Sociedade

Os mortos-vivos

Os zumbis são figuras onipresentes nas telas e nos livros. Mas agucemos o olhar e notaremos que a vida imita a arte: essas criaturas
estão tomando as escolas, as empresas e as cidades

Os zumbis são figuras onipresentes nas telas e nos livros. Mas agucemos o olhar e notaremos que a vida imita a arte: essas criaturas estão tomando as escolas, as empresas e as cidades
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Havana, um dos últimos bastiões socialistas, é invadida por mortos-vivos. Sara e Juan deixam seu apartamento e se deparam com uma multidão de zumbis vagando pelas -ruas. Sara vira-se para Juan e afirma, resignada, que não notou nenhuma diferença. A cena é uma das pérolas satíricas de um recente filme de terror cubano, Juan de los Muertos, dirigido pelo jovem cineasta Alejandro Brugués.

Embora o cineasta, por razões óbvias, fuja do confronto direto com o governo local, a obra pode ser lida como uma crítica social ao estado das coisas na ilha caribenha, depois de meio século de socialismo real, ou surreal.

Juan de los Muertos segue a onda de filmes e livros que exploram, para fins de parábola, metáfora ou sátira, os mortos-vivos. Nas telas, George A. Romero é comumente apontado como o responsável pela popularidade das criaturas. O diretor nova-iorquino realizou, em 1968, A Noite dos Mortos-Vivos, que se tornou objeto de culto entre os aficionados do gênero. Muitos outros seguiram seus passos.

A lista de filmes sobre zumbis é extensa e curiosa, abrangendo títulos criativos, tais como A Morte dos Mortos, Uma Virgem entre os Mortos-Vivos, Os Alienígenas e os Zumbis, O Zumbi Americano, A Invasão Atômica de Cérebros, O Acordar dos Mortos, O Cérebro Morto, Zumbis Cáusticos, Os Filhos dos Mortos-Vivos, Cadáveres São para Sempre, A Dança dos Mortos, A Vida Morta, O Homem do Cemitério, Morte ao Zumbi Bastardo!, Noites Eróticas dos Mortos-Vivos, As Fêmeas Mercenárias na Ilha dos Zumbis, O Massacre dos Zumbis de Harvard, Os Zumbis Vegetarianos, Eu Fui um Zumbi para o FBI, Zumbi Kung Fu, Zumbis na Broadway, Os Zumbis Vampiros Mutantes das Florestas e muito, muito mais. Para a imaginação dos diretores e roteiristas, o céu (ou o inferno) é o limite.

O que explica nossa fascinação com tais criaturas? Para alguns, nosso interesse vem do medo da própria morte. Outros veem a popularidade dos zumbis como reflexo de uma época na qual a humanidade se depara com os limites físicos da própria Terra e com a possibilidade real de extinção da vida no planeta. Filmes e livros são espaços vivenciais fechados, nos quais podemos projetar nossos medos e angústias, reais ou imaginários, e vê-los resolvidos pela ação engenhosa de heróis.

O zumbi é um cadáver animado, trazido de volta à vida (ou um simulacro de vida) por meio de artifícios de bruxaria ou tecnologia. Sua origem é comumente associada a rituais religiosos haitianos e africanos. No cinema ou na literatura o zumbi é sempre um personagem paradoxal: um morto-vivo. Não tem cérebro nem paladar apurado. Age como um sonâmbulo, geralmente movido por uma busca voraz por carne humana. Multiplica-se no ritmo das pandemias, poupando somente um pequeno número de seres humanos, necessários para contar a história e manter a narrativa do filme ou livro. O zumbi é, por natureza, um ser antissocial: alimenta-se da carne de seres vivos e ignora as mais simples regras de civilidade. No entanto (mais um paradoxo), costuma movimentar-se em grandes bandos.

Também no caso dos zumbis, a vida imita a arte. Basta aguçar o olhar e mirar o mundo ao redor para constatar que vivemos cercados por hordas que poderiam integrar os bandos de mortos-vivos de Juan de los Muertos ou estrelar qualquer filme de George A. Romero. Cuba é aqui. Não tivemos cinco décadas de socialismo, porém, a combinação local de cleptocracia política, autismo social e indigência cultural provoca efeito similar.

Nossos trópicos estão sendo tomados por mortos-vivos. Jovens zumbis posam de estudantes, sentados nas salas de aulas, enquanto os dedos percorrem os teclados de smart phones e a mente flana sem direção por espaços virtuais e mídias sociais. Zumbis operários simulam trabalho nas estatais, nas linhas de montagem e nas centrais de atendimento. Zumbis emergentes vagam pelos shopping centers, os olhos vidrados nas vitrines.

O mundo corporativo transformou-se em uma grande fábrica de zumbis. As faculdades de Administração formam exércitos de mortos-vivos. Nos bancos escolares, os estudantes têm seus cérebros retirados. Perdem o senso crítico, desenvolvem obsessão pelo status e voracidade pelo dinheiro. Uma vez graduados, tonam-se zumbis trainees, condicionados a praticar os estranhos rituais da vida corporativa e a adorar seus chefes zumbis. Passam, então, a integrar empresas zumbis, sob o comando de executivos zumbis. Nessas estranhas organizações, a vida segue roteiro de filme trash. O pior é que, como a personagem Sara, de Juan de los Muertos, estamos nos tornando cada vez menos capazes de perceber a diferença.

Havana, um dos últimos bastiões socialistas, é invadida por mortos-vivos. Sara e Juan deixam seu apartamento e se deparam com uma multidão de zumbis vagando pelas -ruas. Sara vira-se para Juan e afirma, resignada, que não notou nenhuma diferença. A cena é uma das pérolas satíricas de um recente filme de terror cubano, Juan de los Muertos, dirigido pelo jovem cineasta Alejandro Brugués.

Embora o cineasta, por razões óbvias, fuja do confronto direto com o governo local, a obra pode ser lida como uma crítica social ao estado das coisas na ilha caribenha, depois de meio século de socialismo real, ou surreal.

Juan de los Muertos segue a onda de filmes e livros que exploram, para fins de parábola, metáfora ou sátira, os mortos-vivos. Nas telas, George A. Romero é comumente apontado como o responsável pela popularidade das criaturas. O diretor nova-iorquino realizou, em 1968, A Noite dos Mortos-Vivos, que se tornou objeto de culto entre os aficionados do gênero. Muitos outros seguiram seus passos.

A lista de filmes sobre zumbis é extensa e curiosa, abrangendo títulos criativos, tais como A Morte dos Mortos, Uma Virgem entre os Mortos-Vivos, Os Alienígenas e os Zumbis, O Zumbi Americano, A Invasão Atômica de Cérebros, O Acordar dos Mortos, O Cérebro Morto, Zumbis Cáusticos, Os Filhos dos Mortos-Vivos, Cadáveres São para Sempre, A Dança dos Mortos, A Vida Morta, O Homem do Cemitério, Morte ao Zumbi Bastardo!, Noites Eróticas dos Mortos-Vivos, As Fêmeas Mercenárias na Ilha dos Zumbis, O Massacre dos Zumbis de Harvard, Os Zumbis Vegetarianos, Eu Fui um Zumbi para o FBI, Zumbi Kung Fu, Zumbis na Broadway, Os Zumbis Vampiros Mutantes das Florestas e muito, muito mais. Para a imaginação dos diretores e roteiristas, o céu (ou o inferno) é o limite.

O que explica nossa fascinação com tais criaturas? Para alguns, nosso interesse vem do medo da própria morte. Outros veem a popularidade dos zumbis como reflexo de uma época na qual a humanidade se depara com os limites físicos da própria Terra e com a possibilidade real de extinção da vida no planeta. Filmes e livros são espaços vivenciais fechados, nos quais podemos projetar nossos medos e angústias, reais ou imaginários, e vê-los resolvidos pela ação engenhosa de heróis.

O zumbi é um cadáver animado, trazido de volta à vida (ou um simulacro de vida) por meio de artifícios de bruxaria ou tecnologia. Sua origem é comumente associada a rituais religiosos haitianos e africanos. No cinema ou na literatura o zumbi é sempre um personagem paradoxal: um morto-vivo. Não tem cérebro nem paladar apurado. Age como um sonâmbulo, geralmente movido por uma busca voraz por carne humana. Multiplica-se no ritmo das pandemias, poupando somente um pequeno número de seres humanos, necessários para contar a história e manter a narrativa do filme ou livro. O zumbi é, por natureza, um ser antissocial: alimenta-se da carne de seres vivos e ignora as mais simples regras de civilidade. No entanto (mais um paradoxo), costuma movimentar-se em grandes bandos.

Também no caso dos zumbis, a vida imita a arte. Basta aguçar o olhar e mirar o mundo ao redor para constatar que vivemos cercados por hordas que poderiam integrar os bandos de mortos-vivos de Juan de los Muertos ou estrelar qualquer filme de George A. Romero. Cuba é aqui. Não tivemos cinco décadas de socialismo, porém, a combinação local de cleptocracia política, autismo social e indigência cultural provoca efeito similar.

Nossos trópicos estão sendo tomados por mortos-vivos. Jovens zumbis posam de estudantes, sentados nas salas de aulas, enquanto os dedos percorrem os teclados de smart phones e a mente flana sem direção por espaços virtuais e mídias sociais. Zumbis operários simulam trabalho nas estatais, nas linhas de montagem e nas centrais de atendimento. Zumbis emergentes vagam pelos shopping centers, os olhos vidrados nas vitrines.

O mundo corporativo transformou-se em uma grande fábrica de zumbis. As faculdades de Administração formam exércitos de mortos-vivos. Nos bancos escolares, os estudantes têm seus cérebros retirados. Perdem o senso crítico, desenvolvem obsessão pelo status e voracidade pelo dinheiro. Uma vez graduados, tonam-se zumbis trainees, condicionados a praticar os estranhos rituais da vida corporativa e a adorar seus chefes zumbis. Passam, então, a integrar empresas zumbis, sob o comando de executivos zumbis. Nessas estranhas organizações, a vida segue roteiro de filme trash. O pior é que, como a personagem Sara, de Juan de los Muertos, estamos nos tornando cada vez menos capazes de perceber a diferença.

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