Política

O rami-rami golpista está a tirar-nos a atenção do que passa no planeta

Desastres iminentes farão os produtores rurais contarem apenas com o Tesouro de um país ora quebrado e protetor de quem aplica ou “aplica” no rentismo

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“O capitalismo está morrendo de overdose” (Paulo Arantes, em “Caros Amigos”)

Enquanto “dormia a nossa pátria mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações” (Chico Buarque), as elites da Federação de Corporações trabalhavam em nova adaptação da tragédia shakespeariana, Romeu e Julieta.

Título definido, “Grampo e Delação”, procura-se apenas final feliz, diferente da desgraça que o bardo inglês reservou aos filhos das famílias Capuleto e Montecchio.

Sugiro submissa Delação, ajoelhada aos pés do Grampo, implorando: “Oh amor, dê-me logo o prêmio. Grampeie-me quanto quiser, mas cuidado com os vazamentos”. Cogitado para o papel masculino, Alexandre Frota se disse muito ocupado com seus afazeres no Ministério da Educação.

Parece que brinco? Brinco não. Se não perceberam o cheiro da podridão de fossas humanas revolvidas por um sistema econômico em estridente decomposição, acreditem-se corretos e felizes como os avestruzes. Diz a lenda que diante do perigo, mesmo sendo as maiores aves do planeta, eles enfiam a cabeça num buraco do solo para não ver o que vai dar. É provável que o rami-rami golpista no Brasil está a tirar-nos a atenção do que se passa no planeta.

Declínio e concentração no setor manufatureiro, encolhimento das classes médias, aumento da pobreza, violência criminal e tráfico de drogas, lutas e êxodos étnicos, atentados terroristas, cidadãos invisíveis para o bem-estar em aglomerados urbanos.

Se ainda não o perceberam, escolham melhor suas leituras e audições. Há pelo menos três décadas, historiadores e cientistas sociais já vaticinavam o mau caminho. Um porvir onde não mais trataríamos somente da polarização entre a hegemonia dos países ricos e a penúria em regiões de pobreza.

Afora quem se dedicasse à especulação financeira, generalizar-se-ia (desculpem, a interinidade da mesóclise) a perda da soberania dos Estados, em suas preocupações com o bem-estar social e a cidadania.

Antes de sua morte, em 1994, aos 62 anos, o historiador norte-americano, Christopher Lasch, acabara de publicar The Revolt of the Elites and the Betrayal of Democracy (W.W. Norton & Company, New York – London). Para a língua portuguesa, caberiam duas traduções: uma literal, A Revolta das Elites e a Traição da Democracia; outra premonitória, O Golpe Brasileiro de 2016.

Vinte e dois anos atrás, Lasch já sentia o crescente fedor da podridão do sistema dominante, invertendo o sentido da obra maior do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), A Rebelião das Massas, de 1926.

Em extenso estudo, Lasch via as elites financeiras e que produzem e manipulam informações, diferentemente de seus predecessores, fora do contato com o povo, pensando dele não precisarem mais. Ao povo restaria entregar-se às religiões e tecnologias, a elas agradecendo prendas e implorando perdão.

No mesmo sentido, em Globalização, Democracia e Terrorismo (Cia das Letras, 2008), outro excepcional historiador, nascido em Alexandria, Egito, mas de nacionalidade britânica, Eric Hobsbawm (1917-2012), advertia para final semelhante.

Em seus extremos escritos pós-1980, sempre viu a globalização como expansão imperialista que resultaria em concentração de renda, aumento da pobreza, desemprego e conflitos étnicos. Neoliberais o desconsideravam, por marxista.

Pulo, então, para a área que penso entender pouco mais. A agropecuária e seus desdobramentos nos agronegócios. É por aí que gira meu mundo profissional. Em semanais Andanças Capitais através de produção familiar, segurança alimentar, preservações ambiental e social, potências produtoras e exportadoras.

Infelizmente, nem todos concordam, mas nosso produtor de commodities agropecuárias é uma mosca tonta que a um peteleco certeiro morre. Seu funesto destino poderá ser determinado pela queda das cotações nas bolsas internacionais, pelos escandalosos subsídios e barreiras tarifárias nos EUA e Europa, a manipulação das tradings, as grandes fabricantes de sementes, fertilizantes e agrotóxicos, ou mesmo por países emergentes que não sabem fazer valer seus biomas e recursos naturais, como os iludidos “Berrantes Caiados”, encastelados na casa-grande brasileira.

Qualquer desses desastres, cada vez mais iminentes no planeta, fará os produtores rurais contarem apenas com o Tesouro de um país ora quebrado e protetor de quem aplica ou “aplica” no mercado rentista.

Disso não escapará nem mesmo o agricultor familiar voltado aos produtos para o mercado interno. O novo modelo econômico não mais apostará no consumo das famílias e nos programas sociais. Os arrochos que virão ser-lhes-ão fatais. Vocês, patos amarelos, pediram.

Poucos de meus leitores, caboclos, campesinos, sertanejos e ruralistas, parecem entender o que está acontecendo com seus tradicionais indutores de produtividade.

Desde as décadas de 1980/1990, os movimentos contracionistas da oferta começaram a se aproximar do setor de insumos para as produções animal e vegetal. Desnacionalização e concentração.

No plano interno, sempre em estado de perrengue econômico, aceitou-se a falácia de que o Estado não tinha capacidade de bem gerir o setor de adubos. Mesmo tecnicamente quebradas, as empresas do setor, com o auxílio luxuoso do pandeiro BNDES, privatizaram a produção estatal.

Nada investiram em aumento de capacidade. Quando o consumo explodiu, a importação voltou a predominar (hoje, perto de 80% de dependência), e a competitividade internacional os fez devolverem tudo para o domínio do Estado e de multinacionais.

O setor agrícola, beneficiado por conquistas tecnológicas, boa demanda asiática e preços, absorveu o golpe. Continuou aumentando o consumo a taxas aceleradas. Aos produtores de alimentos para o mercado interno coube continuar acompanhando a gangorra cíclica que faz William e Renata, no Jornal Nacional, tomarem ar de grave preocupação.

É ruim, mas nada perto do que virá. Tanto fora como no Brasil, ocorre batalha acirrada para dominar a produção e distribuição de tecnologias de sementes geneticamente modificadas, novas moléculas para controle de pragas e doenças de incidência cíclica, e vantagens no comércio exterior.

A norte-americana Monsanto quis comprar a suíça Syngenta. Veio a chinesa ChemChina e com US$ 42 bilhões a arrematou. A Dow Chemical e a Dupont fizeram fusão. A Monsanto tentou a Bayer. A germânica devolveu com US$ 62 bilhões e deverá levar seus ativos, mesmo arriscando-se à carapuça da vilania.

Negócios menores, mas estrategicamente importantes, se multiplicam no jogo da dominação da venda de tecnologias agrícolas. Canadenses, marroquinos, chineses, indianos, holandeses, nos últimos anos, adquiriram participação em empresas nacionais de fertilizantes.

Por quê? Simples. Casas, pontes, veículos, minérios, internet, trilhos, energia fóssil, e tantos outros itens, podem ser valiosos, mas não enchem o pandulho das massas, fidalgos e cortesãs.

Um bom bacalhau, com receita do Márcio Alemão, supera qualquer fome, dá prazer e sobrevivência. Vinhos, desde que você goste, mesmo sem pontuação RP, ele também recomenda.

Comer é para sempre. Vale a disputa. A quem produz restará escapar das armadilhas. Estudem alternativas naturais e orgânicas. Temos aos montões. 

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