Sociedade

O Carmo

O que foi feito do bairro onde nasci

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Em 2008, lancei um livro por uma editora de Belo Horizonte, a Conceito, sobre o bairro do Carmo, onde nasci. O livrinho faz parte da coleção BH, a cidade de cada um, que vai contando, em capítulos, a história dos lugares da capital de Minas Gerais.

Pessoas ilustres já passaram pela coleção, que já tem vinte e sete volumes. Wander Piroli contou a história do bairro dele, a Lagoinha, o Mercado Central foi Fernando Brant, o Estádio Independência foi Jairo Anatólio Lima, a Faculdade de Filosofia foi Clara Arreguy, o Cine Pathé foi Celina Albano, o Edifício Maleta foi Paulinho Assunção.

Já contaram a história também do Centro, do Caiçara, da Sagrada Família, da Pampulha, da Praça Sete, do Mineirão. É lendo esses livrinhos, longe de Minas, que vou reativando minha memória, lembrando de cantos da cidade que abandonei aos vinte e dois anos de idade, pra nunca mais voltar a morar.

De tempos em tempos, vou lá. Minha relação com Belo Horizonte é muito estranha. Gosto e desconfio. Me emociono e me decepciono. Fico tranquilo e desfavorável. Me deixa perplexo e muitas vezes assustado.

O meu livrinho, tenho o maior carinho por ele. Foi ali que contei minhas histórias da infância que passei no Carmo. Comecei falando da casa da Rua Rio Verde, onde nasci, pouco depois de ser construída por meu pai, em 1950. Falei da rixa entre o Carmo e o Sion, dos salgadinhos de dona Elvira, do Clube Recreativo Mineiro, da barbearia do Geraldo, do dia em que Juscelino Kubitschek foi ao bairro inaugurar a BR-3.

Recebi inúmeras cartas, telefonemas  e e-mails de antigos moradores do bairro, todos emocionados, felizes da vida de terem agora, em mãos, as histórias que eles também viveram.

Estou chegando de BH, onde passei quatro dias. Toda vez que vou lá, além de circular pela Praça da Liberdade, pela Savassi, faço questão de subir a Rua Grão Mogol para rever o Carmo, que não há mais.

Da Rua Grão Mogol, restou apenas o Clube Recreativo Mineiro, a Igreja e um boteco na esquina com Rua Montes Claros, esse do mesmo jeitinho que era nos anos 70. Os mesmos azulejos, o mesmo balcão de madeira, as mesmas mesinhas. Só a cerveja que não é mais a Malt 90.

Da Rua Rio Verde, sobrou somente a casa que o meu pai construiu. Ela resiste ali bravamente, ao lado de prédios modernosos subindo e escondendo o céu azul tão lindo da minha cidade. Se naqueles anos 70, o meu irmão lavava a Rural Willys estacionada na porta de casa, hoje os carros não podem sequer estacionar nela.

A barbearia do Geraldo virou uma lojinha que vende capinhas de celular. A casa onde Dona Elvira fazia suas inesquecíveis empadinhas, coxinhas e pasteizinhos portugueses, hoje é um edifício arto. A BR-3 virou Avenida Nossa Senhora do Carmo, cheia de faróis e automóveis com seus motoristas aflitos.

A casa de Seu Nilo foi abaixo, a casa do Doutor Ruy foi abaixo, a casa de Seu Eloy foi abaixo, a casa do doutor Luiz Martins foi abaixo, a do Doutor Asplênio também não existe mais. Tudo virou restaurante por quilo, pet shops, academias, drugstores, sorveterias.

O lugar onde ficava o armazém do Seu Mario, nem consegui identificar. Como não consegui identificar a casa onde Dona Olivia fazia suas balas delicia, o campinho onde jogávamos pelada, o riacho onde pescávamos piabas, nem mesmo o lote onde catávamos mamonas para guerrear.

Meu consolo foi ter conseguido fazer, do outro lado da rua, uma fotografia da casa da Rua Rio Verde, depois de muito esforço porque os carros não paravam de passar. 

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