Sociedade

A impunidade nos homicídios de comunicadores no Brasil

Relatório da Artigo 19 detalha investigações e falta de responsabilização em assassinatos de jornalistas, radialistas, blogueiros e fotojornalistas

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Por Paula Martins e João Ricardo Penteado*

Era 0h27 do dia 8 de março de 2013 quando o jornalista Rodrigo Neto deixou um restaurante junto com um amigo em uma das avenidas mais movimentadas de Ipatinga, em Minas Gerais.

Enquanto entrava em seu carro, Rodrigo foi vítima de uma emboscada: um homem na garupa de uma moto disparou contra o jornalista, acertando-o na cabeça, no peito e nas costas. Rodrigo morreu no local. Seu amigo também foi alvo dos tiros, mas sobreviveu.

Após meses de investigações, dois envolvidos na morte de Rodrigo Neto foram identificados, julgados em primeira instância e atualmente se encontram presos. Um desfecho que ainda representa uma exceção em casos de homicídios de pessoas que exercem a comunicação social no Brasil.

O episódio envolvendo o jornalista de Ipatinga faz parte de um grupo de 12 casos de comunicadores – jornalistas, radialistas, blogueiros, fotojornalistas –  assassinados entre os anos de 2012 e 2014 que são analisados no relatório “O Ciclo do Silêncio – a impunidade em homicídios de comunicadores no Brasil” , publicado na quarta-feira 2 pela Artigo 19 para marcar o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade em Crimes contra Jornalistas.

O relatório verifica o status das investigações policiais de cada um dos 12 assassinatos e examina os detalhes do contexto de impunidade que permeia os crimes. Entre os principais achados, está o fato de que apenas cinco das 12 investigações culminaram na abertura de processos judiciais, com as demais se mostrando ineficientes ou inconclusivas (leia a íntegra do relatório abaixo).

A relação do Estado com os crimes também ficou patente durante o processo de apuração para a realização do relatório. Não apenas pelo insucesso da maioria das investigações, mas sobretudo pelo envolvimento de agentes públicos no planejamento dos assassinatos: em nove deles, a suspeita é que políticos ou policiais tenham sido os mandantes. Estes, por sua vez, raramente são identificados nas investigações ou se tornam alvos de condenações, que costumam atingir somente os pistoleiros contratados para a ação.

A mobilização da sociedade civil também se mostrou essencial para a resolução dos crimes. No caso do jornalista Rodrigo Neto, um comitê batizado com seu nome foi criado com o objetivo de chamar a atenção permanente das autoridades e da sociedade para o homicídio. A iniciativa deu certo e conseguiu angariar constante repercussão midiática, que, por sua vez, acabou pressionando os responsáveis pelas investigações a identificarem os criminosos.

É preciso ficar claro à sociedade brasileira que o ambiente de hostilidade ao exercício da liberdade de expressão por comunicadores, insuflado pelos assassinatos e a ausência de responsabilização na maioria deles, prejudica seu próprio direito à informação. Isso porque a autocensura na qual incorrem os comunicadores, resultado do medo da retaliação, impede que informações de relevante interesse público – como denúncias de irregularidades em prefeituras ou de práticas de crimes por funcionários do Estado – ganhem as páginas dos jornais.

Nesse sentido, é fundamental que o ciclo de violência decorrente da impunidade seja interrompido. Em seu relatório, a Artigo 19 recomenda uma série de medidas a serem adotadas pelo Estado brasileiro em seus diversos níveis com o intuito de mitigar o problema. Entre elas, está a criação de um observatório público de crimes motivados pelo exercício da liberdade de expressão, o desenvolvimento e financiamento de estudos que visem compreender a dinâmica desses crimes e a criação de um mecanismo nacional próprio para a proteção de comunicadores.

A imagem idealizada de que o exercício do jornalismo e da comunicação social só é perigoso em países em guerra civil, como Síria e Iraque, não condiz plenamente com a realidade. O Brasil é uma prova disso, ainda que por aqui o fenômeno não desperte a atenção devida da sociedade e das autoridades. Precisamos, urgentemente, mudar esse cenário.

*Paula Martins é diretora-executiva da Artigo 19. João Ricardo Penteado é assessor de comunicação na mesma entidade

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