Sociedade

“Na darknet se compra tudo anonimamente, de armas a drogas”

Em entrevista à DW, o especialista britânico nesse mercado negro online Jamie Barlett explica como funciona o comércio eletrônico ilegal

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Por Jacob Resneck e Matthias von Hein 

Originalmente desenvolvida pelo governo dos EUA, a darknet também serve hoje de plataforma para lavagem de dinheiro e compra e venda de bens e atividades ilegais com relativa impunidade. Foi lá que o atirador Ali David S, de 18 anos, comprou a arma utilizada no ataque que deixou nove mortos num centro comercial de Munique, na última sexta-feira (22/07).

Jamie Bartlett é jornalista e diretor do Centro para a Análise de Redes Sociais no think tank Demos. Em entrevista à DW, ele se disse surpreso que o atirador de Munique comprara sua arma através de um site de comércio ilegal.

“Em minha opinião, é muito mais fácil comprar armas de redes criminosas nas ruas”, afirma o autor do livro The Dark Net: Inside the digital underworld (“A rede obscura: Por dentro do submundo digital”, em tradução livre).

Deutsche Welle: Segundo os investigadores, o atirador de Munique comprou sua arma numa darknet, um mercado negro online. Que plataforma de comércio é essa?

Jamie Bartlett: Os mercados darknet são anônimos, só há alguns milhares deles. Eles são acessáveis através do navegador Tor, que permite a navegação anônima na internet. Tais plataformas vendem mais ou menos tudo, da mesma forma que Amazon ou Ebay. Trata-se de um mercado competitivo e altamente funcional, com todas as características dos sites modernos de comércio eletrônico – incluindo avaliações de clientes.

A darknet é utilizada, em primeira linha, para o comércio de drogas. Dezenas ou até mesmo centenas de milhares de transações são efetuadas através desses websites. Em geral, as pessoas os buscam para comprar coisas difíceis de obter, de outro modo. O pagamento é feito através da criptomoeda bitcoin. O produto é então entregue em casa, da mesma forma que na Amazon ou Ebay. A única diferença: aqui tudo acontece sob o manto do anonimato.

DW: Como a darknet pode enviar uma arma inteira? O peso e o tamanho do pacote não chamariam a atenção da polícia ou dos agentes alfandegários, no caso de uma negociação transnacional?

JB: É claro que algumas das negociações são efetuadas dentro do país. E nunca se pode saber a localização exata de um comerciante da darknet. No entanto, esses negociantes dão, ocasionalmente, detalhes sobre para quais países podem enviar suas mercadorias ou em que país estão. Para alguns produtos, é mais seguro comprar de um fornecedor nacional. Naturalmente o endereço exato nunca é conhecido, mas se pode saber se o vendedor se encontra no país do comprador.

Quanto ao risco do envio de drogas, armas ou outros produtos: só no Reino Unido, os correios entregam milhões de pacotes todos os dias. Embora haja controle por amostragem, é impossível verificar todas as embalagens. Portanto a grande maioria das encomendas chega ao destinatário. E os vendedores são muito sofisticados e extremamente inovadores quando se trata de contornar sistemas que poderiam detê-los. Ao que me consta, a questão da entrega não é um problema tão grande para os comerciantes.

DW: Alguns portais de negócios maiores da darknet anunciaram que não vão mais tolerar a venda de armas mortais em suas páginas. Isso parece mostrar certo grau de autorregulação. Tais sites possuem, realmente, um código de ética próprio?

JB: Curiosamente, muitas vezes os mercados darknet têm, de fato, uma forma de autorregulação. A desse tipo mais conhecida plataforma foi a Silk Road, fechada há um ano e meio – mas não antes de se realizarem centenas de milhares de transações.

Embora fosse um site de comércio anônimo, ele nunca permitiu o comércio de pornografia ilegal, armas ou documentos de identidade falsificados. Os operadores diziam que isso violaria os princípios libertários com que estavam comprometidos. Tais princípios rezavam: você deve poder fazer o que quiser consigo, com o próprio corpo. Mas que armas e documentos falsificados ultrapassam esse limite.

No entanto sempre houve também outras plataformas que não ligavam para tais escrúpulos, onde não havia nenhuma forma de regulação. Mas como a darknet é uma rede para todo indivíduo que queira oferecer um serviço, não há nenhuma outra forma de restrição a não ser a autorregulação. Portanto, enquanto alguns sites optam pela introdução de regras, infelizmente sempre haverá outros que não o fazem.

DW: É possível estimar a dimensão dos negócios com armas através da darknet na Europa, também em relação a esse tráfico nas ruas?

JB: É extremamente difícil obter uma estimativa do volume dos negócios com armas na darknet. Através de alguns estudos e pesquisas, sabemos algo sobre o comércio de drogas: uns 10% daqueles que ingeriram drogas ilegais na Inglaterra no ano passado as obtiveram por uma plataforma da darknet.

Quanto às armas, não é possível fazer enquetes, pois os indagados não admitiriam possuir armas ilegais. E fiquei realmente surpreso ao saber que o atirador de Munique havia comprado sua pistola na darknet. Venho observando essas plataformas já há algum tempo: alguns afirmam que também vendem armas, mas não vi muitos casos em que armamentos foram de fato comprados e utilizados.

Em minha opinião, é muito mais fácil comprar armas de redes criminosas nas ruas. O comércio de armas na darknet deve ser comparativamente mínimo.

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