Sociedade

Estamos preparados contra o terrorismo?

Vulnerável e às vésperas de receber 3 grandes eventos, o Brasil é, para eventuais terroristas, um palco para “propaganda” eficiente e barata

Atentados em NY deram projeção a Al Qaeda e Osama Bin Laden. Foto: Steffen Kaplan/NYTimes
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por Layla Santos*

 

O terrorista não mata por prazer ou sadismo, mas pela convicção de que a sua causa deve ser defendida e difundida a qualquer custo. O ato terrorista não é cometido a esmo. Ao escolher um alvo, uma organização terrorista avalia vários aspectos, dentre eles a competência do Estado em antever e prevenir o atentado e/ou de neutralizar os seus executores. Ou seja, é levada em conta a capacidade de resposta do país-alvo.

Não é exagero afirmar que o Brasil responde muito mal. Basta lembrarmos os efeitos das fortes chuvas em Teresópolis, no Rio de Janeiro, em 2011: em alguns bairros, como Campo Grande, seis meses após o desastre nem os destroços haviam sido completamente retirados.

Um dos objetivos da atividade terrorista é o de propagar a sua causa. A execução de atentados é uma forma de publicidade. Quando realiza um ataque de grande proporção, uma organização terrorista pretende, além de atingir os inimigos e difundir a ideologia, arregimentar financiadores e simpatizantes. Portanto, quanto maior a repercussão, mais bem sucedido foi o atentado – e mais lucro, no sentido amplo, ele vai gerar.

É por esse motivo que, via de regra, as organizações terroristas assumem a autoria dos atentados. O atentado conhecido como “11 de setembro, divulgou a organização terrorista Al Qaeda e seu líder Osama Bin Laden, até então desconhecidos da maioria dos ocidentais.

No Brasil, o maior entrave às atividades de prevenção e combate ao terrorismo é a legislação (ou a falta dela). No vasto ordenamento jurídico brasileiro não há conceituação de terrorismo, nem previsão de penas a serem aplicadas a terroristas.

O projeto de reforma do Código Penal prevê pela primeira vez o crime de terrorismo. Caso não sofra alterações, o texto legal passa a combinar as prováveis motivações terroristas com as diversas condutas que podem ser adotadas. Mas, caso haja um ataque antes que a nova lei entre em vigor, a polícia, o Judiciário, os legisladores e a sociedade ficarão se perguntado o que fazer.

Mesmo representando avanço significativo, o novo Código Penal deixará de mencionar as organizações terroristas. No Brasil, diferentemente do resto do mundo, fazer parte de uma organização terrorista não configura e, pelo visto, não configurará crime.

Uma vez que só são puníveis os atos inerentes à execução do crime, participar do planejamento de um atentando, da seleção do alvo, da definição dos recursos a serem empregados e do treinamento dos executores do ataque, não é crime no Brasil.

Além das lacunas legais, existem outros aspectos relevantes. Em 2011, a diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército divulgou relatório no qual informa que mais de uma tonelada de emulsão de nitrato de amônia e de dinamite foi roubada ou furtada (e não recuperada) de pedreiras e obras no Brasil. Isso significa que os recursos materiais a serem empregados num eventual atentado terrorista em território brasileiro podem ser facilmente obtidos aqui mesmo, sem que haja preocupação com a transposição de fronteiras.

Vale lembrar que o nitrato de amônia foi o produto usado na produção da bomba que explodiu dentro de um avião da TAM em 1997. Aqui nos deparamos com outra falha: a vulnerabilidade da aviação comercial. Como se não bastasse, o controle imigratório também deixa a desejar.

Segundo relatório da National Comission on Terrorist Attacks Upon the United States, criada para analisar a tragédia do 11 de setembro, Khalid Sheikh Mohammed, o terrorista que planejou os ataques visitou o Brasil entre 1993 e 1996 e “a maioria de suas viagens parece estar relacionada ao seu interesse continuado em operações terroristas”.

Em novembro de 2009, um membro da cúpula da Força Quds, unidade responsável pelas operações internacionais da Guarda Revolucionária do Irã e envolvida diretamente em atos terroristas, adentrou o território nacional sem visto. A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência da Câmara dos Deputados convocou representantes dos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República para esclarecer como isso aconteceu. Segundo o relatório da comissão, a Embaixada do Irã solicitou concessão de desembarque condicional para o presidente Ahmadinejad e quatro integrantes de sua comitiva, que não possuíam visto de entrada previamente concedido. A Coordenação Geral da Polícia de Imigração do Departamento de Polícia Federal pode conceder esse tipo de autorização para membros de comitivas oficias desde que o solicitante não figure em listas de alertas internacionais e que seja de interesse do governo brasileiro.

No entanto, o Ministério da Justiça informou à Comissão Mista que “não foram localizados registros de entrada ou saída nos bancos de dados da Polícia Federal em nome do Sr. Esmail Ghaani”.

A Agência Brasileira de Inteligência – Abin – encaminhou documento à referida Comissão Parlamentar, informando que “em consulta às bases de dados da ABIN, não foi encontrada nenhuma informação do Sr. Ghaani. Informações recebidas de órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência também indicam que o referido cidadão iraniano não esteve no Brasil.” No entanto, a Polícia Federal confirmou o ter dado a autorização de entrada ao iraniano.

O cenário que temos no Brasil hoje é o seguinte: um país com milhões de cristãos (infieis), sem legislação específica, desidioso e sem cultura de segurança, às vésperas de sediar três vultosos eventos esportivos. Para as organizações terroristas, isso representa propaganda eficiente e barata.

 

*Layla Santos, associada ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é oficial da Polícia Militar do Distrito Federal, especialista em Gestão Pública e em Segurança Pública e Cidadania pela Universidade de Brasília. Cursando MBA em Gestão de Pessoas pela Fundação Universa. Atualmente na Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal, exercendo a função de analista de inteligência.

 

por Layla Santos*

 

O terrorista não mata por prazer ou sadismo, mas pela convicção de que a sua causa deve ser defendida e difundida a qualquer custo. O ato terrorista não é cometido a esmo. Ao escolher um alvo, uma organização terrorista avalia vários aspectos, dentre eles a competência do Estado em antever e prevenir o atentado e/ou de neutralizar os seus executores. Ou seja, é levada em conta a capacidade de resposta do país-alvo.

Não é exagero afirmar que o Brasil responde muito mal. Basta lembrarmos os efeitos das fortes chuvas em Teresópolis, no Rio de Janeiro, em 2011: em alguns bairros, como Campo Grande, seis meses após o desastre nem os destroços haviam sido completamente retirados.

Um dos objetivos da atividade terrorista é o de propagar a sua causa. A execução de atentados é uma forma de publicidade. Quando realiza um ataque de grande proporção, uma organização terrorista pretende, além de atingir os inimigos e difundir a ideologia, arregimentar financiadores e simpatizantes. Portanto, quanto maior a repercussão, mais bem sucedido foi o atentado – e mais lucro, no sentido amplo, ele vai gerar.

É por esse motivo que, via de regra, as organizações terroristas assumem a autoria dos atentados. O atentado conhecido como “11 de setembro, divulgou a organização terrorista Al Qaeda e seu líder Osama Bin Laden, até então desconhecidos da maioria dos ocidentais.

No Brasil, o maior entrave às atividades de prevenção e combate ao terrorismo é a legislação (ou a falta dela). No vasto ordenamento jurídico brasileiro não há conceituação de terrorismo, nem previsão de penas a serem aplicadas a terroristas.

O projeto de reforma do Código Penal prevê pela primeira vez o crime de terrorismo. Caso não sofra alterações, o texto legal passa a combinar as prováveis motivações terroristas com as diversas condutas que podem ser adotadas. Mas, caso haja um ataque antes que a nova lei entre em vigor, a polícia, o Judiciário, os legisladores e a sociedade ficarão se perguntado o que fazer.

Mesmo representando avanço significativo, o novo Código Penal deixará de mencionar as organizações terroristas. No Brasil, diferentemente do resto do mundo, fazer parte de uma organização terrorista não configura e, pelo visto, não configurará crime.

Uma vez que só são puníveis os atos inerentes à execução do crime, participar do planejamento de um atentando, da seleção do alvo, da definição dos recursos a serem empregados e do treinamento dos executores do ataque, não é crime no Brasil.

Além das lacunas legais, existem outros aspectos relevantes. Em 2011, a diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército divulgou relatório no qual informa que mais de uma tonelada de emulsão de nitrato de amônia e de dinamite foi roubada ou furtada (e não recuperada) de pedreiras e obras no Brasil. Isso significa que os recursos materiais a serem empregados num eventual atentado terrorista em território brasileiro podem ser facilmente obtidos aqui mesmo, sem que haja preocupação com a transposição de fronteiras.

Vale lembrar que o nitrato de amônia foi o produto usado na produção da bomba que explodiu dentro de um avião da TAM em 1997. Aqui nos deparamos com outra falha: a vulnerabilidade da aviação comercial. Como se não bastasse, o controle imigratório também deixa a desejar.

Segundo relatório da National Comission on Terrorist Attacks Upon the United States, criada para analisar a tragédia do 11 de setembro, Khalid Sheikh Mohammed, o terrorista que planejou os ataques visitou o Brasil entre 1993 e 1996 e “a maioria de suas viagens parece estar relacionada ao seu interesse continuado em operações terroristas”.

Em novembro de 2009, um membro da cúpula da Força Quds, unidade responsável pelas operações internacionais da Guarda Revolucionária do Irã e envolvida diretamente em atos terroristas, adentrou o território nacional sem visto. A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência da Câmara dos Deputados convocou representantes dos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República para esclarecer como isso aconteceu. Segundo o relatório da comissão, a Embaixada do Irã solicitou concessão de desembarque condicional para o presidente Ahmadinejad e quatro integrantes de sua comitiva, que não possuíam visto de entrada previamente concedido. A Coordenação Geral da Polícia de Imigração do Departamento de Polícia Federal pode conceder esse tipo de autorização para membros de comitivas oficias desde que o solicitante não figure em listas de alertas internacionais e que seja de interesse do governo brasileiro.

No entanto, o Ministério da Justiça informou à Comissão Mista que “não foram localizados registros de entrada ou saída nos bancos de dados da Polícia Federal em nome do Sr. Esmail Ghaani”.

A Agência Brasileira de Inteligência – Abin – encaminhou documento à referida Comissão Parlamentar, informando que “em consulta às bases de dados da ABIN, não foi encontrada nenhuma informação do Sr. Ghaani. Informações recebidas de órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência também indicam que o referido cidadão iraniano não esteve no Brasil.” No entanto, a Polícia Federal confirmou o ter dado a autorização de entrada ao iraniano.

O cenário que temos no Brasil hoje é o seguinte: um país com milhões de cristãos (infieis), sem legislação específica, desidioso e sem cultura de segurança, às vésperas de sediar três vultosos eventos esportivos. Para as organizações terroristas, isso representa propaganda eficiente e barata.

 

*Layla Santos, associada ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é oficial da Polícia Militar do Distrito Federal, especialista em Gestão Pública e em Segurança Pública e Cidadania pela Universidade de Brasília. Cursando MBA em Gestão de Pessoas pela Fundação Universa. Atualmente na Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal, exercendo a função de analista de inteligência.

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