Sociedade

“Não temos que viver na escuridão”, diz Lea T. sobre LGBTs

Convidada para participar da cerimônia de abertura da Olimpíada, modelo transexual brasileira vai levar mensagem de inclusão

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A modelo Lea T. vai participar nesta sexta-feira 5 da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro. Apontada como a primeira transexual a ter um papel de destaque no evento, Lea T. diz que a ideia é passar uma mensagem de inclusão e provocar reflexão.

Filha do ex-jogador da seleção brasileira Toninho Cerezo, a modelo afirma que é “absurdo” que a vida íntima das pessoas ainda provoque, em 2016, debate sobre aceitação ou rejeição. “Eu tenho que ter autorização para viver no mundo? É uma coisa triste que a gente vive cotidianamente”, diz ela em entrevista a CartaCapital.

Lea T. ganhou fama internacional em 2010, após estrelar uma campanha da grife francesa Givenchy, mas isso não a blindou do preconceito, tampouco do “medo”. “As pessoas morrem por isso diariamente“, afirma. “Eu tenho que me preocupar por onde eu ando, porque tenho medo de encontrar um fanático, uma pessoa louca que possa me machucar”, continua. Segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, o Brasil registrou 318 assassinatos de LGBTs em 2015.

Confira os principais trechos da entrevista:

CartaCapital: O que simboliza a sua participação na abertura das Olimpíadas?

Lea T.: É a integração, é você participar de qualquer coisa, independentemente de quem seja. As pessoas precisam parar de olhar o que você é. O fato de eu ser uma transexual significa que eu fiz uma mudança de sexo, ou seja, eu cortei um órgão genital. É absurdo que até hoje nós vivamos em uma sociedade onde as pessoas se interessem pelo que eu fiz com o meu pênis ou com a minha vagina. É algo pessoal, íntimo, não afeta ninguém.

Infelizmente, as pessoas morrem por isso diariamente, no Brasil e fora do Brasil. Existem países onde é ilegal você querer ser quem você é. Então eu acho que por isso é importante [participar das Olimpíadas], para mostrar que estamos aqui, para mostrar que você pode ser reconhecida, independentemente de você ser negra, branca, índia ou trans.

Quando recebi a proposta, não tive como recusar, porque isso pode fazer as pessoas refletirem um pouco. Existe muito preconceito na sociedade e no Brasil. Se aquela pessoa não machuca ninguém, não faz mal a ninguém, por que ela não pode fazer parte de uma sociedade, de um grupo? Nós não temos que viver na escuridão.

CC: Como será a sua participação? Haverá alguma mensagem direta?

LT: Eu tive de assinar um termo de sigilo, então não posso falar sobre isso. Mas o fato de uma transexual estar lá já é uma mensagem. Acho que eu ainda não sou madura o suficiente, preciso crescer em vários aspectos, mas a vida que eu tive já me permitiu levar uma mensagem para as pessoas, porque eu fui uma exceção.

E no momento em que você é uma exceção na vida, no mundo, você vira uma mensageira. Então só de estar lá, seja a minha participação pequena ou grande, a mensagem será a de que conseguiram integrar uma transexual para trabalhar e fazer parte desse grupo.

CC: Você ainda sofre preconceito?

LT: Sofro. Se uma mulher sofre preconceito, imagina se uma trans não sofre preconceito. Não vou dizer que sofro diariamente preconceito, mas já aconteceu, acontece.

CC: Como você avalia o combate à transfobia e à homofobia no Brasil?

LT: Eu percebo que pessoas mais instruídas, pelo fato de terem um esclarecimento maior, começam a ter mais informação e maior conscientização. Mas de repente você vai a uma ONG, a uma associação, ou abre a internet, e vê que todo dia morre alguém.

Hoje pelo menos tem esse interesse e essa discussão, que é uma coisa que antigamente nem existia, mas claro que temos que melhorar muito mais, as coisas não vão bem para a gente.

Eu tenho que me preocupar por onde eu ando, porque eu tenho medo de, de repente, encontrar um fanático, uma pessoa louca que possa me machucar por achar que eu não mereço estar aqui neste planeta. A gente fica assustada, a gente tem medo, porque ainda pregam a violência às diferenças.

Também pregam a não aceitação, que eu acho uma palavra ruim. Eu não tenho que ser aceita por ninguém, você não tem que me aceitar. Eu tenho que te aceitar pelo fato de você ser uma mulher biológica? Você não vive com o pensamento de aceitação. Então por que eu tenho que viver com o pensamento de aceitação se eu respiro, durmo e faço as mesmas coisas que você, se meu organismo se comporta da mesma maneira que o seu?

E, mesmo que meu organismo não se comportasse da mesma maneira que o seu, já que eu posso ter diferenças orgânicas no meu corpo, isso não é algo que alguém precise aceitar ou não aceitar. Então eu acho muito feia esta palavra, de que temos que ser ‘aceitas’. Ser aceita de que? Eu tenho que ter autorização para viver no mundo? É uma coisa triste que a gente vive cotidianamente.

CC: O seu pai foi jogador de futebol, então o universo do esporte esteve presente na sua vida. Como avalia novidades como o fato de o Comitê Olímpico Internacional (COI) aceitar que transexuais participem dos jogos sob o novo gênero, sem necessidade de cirurgia?

LT: Acho que a Olimpíada entrou nesse tema, quer dar a liberdade, passar uma mensagem de que você pode ser quem você é, pode participar, pode se unir. É um evento pacífico. O esporte tem um poder de cura mental muito forte, é um trabalho quase terapêutico para as pessoas.

Eu vi pelo meu pai, a vida dele não foi fácil, e o amor que ele tinha pelo esporte foi o que fez com que ele fosse um homem feliz, um pai de família. Eu vi o quanto o esporte pode ser importante na vida das pessoas.

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