudar doenças e processos degenerativos. Voltei, escrevi muitos projetos e pleiteei recursos, mas implantei o laboratório, as técnicas e ensinei.

A opção por escrever a coluna deste mês de maneira mais pessoal ocorreu na semana passada, quando tomei conhecimento que a Dra. Suzana Herculano-Houzel, pesquisadora brasileira, neurocientista inteligente e comunicativa, resolveu transmitir para a mídia sua decisão de mudar de país, em virtude de um convite para trabalhar em uma universidade dos EUA.

O fato, de caráter pessoal e já resolvido, dado que a decisão havia sido tomada, ganhou grande repercussão na mídia, uma vez que a pesquisadora decidiu tornar pública sua decisão e atribuí-la às dificuldades e falta de recursos para a ciência no País. A notícia teve grande repercussão, se alastrou pelas redes sociais e dividiu opiniões.

Imediatamente fiz uma viagem no tempo, lembrei do período no National Institutes of Health (NIH), uma das instituições mais prestigiosas dos EUA, quando recebi um convite de trabalho para lá permanecer. Não tive dúvidas quanto a voltar ao Brasil, reassumir o meu posto como professora da Escola Paulista de Medicina, implantar o conhecimento que aprendi e ensinar os nossos jovens cientistas.

Talvez tivesse produzido muito mais para a ciência de maneira geral, pois o conhecimento não tem fronteiras. Porém, tenho certeza que não teria formado os brasileiros que aprenderam o que eu aprendi, que se tornaram doutores e hoje são professores em outras instituições.

O mais importante talvez seja pensar que precisamos fortalecer a pesquisa e a universidade no nosso país, continuar trabalhando, enfrentando os desafios, fazendo a ciência que sabemos e podemos, mas fazendo também por nossos jovens. Há momentos mais difíceis, entretanto, é especialmente em um momento como esse, que tantos pensam em sair, que mais devemos ter a coragem de ficar e lutar.

Como eu, muitos outros colegas também tiveram oportunidade de mudar, ou ainda poderão ter. Mas, como eu, a maioria fez a opção de ficar, pelo simples fato de que entendem que ficar não é falta de opção, mas uma solução. Ficar significar resistir, enfrentar e atuar para mudar.

Agora, mais que antes, nosso país precisa de nós. Temos e sabemos muito. Podemos mais. Aqui ficaremos.

 

*Soraya Smaili é reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

 

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