Sociedade

A bronca dos agricultores com os fertilizantes

Tudo ia bem para a indústria mundial de fertilizantes químicos e minerais, até que ambientalistas cunharam a expressão agricultura orgânica

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Da mesma forma que o agronegócio e os agrotóxicos tentam se livrar de seus estigmas, através de denominações mais suaves e campanhas publicitárias institucionais, também o setor de fertilizantes usa as mesmas ferramentas para fugir do não-elogio “ser de morte”.

O agronegócio, de Francisco se fez Chico e virou agro, que é pop, é tudo, é mais que bom. Os agrotóxicos implicaram com a Cida quando ela começou a se fantasiar de sufixo. Assim, herbicidas, inseticidas, fungicidas, bactericidas, se tornaram defensivos, o que me faz supor os homicídios ocorrerem sempre em legítima defesa. Criminosos pensam em contratar uma boa agência de propaganda.

Também a indústria mundial de fertilizantes químicos e minerais, de tempos para cá, começou a sentir-se incomodada com a confusão na gafieira. Afinal, para ela, durante décadas, o baile seguiu calmamente, até que ambientalistas do planeta e, aqui, a magistral e quase secular engenheira-agrônoma austro-brasileira, Ana Maria Primavesi, cunharam a expressão agricultura orgânica. Um pé subiu, alguém de cara foi ao chão, e o pistão não fez parte da rotina.

A semana passada não foi de andanças, mas de ‘ficância’. Se não aceitarem o neologismo, leiam permanência na cidade que em breve se vestirá de camisa-polo e cashmere.

Na deixa, fui apresentado à campanha “Nutrientes para a Vida”. Vista assim do alto, como canta Paulinho da Viola, não difere muito das demais, em enredo e intenção. Com a lupa da coluna, reúne méritos.

O projeto nasceu em 2004, nos Estados Unidos, através da organização global, Nutrients for Life Foundation. No Brasil, mais recente, é mantida pela ANDA, Associação Nacional para Difusão de Adubos, que reúne os principais fabricantes de fertilizantes do país, com apoio técnico do IAC, Instituto Agronômico de Campinas, da UFLA, Universidade Federal de Lavras, e do IPNI, International Plant Nutrition Institute, todos referências sérias quando o assunto é nutrição vegetal e de solos.

Curto e grosso: vieram para dizer que são essenciais para a agricultura, não fazem mal e muito menos matam.

É verdade. Trabalhei nesse setor durante mais de 30 anos e nunca me senti um potencial assassino. Mais uma verdade: seria impossível atender as necessidades de alimentos, fibras, madeira e energia do planeta sem nutrir os vegetais com fertilizantes minerais e químicos, pois embora não gostem que citemos tal característica, ela existe.

Pior, inviabilizaria a atividade rural em larga escala, pois sem produtividade (quantidade produzida por unidade de terra plantada) não há lucro, e no modelo econômico capitalista sem ganhos as atividades produtivas não se reproduzem.

Bem, se é assim, a indústria deveria estar no melhor dos mundos, sem precisar gastar em campanhas publicitárias, muito menos sentindo-se acuados pela opinião pública, como se pode notar em qualquer dominó de botequim ou trocas de farpas pelas redes sociais.

Fato é que o buraco não é nem mais embaixo ou em cima. Está no lugar onde sempre esteve e continuará.

Ficou famosa a expressão do comentarista político norte-americano, James Carville, quando da campanha presidencial que elegeu Bill Clinton, em 1992: “é a economia, estúpido”.

Nas últimas três décadas, ocorreu um fulminante processo global de concentração da produção de fertilizantes. Se preferirem, nutrientes para a vida. Hoje em dia, se está à beira de cartelização. No Brasil, o dano foi ainda mais profundo, com privatização seguida por desnacionalização e intensa dependência de importações (algo entre 75% e 80%).

A bronca dos agricultores com os fertilizantes não está, pois, nos malefícios que, supostamente, eles poderiam causar em seus organismos, mas sim nos furos em seus bolsos.

“Nutrientes pela Vida”? Ótimo! Sabem disso. Tanto que pouco ligam aos, estes sim comprovados, males dos agrotóxicos e mesmo assim os usam a mancheias. Preocupam-se é em poder pagá-los e ainda sobrar para o café com leite e o pãozinho quente.  

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