Sociedade

O Brasil não é só o país do futebol

Seria ótimo para o País se os esportes – todos – pudessem atrair tanta gente como o futebol, poupando-nos do vexame de ter ginásios às moscas

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Por  Aurélio Munhoz*

 

Não se sabe se foi por franca convicção ou por um insight de conveniência política, mas as recentes declarações sobre a organização da Copa do Mundo de 2014 feitas pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, teriam sido mais úteis se tivessem sido mantidas nas mais abissais profundezas da mente fértil do novo integrante da trupe da presidenta Dilma Rousseff.

Não nos referimos à reação irada do ministro às críticas arrogantes e indelicadas (porém  em grande parte verdadeiras) do secretário-geral da Fifa, Jerôme Valcke, à frágil organização da Copa no Brasil. Aldo, assim como os demais integrantes do governo, foi feliz na decisão de pedir à Fifa que coloque a cabeça de Valcke na bandeja. O homem exagerou nas medidas. Bola na rede do Palácio do Planalto.

Tratamos de outro grupo de declarações do ministro sobre o esporte. Sem esboçar o menor rubor, Rebelo defendeu o uso de incentivos fiscais para a construção de estádios e a criação de uma medida para baixar o preço do ingresso dos jogos de futebol pelo País. A proposta, claro, não deixa de ter sua dose de utilidade.

Ocorre que, na intenção de marcar um gol de placa na mídia, no gosto popular e na cartolagem futebolística, o polido ministro saiu-se com uma justificativa à la Hugo Chaves, infeliz e equivocada.

“Acho que se deveria popularizar os ingressos para que as pessoas mais pobres, que inclusive são as que têm paixão mais verdadeira pelo futebol, possam ter acesso. Que o preço dos mais ricos compensasse o dos mais pobres”, bradou o ministro, relembrando seus tempos áureos de presidente da Câmara dos Deputados.

A proposta é esdruxula por um número considerável de razões. Não consta, por exemplo, que o fato de alguém ser rico seja impedimento a uma paixão genuína pelo futebol. Que o diga o empresário Eike Batista, décimo homem mais endinheirado do planeta, um assumido (e entusiasmado) torcedor do Botafogo do Rio de Janeiro.

Parodiando Eike, o “x” da questão é outro: o futebol já tem sido exageradamente beneficiado com incentivos fiscais concedidos pelo coração de mãe dos governantes brasileiros. A quem interessar possa, basta dizer que clubes não pagam Imposto de Renda, o que não é pouco, considerando o apetite verdadeiramente leonino da Receita Federal.

Pior: os adorados clubes de futebol brasileiros também devem fortunas em INSS, IPTU e outros impostos atrasados. Prova disso foi o levantamento feito pela consultoria BDO RCS, divulgado em maio do ano passado, segundo o qual os balanços de 25 clubes (17 da Série A) apontaram um crescimento de suas dívidas de 16% em 2011- de 3,11 bilhões de reais para 3,61 bilhões. Boa parte delas junto aos cofres públicos.

Mas isto não é tudo. Não custa lembrar ao ministro-político que o Brasil não é só o país do futebol.  É também do MMA de Anderson Silva, esporte no qual, em que pesem os olhares enojados dos cépticos, somos a nação com maior número de detentores de cinturões do planeta.

Mas o Brasil é também o país do vôlei vencedor de Giba. Da natação de Cesar Cielo. Do salto em distância de Maurren Maggi. Da ginástica de Diego Hypolito. Enfim, de um sem número de campeões mundiais e olímpicos.

Não consta, porém, que Aldo Rebelo tenha sido tão generoso na defesa da concessão de incentivos fiscais para a redução dos preços das entradas dos ginásios onde estes esportes são praticados. Nem consta, ainda, que o ministro tenha defendido a realização de um investimento maciço do Governo e das estatais nas modalidades esportivas que mais precisam do dinheiro público e que muitas vezes acolhem jovens pobres de destino promissor, como o atletismo e o boxe. Joaquim Cruz e Acelino Popó de Freitas, ex-campeões mundiais, são exemplos do que o dinheiro bem aplicado pode fazer pelas vidas de gente de origem humilde como eles.

A postura de Rebelo deveria ser diferente por outro motivo, igualmente importante. Faltam apenas 4 anos para que o Brasil sedie a maior e mais importante competição esportiva do planeta – as Olimpíadas. Seria ótimo para o País se, até lá, os esportes  – todos eles – pudessem atrair tanta gente como o futebol, poupando-nos do vexame de ter ginásios às moscas por causa dos preços abusivos das entradas e pela absoluta falta de interesse do povão por eles.

Não se culpe apenas Rebelo, porém, pela patuscada. Grande parte da imprensa esportiva segue a mesma trilha, quando insiste em tratar os brasileiros como obsessivos compulsivos por futebol, mesmo que 60% da população não saiba a diferença entre um meia e um zagueiro. Ou em converter boleiros em celebridades, mesmo que parte expressiva deles não passe de uma legião de meninos (muitos de talento duvidoso) deslumbrados com o canto de sereia do dinheiro, da fama e dos holofotes.

O Brasil não é só o país do futebol, mas de todas as modalidades esportivas, ainda que o gosto popular tenha consagrado o jogo desenvolvido pelos ingleses no XVIII. Aldo Rebelo, igualmente, não é só o ministro do esporte de Pelé. Pena que o camarada comunista, vez ou outra, auxiliado pela imprensa fanática por futebol, não se lembre disso.

 

*Aurélio Munhoz é jornalista, sociólogo, consultor em Comunicação e presidente da ONG Pense Bicho. Pós-graduado em Sociologia Política e em Gestão da Comunicação, foi repórter, editor e colunista na imprensa do Paraná.

 

Facebook – https://www.facebook.com/aureliomunhoz


Twitter – http://twitter.com/aureliomunhoz

Por  Aurélio Munhoz*

 

Não se sabe se foi por franca convicção ou por um insight de conveniência política, mas as recentes declarações sobre a organização da Copa do Mundo de 2014 feitas pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, teriam sido mais úteis se tivessem sido mantidas nas mais abissais profundezas da mente fértil do novo integrante da trupe da presidenta Dilma Rousseff.

Não nos referimos à reação irada do ministro às críticas arrogantes e indelicadas (porém  em grande parte verdadeiras) do secretário-geral da Fifa, Jerôme Valcke, à frágil organização da Copa no Brasil. Aldo, assim como os demais integrantes do governo, foi feliz na decisão de pedir à Fifa que coloque a cabeça de Valcke na bandeja. O homem exagerou nas medidas. Bola na rede do Palácio do Planalto.

Tratamos de outro grupo de declarações do ministro sobre o esporte. Sem esboçar o menor rubor, Rebelo defendeu o uso de incentivos fiscais para a construção de estádios e a criação de uma medida para baixar o preço do ingresso dos jogos de futebol pelo País. A proposta, claro, não deixa de ter sua dose de utilidade.

Ocorre que, na intenção de marcar um gol de placa na mídia, no gosto popular e na cartolagem futebolística, o polido ministro saiu-se com uma justificativa à la Hugo Chaves, infeliz e equivocada.

“Acho que se deveria popularizar os ingressos para que as pessoas mais pobres, que inclusive são as que têm paixão mais verdadeira pelo futebol, possam ter acesso. Que o preço dos mais ricos compensasse o dos mais pobres”, bradou o ministro, relembrando seus tempos áureos de presidente da Câmara dos Deputados.

A proposta é esdruxula por um número considerável de razões. Não consta, por exemplo, que o fato de alguém ser rico seja impedimento a uma paixão genuína pelo futebol. Que o diga o empresário Eike Batista, décimo homem mais endinheirado do planeta, um assumido (e entusiasmado) torcedor do Botafogo do Rio de Janeiro.

Parodiando Eike, o “x” da questão é outro: o futebol já tem sido exageradamente beneficiado com incentivos fiscais concedidos pelo coração de mãe dos governantes brasileiros. A quem interessar possa, basta dizer que clubes não pagam Imposto de Renda, o que não é pouco, considerando o apetite verdadeiramente leonino da Receita Federal.

Pior: os adorados clubes de futebol brasileiros também devem fortunas em INSS, IPTU e outros impostos atrasados. Prova disso foi o levantamento feito pela consultoria BDO RCS, divulgado em maio do ano passado, segundo o qual os balanços de 25 clubes (17 da Série A) apontaram um crescimento de suas dívidas de 16% em 2011- de 3,11 bilhões de reais para 3,61 bilhões. Boa parte delas junto aos cofres públicos.

Mas isto não é tudo. Não custa lembrar ao ministro-político que o Brasil não é só o país do futebol.  É também do MMA de Anderson Silva, esporte no qual, em que pesem os olhares enojados dos cépticos, somos a nação com maior número de detentores de cinturões do planeta.

Mas o Brasil é também o país do vôlei vencedor de Giba. Da natação de Cesar Cielo. Do salto em distância de Maurren Maggi. Da ginástica de Diego Hypolito. Enfim, de um sem número de campeões mundiais e olímpicos.

Não consta, porém, que Aldo Rebelo tenha sido tão generoso na defesa da concessão de incentivos fiscais para a redução dos preços das entradas dos ginásios onde estes esportes são praticados. Nem consta, ainda, que o ministro tenha defendido a realização de um investimento maciço do Governo e das estatais nas modalidades esportivas que mais precisam do dinheiro público e que muitas vezes acolhem jovens pobres de destino promissor, como o atletismo e o boxe. Joaquim Cruz e Acelino Popó de Freitas, ex-campeões mundiais, são exemplos do que o dinheiro bem aplicado pode fazer pelas vidas de gente de origem humilde como eles.

A postura de Rebelo deveria ser diferente por outro motivo, igualmente importante. Faltam apenas 4 anos para que o Brasil sedie a maior e mais importante competição esportiva do planeta – as Olimpíadas. Seria ótimo para o País se, até lá, os esportes  – todos eles – pudessem atrair tanta gente como o futebol, poupando-nos do vexame de ter ginásios às moscas por causa dos preços abusivos das entradas e pela absoluta falta de interesse do povão por eles.

Não se culpe apenas Rebelo, porém, pela patuscada. Grande parte da imprensa esportiva segue a mesma trilha, quando insiste em tratar os brasileiros como obsessivos compulsivos por futebol, mesmo que 60% da população não saiba a diferença entre um meia e um zagueiro. Ou em converter boleiros em celebridades, mesmo que parte expressiva deles não passe de uma legião de meninos (muitos de talento duvidoso) deslumbrados com o canto de sereia do dinheiro, da fama e dos holofotes.

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