Sociedade

Empresas de alimentos ignoram a fome em suas cadeias de fornecedores, denuncia ONG

Estudo de ONG mostra que companhias sequer sabem que parte das matérias-primas de seus produtos vem de terras com conflitos agrários

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Um estudo da ONG britânica Oxfam (leia AQUI) divulgado nesta semana mostra que as dez maiores empresas do setor de alimentação e bebidas do mundo não adotam políticas adequadas para eliminar a fome e a pobreza em sua própria cadeia de fornecedores. Outro dado alarmante apresentado pelo relatório é que as companhias pagam baixos preços pelos produtos e ignoram, ou sequer sabem, que parte das matérias-primas de seus produtos vem de terras tomadas de forma conflituosa de pequenos agricultores em países pobres.

 

A Oxfam analisou, por meio de dados públicos e oficiais, as políticas sociais e ambientais das empresas Associated British Foods (ABF), Coca-Cola, Danone, General Mills, Kellogg, Mars, Mondelez International (antiga Kraft Foods), Nestlé, PepsiCo e Unilever. Juntas, elas geram mais de 1,1 bilhão de dólares por dia. “Não saber com detalhes se compram de lugares com conflitos agrários é tão ruim quanto não buscar entender esse tipo de problema”, defende Rafael Cruz, assessor de políticas públicas da Oxfam, a CartaCapital.

Em um mercado com 7 bilhões de consumidores e 1,5 bilhão de produtores de alimentos, o setor está avaliado em 7 trilhões de dólares, ou 10% da economia global. E o poder destas empresas é ainda maior, pois pouco mais de 500 delas controlam 70% das opções presentes nos supermercados. Uma concentração que dificulta o rastreamento pelos consumidores de quem são os produtores, além de diminuir a capacidade de barganha dos pequenos agricultores que têm um leque menor de compradores.

Mesmo com o poderio financeiro, todas as empresas tiveram notas abaixo de 40, dos 70 pontos possíveis no relatório. Unilever e Nestlé tiveram melhor desempenho, enquanto ABF e Kellogg foram as últimas colocadas.

Os programas implementados pelas empresas foram considerados centrados em projetos de redução do uso da água e capacitação de mulheres agricultoras, sem que sejam efetivos para diminuir a fome e pobreza. “Essas empresas podem resolver a fome e a pobreza em suas cadeias de fornecimento com pagamentos de salários adequados aos trabalhadores, preço justo para os agricultores e avaliação e eliminação da exploração abusiva da terra, da água e do trabalho são medidas que definitivamente estão ao alcance dessas poderosíssimas empresas”, diz o estudo.

     

Demanda por terra

A disputa por terra que o mundo observa hoje tem suas raízes no aumento da popularidade de novas marcas no século XX. Neste período houve um impulso para aumentar a produção de matéria-prima em antigas colônias. O Reino Unido, por exemplo, usou a Índia para produzir chá e plantou cana-de-açúcar no Caribe.

Neste processo, muitas terras foram concedidas de maneira contestável para as plantações, quase sempre excluindo os mais pobres do acesso à terra. Uma prática que ainda gera conflitos sobre a titularidade destas áreas após a independência das colônias.

À parte o efeito colonizatório, os arrendamentos e vendas de terra são importantes no setor. Segundo a Oxfam, desde 2000 foram registrados mais de 900 acordos por grandes propriedades rurais. A maioria ocorreu em 32 países com níveis “alarmantes” ou “graves” de fome. “Mais de 60% dos investidores em terra são estrangeiros que pretendem exportar tudo que produzem”, indica o documento. “Apenas entre 2008 e 2009, os acordos com terra agrícola envolvendo investidores estrangeiros nos países em desenvolvimento aumentaram cerca de 200%.”

A busca por terra leva à procura por água, cuja escassez já afeta quase 20% da população mundial. E a agricultura é o setor que mais consome isoladamente água doce no mundo. A área também é responsável por 54% dos contaminantes orgânicos da água.

Outro problema são as condições de trabalho no setor. Mesmo com leis mais rígidas, há registros de casos de exploração de mão de obra. O estudo destaca famílias que por gerações plantam chá em grandes propriedades do Sri Lanka, recebendo baixos salários e com altas taxas de desnutrição. Desde a década de 1890, a Unilever mantém e comercializa terras na região.

A Nestlé também é apontada como relapsa ao trabalho escravo. Em novembro de 2011, a empresa disse não ter informação sobre os trabalhadores envolvidos na produção de 20% do cacau que compra da Costa do Marfim. Precisou descobrir diversos casos de exploração adulta e infantil para desenvolver um plano contra o problema. “Sem conhecer a própria cadeia de fornecedores, não é possível criar políticas para ajudar os trabalhadores dela”, explica Cruz.

Segundo Cruz, as empresas devem trabalhar para melhorar a qualidade de vida de seus funcionários, mas também dos fornecedores. O primeiro passo para isso, diz o assessor da Oxfam, é começar a fazer contratos mais justos com esses fornecedores. Essa política acarretaria mais custos, mas cujo impacto não seria tão grande para as grandes companhias. “Será que os 80% que passam fome no campo têm que assumir esse custo ou os que lucram mais de 1 bilhão de dólares por dia?”, questiona.

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