Sociedade

A questão da segurança na Agenda Internacional de cooperação para o desenvolvimento

Não precisamos esperar sentados pela erradicação da pobreza para vermos uma queda nas taxas de criminalidade. Por Ana Maura Tomesani

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Por Ana Maura Tomesani*

 

A cooperação internacional para o desenvolvimento constitui a oferta de apoio financeiro com dinheiro público dos países ricos aos  países emergentes. O conceito foi criado após a Segunda Guerra Mundial com o Plano Marshall, que constituiu uma injeção de capital em países cujas economias foram penalizadas com o resultado da Guerra.

Acreditava-se que a transferência de capital geraria crescimento econômico e que este levaria, necessariamente, a uma redução da pobreza por parte destes países. De lá para cá, este modelo de cooperação foi sendo repensado, de acordo com as respostas dos países em desenvolvimento para este tipo de ajuda e sob influência das conferências das Nações Unidas, sobretudo a Conferência de Estocolmo em 1972 e a Eco-Rio em 1992.

Estas duas últimas conferências chamaram a atenção para a necessidade de um desenvolvimento menos agressivo e menos fundado sobre a exploração infinita dos recursos – discussões que, posteriormente, deram origem ao conceito de desenvolvimento sustentável. E para que o desenvolvimento fosse de fato sustentável, fazia-se necessario lutar ainda contra um de seus maiores inimigos: a pobreza.

A partir de então, a preservação dos recursos naturais e a erradicação da pobreza tornaram-se a tônica do discurso das agências de cooperação internacional para o desenvolvimento, que durante este período entenderam também a necessidade de incorporar o conhecimento produzido localmente nas “receitas” de desenvolvimento, o que incluiu as universidades e a sociedade civil dos países em desenvolvimento como atores e interlocutores destas agências.

Nestas duas últimas décadas, tudo indica que prevaleceu um consenso entre os organismos de cooperação internacional segundo o qual a erradicação da pobreza seria capaz de alavancar o desenvolvimento nas mais diversas áreas, como educação, saúde, meio ambiente, etc.

No entanto, nos países do Sul, uma nova questão tomou corpo – ainda que tenha raízes na pobreza, a violência urbana adquiriu contornos e gerou uma dinâmica de reprodução que demanda recursos e intervenções específicas. Nos últimos 20 anos, a explosão da violência urbana tornou a situação de segurança – ou, mais precisamente, a falta dela – uma das preocupações mais persistentes na América Latina e Caribe – região que responde pela mais alta taxa de homicídios no mundo, segundo dados recentes do UNODC (2011). Muito embora o último relatório da ONU sobre os Objetivos do Milênio (2011) demonstre que esta região melhorou seus indicadores sociais e econômicos nos últimos anos, esta melhoria não se refletiu numa queda significativa da violência ou da sensação de insegurança.

A violência acarreta perdas econômicas que drenam recursos que poderiam ser investidos em outras áreas. Em decorrência disso, ela é também responsável pela redução de indicadores de desenvolvimento e não apenas uma consequência deles. Se esta constataçao parece óbvia para inúmeros estudiosos do assunto no Brasil e em outros países latino-americanos e caribenhos, ela parece ter ainda uma tímida penetração nas agências de cooperação internacional para o desenvolvimento.

Uma prova disso é a enorme dificuldade que as organizações da sociedade civil que trabalham com a questão na região enfrentam para conseguir financiamento externo para tocar seus projetos de prevenção da violência e prosseguir em seus estudos. Estas instituições cumprem um papel fundamental que não se limita à denúncia: elas apontam caminhos possíveis através de propostas para a redução dos fatores de risco responsáveis pelo comportamento violento. E com excelentes resultados!

Os projetos já realizados e em curso deixam claro que não precisamos esperar sentados pela erradicação da pobreza para vermos uma queda nas taxas de criminalidade. Ações relativamente simples, que envolvem a participação comunitária nos planos locais de segurança, o diálogo entre os agentes de segurança e a comunidade, difusão de informações sobre o acesso à justiça, recolhimento pacífico de armas de fogo e investimento adequado em tecnologia e recursos humanos por parte do Estado pode salvar vidas!

Entretanto, para que estas organizações continuem prestando este serviço inestimável à sociedade e ao Estado, as agências de cooperação internacional devem compreender que a violência é um obstáculo ao desenvolvimento e que este não existe sem segurança. Vale destacar que o PNUD, Small Arms Survey e a Declaração de Genebra vêm se empenhando de maneira louvável nos últimos anos para a inclusão da redução da violência armada entre os Objetivos do Milênio. Acredito – e espero – que este movimento aproxime as agências de cooperação e que elas sejam capazes de notar ainda que temos um bom acúmulo de conhecimento produzido sobre a prevenção da violência, o que as poupará de criar uma agenda “nortista” para a solução do problema.

 

 

Ana Maura Tomesani é associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ex-coordenadora institucional e doutoranda em Ciência Política e Relações Internacionais na Université Laval, no Canadá.

 

Por Ana Maura Tomesani*

 

A cooperação internacional para o desenvolvimento constitui a oferta de apoio financeiro com dinheiro público dos países ricos aos  países emergentes. O conceito foi criado após a Segunda Guerra Mundial com o Plano Marshall, que constituiu uma injeção de capital em países cujas economias foram penalizadas com o resultado da Guerra.

Acreditava-se que a transferência de capital geraria crescimento econômico e que este levaria, necessariamente, a uma redução da pobreza por parte destes países. De lá para cá, este modelo de cooperação foi sendo repensado, de acordo com as respostas dos países em desenvolvimento para este tipo de ajuda e sob influência das conferências das Nações Unidas, sobretudo a Conferência de Estocolmo em 1972 e a Eco-Rio em 1992.

Estas duas últimas conferências chamaram a atenção para a necessidade de um desenvolvimento menos agressivo e menos fundado sobre a exploração infinita dos recursos – discussões que, posteriormente, deram origem ao conceito de desenvolvimento sustentável. E para que o desenvolvimento fosse de fato sustentável, fazia-se necessario lutar ainda contra um de seus maiores inimigos: a pobreza.

A partir de então, a preservação dos recursos naturais e a erradicação da pobreza tornaram-se a tônica do discurso das agências de cooperação internacional para o desenvolvimento, que durante este período entenderam também a necessidade de incorporar o conhecimento produzido localmente nas “receitas” de desenvolvimento, o que incluiu as universidades e a sociedade civil dos países em desenvolvimento como atores e interlocutores destas agências.

Nestas duas últimas décadas, tudo indica que prevaleceu um consenso entre os organismos de cooperação internacional segundo o qual a erradicação da pobreza seria capaz de alavancar o desenvolvimento nas mais diversas áreas, como educação, saúde, meio ambiente, etc.

No entanto, nos países do Sul, uma nova questão tomou corpo – ainda que tenha raízes na pobreza, a violência urbana adquiriu contornos e gerou uma dinâmica de reprodução que demanda recursos e intervenções específicas. Nos últimos 20 anos, a explosão da violência urbana tornou a situação de segurança – ou, mais precisamente, a falta dela – uma das preocupações mais persistentes na América Latina e Caribe – região que responde pela mais alta taxa de homicídios no mundo, segundo dados recentes do UNODC (2011). Muito embora o último relatório da ONU sobre os Objetivos do Milênio (2011) demonstre que esta região melhorou seus indicadores sociais e econômicos nos últimos anos, esta melhoria não se refletiu numa queda significativa da violência ou da sensação de insegurança.

A violência acarreta perdas econômicas que drenam recursos que poderiam ser investidos em outras áreas. Em decorrência disso, ela é também responsável pela redução de indicadores de desenvolvimento e não apenas uma consequência deles. Se esta constataçao parece óbvia para inúmeros estudiosos do assunto no Brasil e em outros países latino-americanos e caribenhos, ela parece ter ainda uma tímida penetração nas agências de cooperação internacional para o desenvolvimento.

Uma prova disso é a enorme dificuldade que as organizações da sociedade civil que trabalham com a questão na região enfrentam para conseguir financiamento externo para tocar seus projetos de prevenção da violência e prosseguir em seus estudos. Estas instituições cumprem um papel fundamental que não se limita à denúncia: elas apontam caminhos possíveis através de propostas para a redução dos fatores de risco responsáveis pelo comportamento violento. E com excelentes resultados!

Os projetos já realizados e em curso deixam claro que não precisamos esperar sentados pela erradicação da pobreza para vermos uma queda nas taxas de criminalidade. Ações relativamente simples, que envolvem a participação comunitária nos planos locais de segurança, o diálogo entre os agentes de segurança e a comunidade, difusão de informações sobre o acesso à justiça, recolhimento pacífico de armas de fogo e investimento adequado em tecnologia e recursos humanos por parte do Estado pode salvar vidas!

Entretanto, para que estas organizações continuem prestando este serviço inestimável à sociedade e ao Estado, as agências de cooperação internacional devem compreender que a violência é um obstáculo ao desenvolvimento e que este não existe sem segurança. Vale destacar que o PNUD, Small Arms Survey e a Declaração de Genebra vêm se empenhando de maneira louvável nos últimos anos para a inclusão da redução da violência armada entre os Objetivos do Milênio. Acredito – e espero – que este movimento aproxime as agências de cooperação e que elas sejam capazes de notar ainda que temos um bom acúmulo de conhecimento produzido sobre a prevenção da violência, o que as poupará de criar uma agenda “nortista” para a solução do problema.

 

 

Ana Maura Tomesani é associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ex-coordenadora institucional e doutoranda em Ciência Política e Relações Internacionais na Université Laval, no Canadá.

 

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