Cultura

O amor fere mais que nunca (culpe a Internet e o capitalismo)

Os valores consumistas causam cada vez mais dores de amor, advertem os especialistas no Dia dos Namorados do hemisfério norte

Os valores consumistas causam cada vez mais dores de amor, advertem os especialistas ao se aproximar do Dia dos Namorados no hemisfério norte. Foto: Flickr/x_MeSHaRi_x
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O amor machuca. E se você está cuidando de um coração partido neste Dia dos Namorados – 14 de fevereiro no hemifério norte – não vai ajudar nada saber que o amor moderno magoa mais que nunca. As mulheres podem ter fugido para os conventos e os homens, marchado para a guerra por causa disso, poetas sofreram, dramaturgos foram presos por isso, e o cantor Meatloaf prometeu fazer qualquer coisa por ele, mas os especialistas acreditam que o amor nunca causou um sofrimento tão agudo quanto hoje.

 

 

A culpa é de Hollywood, do capitalismo e da Internet, os quais bagunçaram nossa vida amorosa e nos ensinaram a nos comportar como consumidores, quando se trata dos assuntos do coração. Nós tratamos a busca do amor como nos aproximaríamos de um bufê de comida, diz a socióloga Eva Illouz, em um novo livro que está sendo saudado como um “atlas emocional” para o século 21.

Nosso relacionamento com os relacionamentos hoje é tão caótico que afeta todas as partes de nossa psique. A dor do amor não é mais contida no coração, e um exército crescente de psicólogos e sociólogos advertem que o amor está em situação perigosa. O casamento moderno foi chamado de “tóxico”, a mudança de papéis entre os gêneros é acusada pelo aumento nos divórcios e o enfoque cada vez maior para a aparência está destruindo a ideia de uma alma gêmea em favor de um parceiro sexual.

Mas segundo Illouz o motivo não é a ascensão do feminismo ou as infâncias disfuncionais, e sim o fato de que temos opções demais — e um número excessivo de homens com fobia a compromissos.

Em Why Love Hurts [Por que o amor fere], Illouz, uma socióloga na Universidade Hebraica de Jerusalém, tenta explicar a forma moderna específica de “sofrimento e felicidade românticos”. Ela diz que nossa cultura capitalista consumista mudou a face de nossos relacionamentos, tornando-os irreconhecíveis. A crescente opção de namoros na Internet encorajou as pessoas a agir como “compradoras” — exigindo, comparando alternativas, constantemente tentando conseguir um negócio melhor e matando o instinto visceral e o acaso que sempre ajudaram os seres humanos a encontrar um(a) parceiro(a). Os homens adquiriram fobia a compromissos porque a ascensão do capitalismo os incentivou a ser autônomos e egocêntricos.

“O feminismo foi com tal frequência acusado pelo atual tumulto nos relacionamentos românticos e sexuais”, diz Illouz, “que esquecemos de nos concentrar na causa mais imediata, o capitalismo. Ele teve um profundo impacto na família: as mulheres adiam a geração de filhos porque preferem desenvolver carreiras oferecidas por organizações capitalistas. Quando se tornam mães, a maioria continua trabalhando porque o trabalho se tornou uma parte da autorrealização e porque os gastos familiares hoje exigem uma renda dupla.

“Para os homens, o casamento passou a ser mais opcional. Eles não precisam. O relacionamento romântico tornou-se mais central que nunca para homens e mulheres, e é uma grande fonte de valor social, de validação. Mas os homens usam a proeza sexual, quantas parceiras têm, para obter um sentido de valor, e as mulheres querem ser amadas. Por isso a esse respeito as mulheres são mais dependentes dos homens e querem exclusividade, enquanto os homens querem quantidade.”

A falta de harmonia entre os sexos é uma preocupação crescente.

“Homens e mulheres definitivamente precisam menos uns dos outros conforme seus papéis convergem”, disse Glenn Wilson, professor da Associação Britânica de Psicologia e professor visitante no Gresham College, em Londres. “Eu acho que a principal mudança ao longo dos anos é a crença promovida por Hollywood de que o amor e o casamento devem ser contíguos — andar juntos como o cavalo e a carruagem. Como a paixão dura pouco, isto resulta em nosso padrão de monogamia serial — divórcios e casamentos repetidos, deixando uma trilha de destruição.

“A outra grande mudança é que a convergência dos papéis sexuais torna o casamento cada vez menos relevante. Quem precisa de um parceiro, se ele não traz uma habilidade ou responsabilidade complementar para a união?”

Illouz diz que as mulheres que querem filhos estão em uma posição ainda mais fraca do que no passado. Como qualquer personagem de Jane Austen poderia lhe dizer, as pessoas do século 19 se casavam principalmente por motivos econômicos e sociais, diz. Seus relacionamentos eram ritualizados para se adequar aos dois gêneros, o amor e o dever eram entrelaçados e a insegurança não entrava no quadro.

“Por que Elizabeth Bennet, a heroína de Orgulho e Preconceito, recebe os comentários arrogantes e depreciativos de Darcy sobre sua aparência — “ela é tolerável, mas não é bonita o suficiente para me tentar” — nem com rejeição nem com um sentido de humilhação, mas sim com humor e espírito? Porque o desprezo dele não modifica ou afeta seu senso de valor próprio.

“Não há conflito entre as paixões e o senso de dever moral e comportamento deles. Pelos padrões modernos, as heroínas de Jane Austen são incomumente calmas e estranhamente desligadas da necessidade de ser ‘validadas’ ou aprovadas por seus pretendentes.

“Sua sensação de ser interior está lá, e não é modificada pela opinião de um homem. Por isso, enquanto as mulheres daquela época eram jurídica e economicamente dependentes dos homens, elas absolutamente dependiam deles.” A situação moderna é totalmente diferente, ela diz.

“De modo geral, homens e mulheres são jurídica e intelectualmente iguais. As pessoas pensam que as dificuldades emocionais entre eles são remanescentes do passado, mas na verdade isso é novo — uma mudança no processo do flerte. “Temos todas essas opções e pensamos que seja uma espécie de liberdade, mas não é. Um menu complexo de opções não é necessariamente liberdade.”

“As pessoas pré-modernas tomavam a decisão de se casar com base em um senso de dever social e convenção. As pessoas modernas tendem a fazê-lo por um desejo de realizar nosso ser interior, de sermos validados. As pessoas pré-modernas se sentiam unidas por uma simples declaração de amor. As pessoas modernas preferem manter suas opções sempre abertas, mesmo depois de se casar.”

Illouz disse que a situação era tão difícil que deveríamos pensar seriamente sobre o que poderia substituir o casamento como método de criar filhos.

Ela salienta que o amor não terminou. “Eu não gostaria de dar a impressão de que passamos da estrutura total para o caos total. É apenas que os indivíduos hoje enfrentam uma feira de opções, um mercado de sexo, e isso pode criar um grande conflito de desconexão.”

Leia mais em guardian.co.uk

O amor machuca. E se você está cuidando de um coração partido neste Dia dos Namorados – 14 de fevereiro no hemifério norte – não vai ajudar nada saber que o amor moderno magoa mais que nunca. As mulheres podem ter fugido para os conventos e os homens, marchado para a guerra por causa disso, poetas sofreram, dramaturgos foram presos por isso, e o cantor Meatloaf prometeu fazer qualquer coisa por ele, mas os especialistas acreditam que o amor nunca causou um sofrimento tão agudo quanto hoje.

 

 

A culpa é de Hollywood, do capitalismo e da Internet, os quais bagunçaram nossa vida amorosa e nos ensinaram a nos comportar como consumidores, quando se trata dos assuntos do coração. Nós tratamos a busca do amor como nos aproximaríamos de um bufê de comida, diz a socióloga Eva Illouz, em um novo livro que está sendo saudado como um “atlas emocional” para o século 21.

Nosso relacionamento com os relacionamentos hoje é tão caótico que afeta todas as partes de nossa psique. A dor do amor não é mais contida no coração, e um exército crescente de psicólogos e sociólogos advertem que o amor está em situação perigosa. O casamento moderno foi chamado de “tóxico”, a mudança de papéis entre os gêneros é acusada pelo aumento nos divórcios e o enfoque cada vez maior para a aparência está destruindo a ideia de uma alma gêmea em favor de um parceiro sexual.

Mas segundo Illouz o motivo não é a ascensão do feminismo ou as infâncias disfuncionais, e sim o fato de que temos opções demais — e um número excessivo de homens com fobia a compromissos.

Em Why Love Hurts [Por que o amor fere], Illouz, uma socióloga na Universidade Hebraica de Jerusalém, tenta explicar a forma moderna específica de “sofrimento e felicidade românticos”. Ela diz que nossa cultura capitalista consumista mudou a face de nossos relacionamentos, tornando-os irreconhecíveis. A crescente opção de namoros na Internet encorajou as pessoas a agir como “compradoras” — exigindo, comparando alternativas, constantemente tentando conseguir um negócio melhor e matando o instinto visceral e o acaso que sempre ajudaram os seres humanos a encontrar um(a) parceiro(a). Os homens adquiriram fobia a compromissos porque a ascensão do capitalismo os incentivou a ser autônomos e egocêntricos.

“O feminismo foi com tal frequência acusado pelo atual tumulto nos relacionamentos românticos e sexuais”, diz Illouz, “que esquecemos de nos concentrar na causa mais imediata, o capitalismo. Ele teve um profundo impacto na família: as mulheres adiam a geração de filhos porque preferem desenvolver carreiras oferecidas por organizações capitalistas. Quando se tornam mães, a maioria continua trabalhando porque o trabalho se tornou uma parte da autorrealização e porque os gastos familiares hoje exigem uma renda dupla.

“Para os homens, o casamento passou a ser mais opcional. Eles não precisam. O relacionamento romântico tornou-se mais central que nunca para homens e mulheres, e é uma grande fonte de valor social, de validação. Mas os homens usam a proeza sexual, quantas parceiras têm, para obter um sentido de valor, e as mulheres querem ser amadas. Por isso a esse respeito as mulheres são mais dependentes dos homens e querem exclusividade, enquanto os homens querem quantidade.”

A falta de harmonia entre os sexos é uma preocupação crescente.

“Homens e mulheres definitivamente precisam menos uns dos outros conforme seus papéis convergem”, disse Glenn Wilson, professor da Associação Britânica de Psicologia e professor visitante no Gresham College, em Londres. “Eu acho que a principal mudança ao longo dos anos é a crença promovida por Hollywood de que o amor e o casamento devem ser contíguos — andar juntos como o cavalo e a carruagem. Como a paixão dura pouco, isto resulta em nosso padrão de monogamia serial — divórcios e casamentos repetidos, deixando uma trilha de destruição.

“A outra grande mudança é que a convergência dos papéis sexuais torna o casamento cada vez menos relevante. Quem precisa de um parceiro, se ele não traz uma habilidade ou responsabilidade complementar para a união?”

Illouz diz que as mulheres que querem filhos estão em uma posição ainda mais fraca do que no passado. Como qualquer personagem de Jane Austen poderia lhe dizer, as pessoas do século 19 se casavam principalmente por motivos econômicos e sociais, diz. Seus relacionamentos eram ritualizados para se adequar aos dois gêneros, o amor e o dever eram entrelaçados e a insegurança não entrava no quadro.

“Por que Elizabeth Bennet, a heroína de Orgulho e Preconceito, recebe os comentários arrogantes e depreciativos de Darcy sobre sua aparência — “ela é tolerável, mas não é bonita o suficiente para me tentar” — nem com rejeição nem com um sentido de humilhação, mas sim com humor e espírito? Porque o desprezo dele não modifica ou afeta seu senso de valor próprio.

“Não há conflito entre as paixões e o senso de dever moral e comportamento deles. Pelos padrões modernos, as heroínas de Jane Austen são incomumente calmas e estranhamente desligadas da necessidade de ser ‘validadas’ ou aprovadas por seus pretendentes.

“Sua sensação de ser interior está lá, e não é modificada pela opinião de um homem. Por isso, enquanto as mulheres daquela época eram jurídica e economicamente dependentes dos homens, elas absolutamente dependiam deles.” A situação moderna é totalmente diferente, ela diz.

“De modo geral, homens e mulheres são jurídica e intelectualmente iguais. As pessoas pensam que as dificuldades emocionais entre eles são remanescentes do passado, mas na verdade isso é novo — uma mudança no processo do flerte. “Temos todas essas opções e pensamos que seja uma espécie de liberdade, mas não é. Um menu complexo de opções não é necessariamente liberdade.”

“As pessoas pré-modernas tomavam a decisão de se casar com base em um senso de dever social e convenção. As pessoas modernas tendem a fazê-lo por um desejo de realizar nosso ser interior, de sermos validados. As pessoas pré-modernas se sentiam unidas por uma simples declaração de amor. As pessoas modernas preferem manter suas opções sempre abertas, mesmo depois de se casar.”

Illouz disse que a situação era tão difícil que deveríamos pensar seriamente sobre o que poderia substituir o casamento como método de criar filhos.

Ela salienta que o amor não terminou. “Eu não gostaria de dar a impressão de que passamos da estrutura total para o caos total. É apenas que os indivíduos hoje enfrentam uma feira de opções, um mercado de sexo, e isso pode criar um grande conflito de desconexão.”

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