Sociedade

Não é da nossa conta quem é gay e quem não é

George Clooney diz que não dá a mínima para o que as pessoas pensam. Mas vamos superar esse desejo de “revelar” celebridades

George Clooney diz que nunca fez questão de negar os rumores, o que poderia dar a impressão de que ser gay é uma coisa ruim. Foto: Divulgação
Apoie Siga-nos no

Por Barbara Ellen

George Clooney deu uma entrevista para a revista gay americana Advocate afirmando não se importar se as pessoas pensem que ele é gay. Na verdade, a linguagem de Clooney foi mais forte: ele disse que não dá “a shit” [literalmente, não dá # uma merda]. Também disse nunca ter feito questão de negar os rumores, o que faria o fato de ser gay parecer uma coisa ruim.

Tudo muito bem conduzido, mas os rumores de “George é gay” rodam há pelo menos 15 anos, e de repente Clooney está disposto a enfrentá-los. O que ele esteve esperando? Talvez seu aparecimento na leitura de uma única noite da peça 8, de Dustin Lance, sobre a legalização do casamento homossexual (o gancho para a matéria na Advocate)?

Então, se as pessoas não são gays, por que deveriam comentar tais rumores? Na verdade, mesmo que o sejam, por que deveriam? O que dá a alguém, mesmo a outros gays, o “direito” inalienável de saber? Assim, tropeçamos e caímos no mato espinhoso da etiqueta da “revelação”.

Há muito tempo me parece que, por motivos óbvios, existe um sentido muito mais forte de “propriedade” entre os gays. Simplesmente não ocorreria à maioria dos “heteros” fazer uma declaração sobre a heterossexualidade de outra pessoa. Ninguém sussurra: “Ele/ela é hetero, você sabe…”, com uma piscadela maliciosa. Talvez devamos começar a nos “assumir”; talvez isso tornasse muito mais divertido ser hetero (embora eu esteja apenas fazendo graça, é claro).

Se os heterossexuais tivessem de lutar pelos direitos básicos, ou fossem agredidos apenas por causa de sua orientação sexual, as coisas seriam diferentes.

Claramente, para muitos gays, “sair do armário” é um impulso profundamente enraizado, gerado por uma história social de invisibilidade forçada, vergonha, abuso, preconceito e todos os graus de privação. De maneira semelhante, a capacidade de identificar outros gays, o infame “gaydar” (gay + radar; coloquialismo que se refere à pessoa capaz de intuir orientações secuais), já foi uma ferramenta crucial — capte a informação errada e você correrá o risco de tudo, desde a desgraça social e a prisão a ferimentos e até a morte.

No entanto, o que tudo isso tem a ver com 2012 e George Clooney? Ou mesmo com Whitney Houston, cujo cadáver mal havia esfriado quando ela começou a ser declarada “lésbica”? Também existe a pequena questão de que o gaydar universal não pode acertar todas as vezes. Apesar de seus pecados, Clooney lidou graciosamente com uma situação quase impossível: o que uma pessoa hetero não homofóbica deveria fazer?

Todo mundo sabe que uma pessoa nunca parece mais gay do que quando nega que é. No entanto, não consigo me lembrar de um único incidente em que um heterossexual “acusado” erroneamente tenha recebido um pedido de desculpas. Mesmo que uma celebridade seja gay, não parece ser um motivo real para esses derramamentos de sangue públicos.

De fato, enquanto antigamente esses incidentes poderiam ter servido ao objetivo de tornar a homossexualidade visível e crível, temos de nos perguntar o que esse fluxo constante de revelações de celebridades está alcançando hoje. E nos perguntar se de fato hoje é apenas uma indulgência rasa.

Creio que, enquanto a homossexualidade “assumida” parece infinitamente preferível à variedade “de armário”, talvez esteja na hora de mudar de foco e não querer impiedosamente esvaziar o tal armário de toda figura pública — desde o trêmulo rapaz da banda à diva coberta de lantejoulas. Também parece muito dúbio para os “reveladores” dedicados a continuar reivindicando um alto nível moral, quando a maioria deles parece meramente obcecada por enrubescer rostos famosos.

Muito longe de todo esse glamour, quase não se passa uma semana sem que um adolescente gay solitário cometa suicídio depois de ser assediado ou agredido por sua sexualidade. Depois há os casos como o dos três homens de Camarões que no ano passado foram condenados a cinco anos de prisão por praticar sexo gay.

De fato, 38 países africanos estão rumando para penas cada vez mais severas contra a homossexualidade. Mas isso não importa: Clooney é gay ou não?

Bem, Clooney disse que não dá a mínima, e francamente nenhum de nós deveria dar. Mesmo para uma garota hetero, parece haver questões gays mais prementes do que com quem um ator ou atriz de Hollywood estaria transando.

Leia mais em Guardian.co.uk

Por Barbara Ellen

George Clooney deu uma entrevista para a revista gay americana Advocate afirmando não se importar se as pessoas pensem que ele é gay. Na verdade, a linguagem de Clooney foi mais forte: ele disse que não dá “a shit” [literalmente, não dá # uma merda]. Também disse nunca ter feito questão de negar os rumores, o que faria o fato de ser gay parecer uma coisa ruim.

Tudo muito bem conduzido, mas os rumores de “George é gay” rodam há pelo menos 15 anos, e de repente Clooney está disposto a enfrentá-los. O que ele esteve esperando? Talvez seu aparecimento na leitura de uma única noite da peça 8, de Dustin Lance, sobre a legalização do casamento homossexual (o gancho para a matéria na Advocate)?

Então, se as pessoas não são gays, por que deveriam comentar tais rumores? Na verdade, mesmo que o sejam, por que deveriam? O que dá a alguém, mesmo a outros gays, o “direito” inalienável de saber? Assim, tropeçamos e caímos no mato espinhoso da etiqueta da “revelação”.

Há muito tempo me parece que, por motivos óbvios, existe um sentido muito mais forte de “propriedade” entre os gays. Simplesmente não ocorreria à maioria dos “heteros” fazer uma declaração sobre a heterossexualidade de outra pessoa. Ninguém sussurra: “Ele/ela é hetero, você sabe…”, com uma piscadela maliciosa. Talvez devamos começar a nos “assumir”; talvez isso tornasse muito mais divertido ser hetero (embora eu esteja apenas fazendo graça, é claro).

Se os heterossexuais tivessem de lutar pelos direitos básicos, ou fossem agredidos apenas por causa de sua orientação sexual, as coisas seriam diferentes.

Claramente, para muitos gays, “sair do armário” é um impulso profundamente enraizado, gerado por uma história social de invisibilidade forçada, vergonha, abuso, preconceito e todos os graus de privação. De maneira semelhante, a capacidade de identificar outros gays, o infame “gaydar” (gay + radar; coloquialismo que se refere à pessoa capaz de intuir orientações secuais), já foi uma ferramenta crucial — capte a informação errada e você correrá o risco de tudo, desde a desgraça social e a prisão a ferimentos e até a morte.

No entanto, o que tudo isso tem a ver com 2012 e George Clooney? Ou mesmo com Whitney Houston, cujo cadáver mal havia esfriado quando ela começou a ser declarada “lésbica”? Também existe a pequena questão de que o gaydar universal não pode acertar todas as vezes. Apesar de seus pecados, Clooney lidou graciosamente com uma situação quase impossível: o que uma pessoa hetero não homofóbica deveria fazer?

Todo mundo sabe que uma pessoa nunca parece mais gay do que quando nega que é. No entanto, não consigo me lembrar de um único incidente em que um heterossexual “acusado” erroneamente tenha recebido um pedido de desculpas. Mesmo que uma celebridade seja gay, não parece ser um motivo real para esses derramamentos de sangue públicos.

De fato, enquanto antigamente esses incidentes poderiam ter servido ao objetivo de tornar a homossexualidade visível e crível, temos de nos perguntar o que esse fluxo constante de revelações de celebridades está alcançando hoje. E nos perguntar se de fato hoje é apenas uma indulgência rasa.

Creio que, enquanto a homossexualidade “assumida” parece infinitamente preferível à variedade “de armário”, talvez esteja na hora de mudar de foco e não querer impiedosamente esvaziar o tal armário de toda figura pública — desde o trêmulo rapaz da banda à diva coberta de lantejoulas. Também parece muito dúbio para os “reveladores” dedicados a continuar reivindicando um alto nível moral, quando a maioria deles parece meramente obcecada por enrubescer rostos famosos.

Muito longe de todo esse glamour, quase não se passa uma semana sem que um adolescente gay solitário cometa suicídio depois de ser assediado ou agredido por sua sexualidade. Depois há os casos como o dos três homens de Camarões que no ano passado foram condenados a cinco anos de prisão por praticar sexo gay.

De fato, 38 países africanos estão rumando para penas cada vez mais severas contra a homossexualidade. Mas isso não importa: Clooney é gay ou não?

Bem, Clooney disse que não dá a mínima, e francamente nenhum de nós deveria dar. Mesmo para uma garota hetero, parece haver questões gays mais prementes do que com quem um ator ou atriz de Hollywood estaria transando.

Leia mais em Guardian.co.uk

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.