Política

Índice de comparecimento às urnas ainda é alto

Cientista político Celso Roma diz que abstenção no Brasil não é problema e defende voto obrigatório

Eleitor chega cedo em São Paulo para garantir os primeiros lugares na fila de votação. Foto:Agência Brasil
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As eleições do dia 7 de outubro registraram 16% de abstenções em todo o Brasil. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, ao todo 22.736.804 de eleitores deixaram de ir às urnas para escolher o futuro prefeito de suas cidades. Dos que compareceram, cerca de 11% votaram nulo ou em branco. O índice levou à publicação, na última semana, de uma enxurrada de análises sobre um suposto desinteresse dos brasileiros em relação à política, o que denotaria uma insatisfação com o próprio sistema de voto obrigatório.

Entretanto, de acordo com o cientista político Celso Roma, é preciso ter cuidado para chegar a esse tipo de conclusão com base nos números sobre a participação no processo eleitoral.

Primeiro porque o Brasil ainda é um dos países com uma das maiores taxa de comparecimento às urnas do mundo. Como comparação, nas eleições locais do Reino Unido, em maio deste ano, a abstenção eleitoral chegou a 68%. Nas eleições do México, també neste ano, o índice de comparecimento foi de 63,7%. Nos Estados Unidos, onde registro do eleitor é facultativo (e, por razões políticas, repleto de obstáculos em alguns estados da federação, o índice em 2010 (eleições legislativas) foi de 38,5%. “Nos EUA, há um grupo de cidadãos que não consegue cumprir as formalidades para se registrar como eleitor.”

O especialista diz ainda haver nas análises sobre abstenção uma confusão sobre os conceitos. Abstenção, afirma o especialista, pode traduzir tanto a recusa do eleitor à obrigatoriedade do voto quanto à impossibilidade de comparecer ao local de votação. Já o voto nulo, por exemplo, “pode ser acidental ou intencional, revelando o protesto dos eleitores contra o sistema político ou a falta de capacidade deles em expressar a sua preferência na urna”.

“Na época do sistema manual, muitos eleitores – sobretudo analfabetos ou pouco instruídos – tinham dificuldade de preencher as cédulas de papel. Nesse caso, o alto percentual de voto nulo, em vez de traduzir uma forma de protesto, captava, em grande medida, o erro involuntário dos eleitores. Após a adoção da urna eletrônica, em 1996, o número de votos nulos diminui significativamente, já na eleição de 1998, permitindo que milhões de eleitores tivessem a sua preferência registrada e assim fossem levados em conta nas eleições, conforme demonstra o estudo pioneiro do cientista político Jairo Nicolau”, lembra.

Mesmo assim, avalia Celso Roma, “podemos observar uma correlação entre o número de votos nulos e o nível de escolaridade dos eleitores”. “Por isso, voto nulo não pode ser traduzido como protesto dos eleitores.”

Roma defende o voto obrigatório como forma de solucionar o problema da abstenção e da desigualdade nas eleições. Ele lembra que a taxa de comparecimento eleitoral tende a ser menor em países que adotam sistema de voto facultativo. Segundo ele, a abstenção eleitoral atinge sobretudo os grupos vulneráveis social e economicamente, o que significa que os ricos votam mais que os cidadãos pobres, que são mais sensíveis aos “custos” do voto. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo em 2010, Roma defendeu que “a lei do voto obrigatório, quando aplicada rigorosamente, contribui para melhorar as condições de vida da população, sobretudo em países em desenvolvimento, conforme atestam vários estudos”. “Quando o exercício do voto se estende aos mais pobres e menos escolarizados, há uma pressão para que os governos adotem políticas voltadas para o combate à pobreza e à desigualdade”, escreveu.

O voto obrigatório, conclui Roma, faz com que os eleitores busquem informação sobre a política e pressiona os candidatos e partidos a incluir propostas para o segmento mais amplo da sociedade. É o que acontece no Brasil, afirma, onde os índices de abstenção não podem ser considerados um problema.

 

Confira o ranking de participação eleitoral pelo mundo, elaborado por Celso Roma a pedido da reportagem:

 

 

As eleições do dia 7 de outubro registraram 16% de abstenções em todo o Brasil. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, ao todo 22.736.804 de eleitores deixaram de ir às urnas para escolher o futuro prefeito de suas cidades. Dos que compareceram, cerca de 11% votaram nulo ou em branco. O índice levou à publicação, na última semana, de uma enxurrada de análises sobre um suposto desinteresse dos brasileiros em relação à política, o que denotaria uma insatisfação com o próprio sistema de voto obrigatório.

Entretanto, de acordo com o cientista político Celso Roma, é preciso ter cuidado para chegar a esse tipo de conclusão com base nos números sobre a participação no processo eleitoral.

Primeiro porque o Brasil ainda é um dos países com uma das maiores taxa de comparecimento às urnas do mundo. Como comparação, nas eleições locais do Reino Unido, em maio deste ano, a abstenção eleitoral chegou a 68%. Nas eleições do México, també neste ano, o índice de comparecimento foi de 63,7%. Nos Estados Unidos, onde registro do eleitor é facultativo (e, por razões políticas, repleto de obstáculos em alguns estados da federação, o índice em 2010 (eleições legislativas) foi de 38,5%. “Nos EUA, há um grupo de cidadãos que não consegue cumprir as formalidades para se registrar como eleitor.”

O especialista diz ainda haver nas análises sobre abstenção uma confusão sobre os conceitos. Abstenção, afirma o especialista, pode traduzir tanto a recusa do eleitor à obrigatoriedade do voto quanto à impossibilidade de comparecer ao local de votação. Já o voto nulo, por exemplo, “pode ser acidental ou intencional, revelando o protesto dos eleitores contra o sistema político ou a falta de capacidade deles em expressar a sua preferência na urna”.

“Na época do sistema manual, muitos eleitores – sobretudo analfabetos ou pouco instruídos – tinham dificuldade de preencher as cédulas de papel. Nesse caso, o alto percentual de voto nulo, em vez de traduzir uma forma de protesto, captava, em grande medida, o erro involuntário dos eleitores. Após a adoção da urna eletrônica, em 1996, o número de votos nulos diminui significativamente, já na eleição de 1998, permitindo que milhões de eleitores tivessem a sua preferência registrada e assim fossem levados em conta nas eleições, conforme demonstra o estudo pioneiro do cientista político Jairo Nicolau”, lembra.

Mesmo assim, avalia Celso Roma, “podemos observar uma correlação entre o número de votos nulos e o nível de escolaridade dos eleitores”. “Por isso, voto nulo não pode ser traduzido como protesto dos eleitores.”

Roma defende o voto obrigatório como forma de solucionar o problema da abstenção e da desigualdade nas eleições. Ele lembra que a taxa de comparecimento eleitoral tende a ser menor em países que adotam sistema de voto facultativo. Segundo ele, a abstenção eleitoral atinge sobretudo os grupos vulneráveis social e economicamente, o que significa que os ricos votam mais que os cidadãos pobres, que são mais sensíveis aos “custos” do voto. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo em 2010, Roma defendeu que “a lei do voto obrigatório, quando aplicada rigorosamente, contribui para melhorar as condições de vida da população, sobretudo em países em desenvolvimento, conforme atestam vários estudos”. “Quando o exercício do voto se estende aos mais pobres e menos escolarizados, há uma pressão para que os governos adotem políticas voltadas para o combate à pobreza e à desigualdade”, escreveu.

O voto obrigatório, conclui Roma, faz com que os eleitores busquem informação sobre a política e pressiona os candidatos e partidos a incluir propostas para o segmento mais amplo da sociedade. É o que acontece no Brasil, afirma, onde os índices de abstenção não podem ser considerados um problema.

 

Confira o ranking de participação eleitoral pelo mundo, elaborado por Celso Roma a pedido da reportagem:

 

 

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