Política

No fogo cruzado da Lava Jato

O ex-ministro Jaques Wagner defende-se das acusações de delator da Odebrecht e prevê a derrocada do governo Temer

Apoie Siga-nos no

Na sexta-feira 9, veio a público a primeira delação da Odebrecht, de autoria de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da empreiteira. As acusações atingiram em cheio a cúpula do PMDB, com um capítulo especial reservado a Michel Temer, acusado de pedir 10 milhões de reais ao empresário Marcelo Odebrecht durante a campanha de 2014.

A “ponte para o futuro” prometida à população durante o processo de impeachment está prestes a desabar, avalia Jaques Wagner, ex-ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff e governador da Bahia de 2007 a 2014. Também citado pelo delator, o petista defende-se das acusações, mas repudia a tese de anular a delação com base no vazamento ilegal do depoimento, como aventou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ora indignado com a prática.

Wagner lembra que o vazamento de denúncias contra Lula jamais foi objeto de censura. “Seria o extremo da aberração anular tudo o que aparecer daqui para a frente e manter a validade do que foi igualmente vazado antes.” Ele alerta ainda para a urgência de uma reforma política. “Espero que agora fique claro para a população que o financiamento público é muito mais barato e transparente para a sociedade.”

CartaCapital: Diante da avalanche de denúncias que atinge a cúpula do PMDB, o senhor acredita que o governo Temer se sustenta até 2018?
Jaques Wagner: Terá muita dificuldade. Não que eu torça para isso. Apesar de considerar um governo sem legitimidade, pois chegou ao poder sem voto, não dá para torcer para o Brasil seguir de tropeço em tropeço. Agora, pelas medidas tomadas e por essa sucessão de denúncias, somadas ao julgamento das contas pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2017, há um conjunto de ameaças. A pinguela, como chamou Fernando Henrique Cardoso, está mais para despencar do que para virar ponte.

CC: Seu nome foi citado pelo delator Cláudio Melo Filho, da Odebrecht. O que senhor tem a dizer?
JW: Estou absolutamente à vontade. Minha relação com a Odebrecht sempre foi conflituosa. Em 2006, eles me chamaram para conversar, na tentativa de me demover de ser candidato. Quando ganhei, assinaram um contrato com a Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) no apagar das luzes do governo anterior. Cancelei o contrato e fiz o realinhamento do preço, que caiu 19%. Minha primeira grande obra, a um custo superior a 300 milhões de reais, foi a Via Expressa. A Odebrecht achava que a obra era dela, mas disse não trabalhar assim. Fiz a licitação e eles nem participaram.

Depois, teve o projeto do Metrô de Salvador. OAS e Odebrecht se juntaram para participar da licitação, mas reclamaram que o preço era inviável. Pediram 1,2 bilhão de reais a mais, depois baixaram o pedido para 800 milhões. Bati o pé, disse que não colocava um centavo a mais, não via motivo técnico para isso. Foi a leilão na Bolsa de São Paulo e a empresa vencedora, a CCR, deu 5% de desconto do preço original.

CC: Então o senhor sustenta que jamais atuou para favorecê-la?
JW: Provavelmente, os meus oito anos de mandato devem ter sido o período em que eles tiveram o mais baixo faturamento na Bahia. Cláudio Melo Filho cita a redução do ICMS da nafta para o Polo Petroquímico de Camaçari. Em 2007, o polo completou 30 anos de existência, mas passava por um momento de declínio de suas atividades. Montamos um grupo de trabalho com os empresários, com as secretarias da Fazenda e da Indústria.

“Estou absolutamente à vontade. Minha relação com a Odebrecht sempre foi conflituosa”

Nessa discussão, um dos pleitos apresentados foi a redução do ICMS da nafta, para dar competitividade às empresas da cadeia produtiva. Achamos a demanda razoável e fizemos um programa de redução de impostos. Isso fortaleceu o polo petroquímico. Tanto é verdade, que anos depois a Basf fez o maior investimento dos últimos cem anos na Bahia, um complexo acrílico instalado em Camaçari. Os executivos que participaram desse processo podem testemunhar.

CC: Isso não era uma contrapartida por doações eleitorais?
JW: Faço campanha, está tudo declarado, tem contribuição de várias empresas, empreiteiras ou não. Mas sempre digo aos doadores: “Não sou despachante”. Não estabeleço uma relação de causa e efeito. Pode perguntar aos empresários se eles foram achacados, coagidos. O delator também falou da questão da cláusula quarta. Sou sindicalista do polo petroquímico e, no primeiro ano do governo Collor, ficou conhecida uma pendencia judicial entre nós, trabalhadores, e as empresas. Isso se arrastou pelos tribunais e foi até o Supremo. Houve uma proposta de acordo, que eu sempre pressionei para que fosse feita. Como governador, continuei pressionando os empresários para honrar com o acordo e eles pagaram. Depois, ele menciona o pagamento de uma dívida histórica da Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (Cerb).

A Odebretch havia construído uma adutora no governo Nilo Coelho. Antonio Carlos Magalhães venceu as eleições seguintes e não reconheceu a dívida. “Essa obra é de meus adversários, não vou pagar”. Era bem o estilo dele. Eles entraram na Justiça e ganharam. O caso transitou em julgado. Desde que eu assumi o governo, eles fizeram propostas de acordo. Em 2013 ou 2014, chegamos a um denominador comum. Pagamos algo da ordem de 25% daquilo que eles tinham ganhado na Justiça. Estou à vontade em relação a isso. Em certo momento, o próprio delator disse que o pessoal da empresa não gostava de mim.

CC: Como o senhor explica o relógio que ganhou de presente?
JW: Conheci o Cláudio Melo Filho através do pai dele, que também trabalhava na Odebrecht. Tenho um grande amigo compadre dele, o Fernando Schmidt. Não nego, tinha uma relação boa. Se alguém chega na minha casa e me dá um presente no meu aniversário, não vou perguntar qual o preço nem vou dizer “toma aqui de volta”. É bom esclarecer: no governo da Bahia, não há uma regra semelhante àquela do governo federal, que fixa um limite de valor para o presente que o agente público pode receber. Alguém pode dizer: “Não acho legítimo você receber um presente deste valor”. Tudo bem. Mas, se era uma tentativa de me comprar, foi improdutiva. 

CC: Após as denúncias atingirem o núcleo do governo Temer, diversas autoridades passaram a criticar o vazamento das delações. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, prometeu investigar. O ministro Gilmar Mendes alertou que isso pode anular os depoimentos. O que explica essa repentina indignação com um comportamento tão corriqueiro nos últimos tempos? 
JW: É aquele velho ditado: pimenta nos olhos dos outros é refresco. Quando estava tudo direcionado ao PT, para destruir a imagem de Lula e do governo Dilma, todos achavam bonito. Segmentos da mídia montaram uma rede de promiscuidade com órgãos de investigação. No caso de Cláudio Melo Filho, não foi nem vazamento. Entregaram o documento todo. Se agora o vazamento é ruim e a delação pode ser anulada, é porque todo mundo faz campanha pedindo apoio às empresas. Essa é a doença maior da política brasileira: não termos financiamento público e exclusivo de campanha. Querem colocar panos quentes para tentar evitar uma debacle geral, mas está impossível.

CC: O senhor acredita que a Lava Jato vai, de fato, ampliar o leque de investigados, independentemente da agremiação partidária? 
JW: É o mínimo. Os vazamentos de agora são iguais aos vazamentos contra o Lula. Seria o extremo da aberração anular tudo o que aparecer daqui para a frente e manter a validade do que foi igualmente vazado antes. O primeiro alvo é sempre quem está no poder. O PT estava no poder, por isso a artilharia estava apontada para ele. Mas, quando o leque abre, vai para o Rio de Janeiro, São Paulo, pega todo mundo que está no poder ou fez candidatura com dinheiro privado. Espero que agora fique claro para a população brasileira que o financiamento público é muito mais barato e transparente para a sociedade. Espero que esse processo desague em uma reforma política.

“Espero que agora fique claro para a população brasileira que o financiamento público é muito mais barato e transparente para a sociedade”

CC: O que mais precisa mudar na legislação eleitoral?
JW: Em primeiro lugar, é preciso parar o comércio do tempo de televisão. Se o partido não lançar candidato nas disputas majoritárias, o tempo a que tem direito deveria ser dividido entre as legendas que lançaram. Em segundo, precisamos acabar definitivamente com a coligação proporcional. Só existem 40 partidos no Brasil em razão disso. Cada partido deve ter no Congresso o tamanho que a sociedade lhe deu. Com a coligação, voto no fulano e acabo por eleger cicrano, que é de um partido que nem gosto. É uma espécie de estelionato eleitoral.

CC: Como o senhor avalia a proposta do presidente do Senado, Renan Calheiros, de tipificar o crime de abuso de autoridade, abarcando juízes, promotores e delegados? 
JW: O problema é que a proposta está sendo apresentada no momento em que a classe política é alvo de um bombardeio. Então, parece revanchismo, retaliação. Mas, se o limite da autoridade na democracia é a lei, este limite tem que ser para todo mundo. Não acho correto levantar uma suspeita sem um lastro muito seguro. Há casos em que os órgãos de fiscalização paralisam uma obra por seis meses, dizendo que há superfaturamento. Depois, não se comprova nada daquilo. E o que acontece? Com o agente público, nada. Só que a obra atrasará e ficará mais cara para a sociedade. Defendi essa posição em debate aberto com a ministra Carmen Lúcia, do STF, com o presidente do Tribunal de Contas.

Reconheço que o momento não é o melhor para travar essa discussão, parece revanchismo, mas também é absurda a reação das instituições de fiscalização e do grupo da Lava Jato. “Se aprovar, vamos abandonar isso aqui”. Como assim? Eles são concursados, ganham salário para desempenhar essa função. Se todos são iguais perante a lei, as regras precisam valer para todos. Um grupo não pode se sentir acima de tudo. 

CC: As crises política e econômica estão inter-relacionadas. Diante deste cenário, o receituário neoliberal de Temer, com drásticas medidas de austeridade fiscal, trará quais consequências para o País?
JW: Trará as mesmas consequências negativas e nefastas que trouxeram para todos os que seguiram, nas décadas anteriores, o receituário neoliberal do Fundo Monetário Internacional. Temos de botar a roda da economia para girar, com responsabilidade fiscal, claro, mas não desse jeito draconiano como eles estão impondo. 

CC: Muitos integrantes do campo de esquerda acreditam que só a antecipação de eleições diretas poderia pacificar o País.
JW: Defendi isso antes mesmo do impeachment. A oposição, particularmente o PSDB e o DEM, que não integravam a base do governo, não tiveram o mínimo de respeito à democracia. Disse publicamente, várias vezes, que era melhor terem apresentado uma emenda constitucional para instituir o recall político. Ou seja, haveria um plebiscito para decidir se a presidenta Dilma Rousseff deveria ou não continuar.

Sobre as delações da Lava Jato: “Seria aberração anular só o que foi vazado agora”

Se o povo decidisse interromper o mandato, seriam convocadas novas eleições. Isso já seria uma violência, porque ela não foi eleita com o instituto do recall. Mas seguramente seria uma violência mais inteligente, porque não teríamos como nos contrapor a chamar o povo para se manifestar, nós do PT. Não acredito que a solução passa por eleições indiretas, embora a regra hoje é essa. Deixar o Congresso eleger o presidente pode empurrar o País para uma convulsão social. É melhor abrir mão desse regramento por uma emenda constitucional.

CC: Em abril de 2017 o PT deve renovar sua direção. Na sua avaliação, qual o nome mais qualificado para assumir o comando? E aliás, que mudanças o senhor considera indispensáveis nos rumos do partido?
JW: Só consigo ver o Lula desempenhando essa função, até porque ele é o presidente de fato. Todos se encaminham para ele toda vez que surge um problema. É o peso político da história dele, de tudo que ele ajudou a construir. É nosso candidato de 2018. Por isso essa casta está tão obstinada em caçá-lo. O PT, e eu me incluo nessa autocrítica, tem a responsabilidade de não ter puxado a reforma política em 2003 ou 2004, quando tínhamos força. Começamos a operar nessa mesma máquina que os outros operavam. Muita gente sucumbiu, porque a máquina acaba sendo mais forte do que o indivíduo. A questão não é o que precisa mudar no PT, e sim o que tem que mudar nas regras da política brasileira.

Não seremos os santos no pardieiro. Óbvio que a honestidade é pré-requisito para quem entra na vida pública, mas não é insuficiente. É como um jogo de futebol. Se a regra permite chutar na canela, você pode ser gente boa, mas alguém vai chutar sua canela e te quebrar. Imaginar que vamos consertar o PT sem consertar a política é ilusão.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo