Sociedade

“Brasil é uma terra de atletas órfãos”, diz pesquisadora

Autora de 24 livros sobre psicologia do esporte e estudos olímpicos teme pelo futuro dos atletas com a retirada de apoio após a Rio 2016

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Por Marina Estarque

O objetivo de ficar entre os dez primeiros colocados no ranking de medalhas nos Jogos do Rio foi uma “promessa irreal”, segundo a pesquisadora Katia Rubio, autora de 24 livros sobre psicologia do esporte e estudos olímpicos.

A meta foi estabelecida pelo Comitê Olímpico Brasileiro e o Plano Brasil Medalhas, lançado em 2012 pelo governo de Dilma Rousseff. Ao final dos Jogos, o Brasil conquistou 19 medalhas, mas acabou em 13º lugar.

Em entrevista à DW Brasil, Rubio afirma que o acesso ao esporte no Brasil é elitista e muito dependente dos clubes privados. Ela defende mais investimentos de base e na educação esportiva escolar.

Professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP, Rubio já entrevistou mais de 1.300 atletas olímpicos brasileiros. Para ela, a CBF sabota o futebol feminino, e o apoio das Forças Armadas aos atletas brasileiros, tão polêmico nessas Olimpíadas, é bem-vindo em uma “terra de atletas órfãos”.

Deutsche Welle: O Brasil não atingiu a meta de medalhas na Rio 2016. Como a senhora avalia a participação brasileira nos Jogos?

Katia Ruibo: Nós terminamos com 19 medalhas, é o melhor resultado da história olímpica do Brasil. Mas ele não corresponde às expectativas de dirigentes, que fizeram uma promessa irreal. Não dá para culpar os atletas porque não ganhamos algumas medalhas que eram consideradas certas. Os atletas são apenas a parte visível de um processo maior. O público não enxerga os bastidores.

DW: Antes das Olimpíadas, a senhora já havia comentado que a meta era ambiciosa demais e que não se forma um atleta em quatro anos…

KR: Pois é. Primeiro, é preciso uma política de Estado, o que a gente tem é uma política de governo. A cada mudança de governo, a política de esporte muda. Essa falta de continuidade acaba com a carreira de qualquer atleta. É preciso uma política de longo prazo, que fomente a base da pirâmide esportiva. O atleta olímpico é só a ponta do iceberg. E esse trabalho no Brasil não existe, porque não há o esporte escolar. A base da estrutura do esporte é de clubes privados. Então as crianças e jovens habilidosos de baixa renda são encaminhados a esses clubes. Só que lá, muitas vezes, eles não são bem recebidos, porque não podem pagar a mensalidade. É uma questão social séria de discriminação, que atinge vários atletas olímpicos.

DW: O Plano Brasil Medalhas então foi emergencial…

KR: Sim, porque o objetivo era fomentar atletas para os Jogos do Rio em 2016. Minha maior preocupação agora é como será o esporte no Brasil daqui para frente. Várias empresas já anunciaram que não vão continuar patrocinando o esporte. Então tudo aquilo que foi feito de forma emergencial, visando exclusivamente a conquista de medalhas no Rio, pode se perder.

DW: Foi veiculado na imprensa que a CBF estuda desfazer o time permanente de futebol feminino. O que a senhora acha dessa atitude?

KR: Só mostra o tipo de gente à frente do esporte no Brasil. Por isso eu defendo que o futebol masculino saia das Olimpíadas e fique só o feminino. Porque elas, com toda a falta de estrutura, chegam a disputar uma medalha de bronze. Elas ficam na Vila Olímpica e criam uma relação com o movimento olímpico, algo que o futebol masculino não faz. Até quando as mulheres brasileiras vão ter que mendigar respeito e espaço no futebol? Isso tudo porque temos uma confederação que deliberadamente impede o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil.

DW: Por que é importante ter uma seleção permanente para as mulheres?

KR: Os homens têm outro foco, que é a Copa do Mundo. As mulheres não têm isso, a única coisa que dá visibilidade para o futebol feminino brasileiro, que vive em uma eterna UTI, é a Olimpíada. Chega a Rio 2016, e a seleção feminina começa a ter mais visibilidade do que a masculina, isso é um tapa na cara dos dirigentes. Como pode uma seleção com tão pouco investimento ser tão querida pelo público?

Eu tenho a impressão que o próprio técnico da seleção feminina, seguindo instruções, trabalhou para que elas não chegassem lá. A forma como ele escalou o time, deixando de fora meninas que eram fundamentais na organização da equipe… Há coisas que estão acontecendo lá dentro que o público não sabe. E elas, por temerem perder o pouco que têm, não denunciam. Enquanto não houver um movimento de valorização do esporte feminino, a gente não vai ver essas meninas ganharem medalhas.

DW: Vários atletas brasileiros prestaram continência durante os Jogos, despertando uma polêmica sobre o papel das Forças Armadas no esporte do país. Qual é a sua opinião sobre isso?

KR: As Forças Armadas entraram para a vida dos atletas como mais um patrocínio. Assim como ocorre quando recebem incentivos das empresas privadas, os atletas têm algumas obrigações a cumprir. Alguns não têm obrigação por contrato, mas se sentem gratos às empresas que os ajudaram. Com as Forças Armadas é a mesma coisa. Eles veem a continência como uma obrigação moral.

DW: A senhora considera positivo esse papel das Forças Armadas?

KR: Isso aumentou com os Jogos Mundiais Militares. O Brasil sempre teve um resultado pífio e, desde a realização dos Jogos Mundiais Militares aqui no país, as Forças Armadas buscaram atletas com bom rendimento olímpico, para que o Brasil fosse bem. Mesmo assim, na história olímpica brasileira, quem primeiro levou pessoas de baixa renda para os Jogos Olímpicos foram as Forças Armadas. Porque o esporte no Brasil nasceu aristocrático.

DW: Mas isso faz parte das funções das Forças Armadas?

KR: O Brasil é uma terra de atletas órfãos, onde a sobrevivência é um gesto heroico e cotidiano. Então se o apoio vem de uma pessoa física, de uma empresa ou das Forças Armadas, que venha. Aquele gesto pode fazer a diferença na vida de alguém, que pode se tornar um multiplicador. Prefiro que as Forças Armadas gastem dinheiro com nossos atletas do que na indústria bélica, fomentando a guerra.

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