Política

Por que o foro privilegiado?

Justifica-se que o Supremo tenha o seu dia a dia alterado por meses em função de um único processo?

Foto: Carlos Humberto/ SCO/ STF
Apoie Siga-nos no

 

Por Luiz Guilherme Arcaro Conci*

 

Impressiona a constância com que a palavra impunidade circula nos diversos meios de difusão da comunicação no Brasil. Poucas palavras carregam a sensação de desconfiança com que o cidadão observa o atuar dos agentes públicos. Agregada à palavra privilégio, dificilmente se consegue extrair algo positivo.

Imagine pensar, então, que privilégio e impunidade podem se unir quando do julgamento de condutas praticadas por acusados que, pela proximidade com o que se define popularmente como “Poder”, podem ter cometido crimes que desviaram ou fizeram circular quantias gigantescas de dinheiro tido como ilegal.

E caso se adicione o fato de que os únicos e últimos juízes desse processo serão 11 brasileiros, escolhidos e nomeados pelo presidente da República com aprovação do Senado Federal (é verdade que pouco fez essa casa desde fins do século XIX, não se sabe se por medo do futuro ministro poder vir a julgar os próprios senadores, pelo foro privilegiado que detém; ou de afrontar a figura presidencial; ou se por desídia). Difícil é convencer a opinião pública da total isenção desses ministros, ainda que se convença a um número bastante grande de acadêmicos.

Justifica-se, no caso do mensalão, não julgar os réus como qualquer cidadão, em processo criminal, ou seja, perante um juiz singular. Após, havendo recurso, ser julgado por um tribunal e, talvez, outro recurso, outro tribunal ainda? Por que começar e terminar o processo diretamente no STF?

O privilégio de foro para julgamento de autoridades não é “coisa brasileira” nem foi criado pela Constituição de 1988. Esteve em todas as nossas anteriores Constituições e existe em diversos países, entre eles, França, Alemanha e Argentina. Autoridades – em algumas nações inclusive ex-autoridades – também são julgadas diretamente por altos tribunais. Claro que há exceções, como os EUA, onde o privilégio de foro inexiste, mas, também lá, outros problemas como o excesso de politização de julgamentos e excesso de autoridades judiciárias ávidas por holofotes dão nota de que o paraíso também não é bem lá.

Justifica-se o “privilégio” pela necessidade de se preservar a respeitabilidade das funções e instituições e não dos cidadãos que ocupam os cargos, de modo a não se promoverem processos judiciais politizados, sem base jurídica, que possam afetar a estabilidade e a imagem dessas instituições. Tais altos tribunais teriam como não se deixar levar pela pressão política.

O que impressiona, no Brasil, é a quantidade de autoridades com foro privilegiado. Em exame comparado, não se encontra, em nenhuma Constituição daquelas citadas, o número de “privilegiados” visto por aqui. Imaginem que se chega a admitir, desde há algum tempo, que agentes que não ocupam a chefia de um ministério, que não são ministro, assim, nos termos da Constituição que deveria estabelecer todos os casos de foro privilegiado, recebam “status de ministro” por lei e também gozem do benefício.

Os problemas desse volume de privilegiados é que os morosos tribunais não dispõem de agilidade e destreza para conduzir tais processos. É verdade que os juízes desses tribunais são na sua grande maioria advindos das carreiras judiciais, não lhes falta técnica. Falta estrutura e hábito. Os tribunais, no arranjo processual brasileiro, julgam processos em que as provas já foram produzidas.

No caso do mensalão, com 38 réus, três deles teriam o privilégio de foro, segundo a Constituição, por serem atualmente deputados federais. Os demais lá estão em função de uma decisão tomada pelo STF de não desmembrar ou fragmentar o processo. Sobre o tema, o STF tem oscilado excessivamente em sua jurisprudência. Essa oscilação mostra a dificuldade do tema e a necessidade do seu repensar.

Justifica-se que o tribunal tenha o seu dia a dia alterado por quase dois meses, no mínimo, em função de um único processo? Que deputados federais, e os demais réus, não sejam julgados por juízes de primeiro grau unicamente por serem uns autoridades e outros próximos? Sinto que para mim, e para a maioria dos brasileiros, as respostas são negativas.

 

*Professor de Direito da PUC-SP

 

Por Luiz Guilherme Arcaro Conci*

 

Impressiona a constância com que a palavra impunidade circula nos diversos meios de difusão da comunicação no Brasil. Poucas palavras carregam a sensação de desconfiança com que o cidadão observa o atuar dos agentes públicos. Agregada à palavra privilégio, dificilmente se consegue extrair algo positivo.

Imagine pensar, então, que privilégio e impunidade podem se unir quando do julgamento de condutas praticadas por acusados que, pela proximidade com o que se define popularmente como “Poder”, podem ter cometido crimes que desviaram ou fizeram circular quantias gigantescas de dinheiro tido como ilegal.

E caso se adicione o fato de que os únicos e últimos juízes desse processo serão 11 brasileiros, escolhidos e nomeados pelo presidente da República com aprovação do Senado Federal (é verdade que pouco fez essa casa desde fins do século XIX, não se sabe se por medo do futuro ministro poder vir a julgar os próprios senadores, pelo foro privilegiado que detém; ou de afrontar a figura presidencial; ou se por desídia). Difícil é convencer a opinião pública da total isenção desses ministros, ainda que se convença a um número bastante grande de acadêmicos.

Justifica-se, no caso do mensalão, não julgar os réus como qualquer cidadão, em processo criminal, ou seja, perante um juiz singular. Após, havendo recurso, ser julgado por um tribunal e, talvez, outro recurso, outro tribunal ainda? Por que começar e terminar o processo diretamente no STF?

O privilégio de foro para julgamento de autoridades não é “coisa brasileira” nem foi criado pela Constituição de 1988. Esteve em todas as nossas anteriores Constituições e existe em diversos países, entre eles, França, Alemanha e Argentina. Autoridades – em algumas nações inclusive ex-autoridades – também são julgadas diretamente por altos tribunais. Claro que há exceções, como os EUA, onde o privilégio de foro inexiste, mas, também lá, outros problemas como o excesso de politização de julgamentos e excesso de autoridades judiciárias ávidas por holofotes dão nota de que o paraíso também não é bem lá.

Justifica-se o “privilégio” pela necessidade de se preservar a respeitabilidade das funções e instituições e não dos cidadãos que ocupam os cargos, de modo a não se promoverem processos judiciais politizados, sem base jurídica, que possam afetar a estabilidade e a imagem dessas instituições. Tais altos tribunais teriam como não se deixar levar pela pressão política.

O que impressiona, no Brasil, é a quantidade de autoridades com foro privilegiado. Em exame comparado, não se encontra, em nenhuma Constituição daquelas citadas, o número de “privilegiados” visto por aqui. Imaginem que se chega a admitir, desde há algum tempo, que agentes que não ocupam a chefia de um ministério, que não são ministro, assim, nos termos da Constituição que deveria estabelecer todos os casos de foro privilegiado, recebam “status de ministro” por lei e também gozem do benefício.

Os problemas desse volume de privilegiados é que os morosos tribunais não dispõem de agilidade e destreza para conduzir tais processos. É verdade que os juízes desses tribunais são na sua grande maioria advindos das carreiras judiciais, não lhes falta técnica. Falta estrutura e hábito. Os tribunais, no arranjo processual brasileiro, julgam processos em que as provas já foram produzidas.

No caso do mensalão, com 38 réus, três deles teriam o privilégio de foro, segundo a Constituição, por serem atualmente deputados federais. Os demais lá estão em função de uma decisão tomada pelo STF de não desmembrar ou fragmentar o processo. Sobre o tema, o STF tem oscilado excessivamente em sua jurisprudência. Essa oscilação mostra a dificuldade do tema e a necessidade do seu repensar.

Justifica-se que o tribunal tenha o seu dia a dia alterado por quase dois meses, no mínimo, em função de um único processo? Que deputados federais, e os demais réus, não sejam julgados por juízes de primeiro grau unicamente por serem uns autoridades e outros próximos? Sinto que para mim, e para a maioria dos brasileiros, as respostas são negativas.

 

*Professor de Direito da PUC-SP

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar