Sociedade

Escolas públicas geridas pela PM cobram taxa de manutenção no Amazonas

Com grande procura, instituições na capital Manaus selecionam alunos a partir das notas e utilizam material didático de até R$ 2 mil

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De Manaus

Os prédios, os professores e até a merenda escolar ali servida são mantidos pelo estado, mas as semelhanças com outras escolas da rede pública do Amazonas acabam por aí. Sob administração da Polícia Militar, os Colégios Militares de Manaus florescem sob regra marcial e políticas próprias de cobrança. 

Até o ano passado, a cidade contava com quatro escolas estaduais geridas sob este modelo, um convênio firmado entre o governo do estado e a PM, por meio do qual o estado entra com o dinheiro e as instalações e a PM com a administração física e pedagógica das unidades. Em 2016, a entrega de mais quatro escolas à gestão militar ampliará o número de alunos atendidos pelo modelo em 104%, chegando a 20.855.

Apesar de se tratar de uma instituição vinculada à secretaria de Educação do Estado do Amazonas (Seduc), para estudar em uma de suas unidades o contribuinte precisa estar preparado para desembolsar 480 reais em contribuição obrigatória à Associação de Pais e Mestres (APM) e até 2 mil reais em materiais didáticos. 

Entre os pais, a cobrança da “taxa de manutenção”, como é chamada a tarifa, é polêmica, embora não afaste – nem de longe – a procura pelas escolas, que têm as maiores filas de espera da rede estadual. 

“Acho um absurdo pagar esse valor todo, a escola é do governo, não devia cobrar né?”, questiona Pedro*, pai de uma menina de 11 anos, estudante do 6º ano do ensino fundamental no Primeiro Colégio Militar da Política Militar, localizado no bairro de Petrópolis, zona sul de Manaus. “Não entendo, mas como o ensino é muito bom, tem que pagar ou se sujeitar a sair”, resigna-se. 

O industriário Wladir de Souza também discorda da cobrança. “Acho errado, mas eles falam que é para manutenção da escola e a gente não pode dizer nada”. Ele cita ainda o alto custo do material didático, já que os colégios militares adotam títulos diferentes dos utilizados pelo restante da rede pública. “Esse ano foi bem pesado, gastei mais de 2 mil reais, entre livros e apostila, fora a farda (uniforme). E parece que cada série que vai passando vai ficando mais caro”, diz. Dependendo da série, o custo do material didático pode variar de 1,2 mil reais a 2 mil reais.

De acordo com o diretor da unidade de Petrópolis, o Tenente Coronel César Gomes, a decisão de adotar um material didático diferente do oferecido pelo Ministério da Educação (MEC) foi tomada pelos próprios pais. “Toda decisão é feita em assembleia e os próprios pais votaram pela adoção deste material didático”, explica. 

 

A criação de Associações de Pais e Mestres e Comunitários (APMC) está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mas seu funcionamento é regulamentado na esfera estadual. No caso do Amazonas, pelo Regimento Geral das Escolas Estaduais do Amazonas, de 2009, que reconhece a natureza de pessoa jurídica de direito privado das AMPC, o que possibilita a captação de recursos “provenientes das fontes que dispuser o seu Estatuto Social”.

Sendo assim, a cobrança de uma taxa de APM é permitida no estado, chegando a ser citada como “dever moral dos associados e não associados da APMC dentro de suas possibilidades”. O mesmo regimento, entretanto, veta, com abundância de clareza, a cobrança obrigatória de valores. “A contribuição para sócios é voluntária, não podendo ser cobrada na matrícula ou na sua renovação”, diz o parágrafo 131.

No caso dos colégios militares, ao início de cada ano letivo os alunos recebem um novo boleto. A primeira parcela, no valor de 240 reais, deve ser paga no ato da matrícula e o restante pode ser parcelado em até seis vezes de 40 reais. Embora a cobrança seja sistematizada, o tenente coronel César Gomes enfatiza que existem exceções. “Se o pai for beneficiário do Bolsa Família, se tiver baixa renda ou mesmo se perder o emprego, fica isento. No caso de pais com mais de um filho matriculado, só um paga, pois é uma contribuição da família”.

Shirlane Fernandes é uma destas exceções. Com dois filhos matriculados na unidade de Petrópolis, a jovem se viu sem emprego em 2016, depois que seu pequeno comércio faliu.

De acordo com o gestor militar, a inadimplência é quase zero e os valores arrecadados junto aos pais possibilitam que o colégio tenha mais autonomia. “Este ano, por exemplo, recebemos novos professores e precisamos de mais mesas. Se fôssemos esperar a liberação da verba pela Seduc, levaria seis meses. Mas com esse dinheiro já conseguimos comprar”, relata.

Para a gestora hospitalar Andreza Sampaio, que possui duas filhas matriculadas na escola, o retorno obtido com o pagamento vale a pena. “Para mim não é um problema, pois a gente vê os benefícios que essa taxa cobre, como a contratação de professores auxiliares, pequenas reformas”, afirma. 

Segundo o Tenente Coronel Gomes, a cada bimestre os pais têm acesso à prestação de contas e ao balancete da APM.

Para a pedagoga e mestre em educação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Angélica Marques, a cobrança de qualquer tipo de taxa em instituições públicas de ensino segue por uma linha tênue, que pode incorrer em exclusão social. “Você tem que olhar para os pais que não tem condição, mas que também esperam que o filho tenha alguma perspectiva de futuro”, diz. 

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