Política

Dilma Bolada, a pós-presidente imortal

Na era Temer, o que será da paródia da ex-presidente?

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Por Thomas Fischermann

O homem que planeja a vingança de Dilma Rousseff está sentado num café. No fim da rua, ele pode ver as árvores do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, em frente à entrada principal de um gigante da mídia, a Globo, mas não dirige o olhar para lugar algum. Ele saboreia seu café expresso, olha para a xícara e a roda com as mãos. Jeferson Monteiro, de 26 anos, é uma pessoa tímida. Eu havia imaginado que a nossa conversa seria um pouco diferente.

Como correspondente do jornal alemão Die Zeit, eu tinha interesse nesse homem por ele ter inventado um dos mais notáveis fenômenos de mídia do Brasil. Jeferson Monteiro é o criador da Dilma Bolada, uma paródia na internet que até hoje tem 2,5 milhões de seguidores no Facebook e no Twitter. Números assim são o sonho de qualquer um no mundo das mídias sociais.

E olha que o tema é um desafio e tanto. Dilma Rousseff? Essa personalidade senhorial, mas ao mesmo tempo frágil; lutadora, mas teimosa, e que eventualmente se tornou tão impopular para a maioria dos brasileiros? E Jeferson conseguiu todo esse sucesso na internet logo com ela?

“No começo era só um hobby”, explica Jeferson, como se imitar a presidente da República fosse a ocupação de lazer mais trivial do mundo. Em 2010, quando Jeferson mal tinha 20 anos e Dilma nem sequer era presidente, ele começou a fazer as primeiras tentativas de paródias, apesar de, na época, jamais ter se encontrado com Dilma. Ele conquistou seus seguidores com humor. “Vocês não queriam ter Copa?”, perguntava a Dilma Bolada. “Agora fiquem calados, senão vão ter é duas Copas!”

Jeferson não perdoava ao imitar os aspectos mais incompreensíveis e impopulares de Dilma: ela era vaidosa e arrogante, irascível e logo magoada, retraída e mandona, cheia de autoconfiança sobre a sua beleza, reconhecida pelo seu papel de “Diva do Povo” e ao mesmo tempo ingrata. E as paródias eram hilárias. Dava para dar boas gargalhadas com o que Jeferson escrevia. Não demorou muito para Dilma Bolada se tornar uma personagem virtual popular.

Mas esse jovem originário de Mesquita, nos subúrbios do Rio de Janeiro, que encontro no café usando uma camisa amarela de hipster e uma barba comprida bem ao estilo esquerdista, esse jovem não é nem um pouco engraçado. Ele não faz uma única piada, e isso me deixa meio confuso. Jeferson fala sério e pausadamente, cita pesquisas científicas que foram feitas a respeito de sua “criação”, analisa a situação política e os desafios para a comunicação política.

“Durantes as grandes demonstrações de rua de 2013, eu vi pela primeira vez o momento em que a Dilma Bolada se tornou uma figura pública, como os ativistas queriam que a presidente fosse”. Ele conta então que abriu duas agências: uma de marketing político, para prefeitos, por exemplo, e outra para a publicidade política e comercial.

Jeferson menciona com objetividade que Dilma Bolada foi um bom negócio para ele nos últimos anos. Defende-se das acusações de ter recebido dinheiro do PT ou do comitê eleitoral da Dilma, mas admite ter trabalhado como marqueteiro de agências próximas ao partido. Entretanto, o sucesso de Dilma Bolada seria independente disso. “Nesse meio tempo negligenciei meus outros empregos, não tinha mais tempo devido aos convites para participar de congressos, palestras e eventos de publicidade”, conta Jeferson.

É mesmo, Jeferson? Dilma Bolada, a sua ficção espirituosa sobre uma chefe de governo tecnocrata, não passou de um experimento de mídia friamente arquitetado? “Que é isso!”, diz Jeferson. Ele conta que conheceu Dilma Rousseff em 2013, e, quando se ouve ele falar disso, tem-se a impressão de que ele ficou encantado com ela. “Fui convidado ao Palácio do Planalto, e na época não tinha ideia de como a Dilma Rousseff reagiria à Dilma Bolada”, conta. “Mas fiquei surpreso com ela. Ela foi até carinhosa, pegou na minha mão, me deu um abraço. Foi o contrário daquilo que eu tinha ouvido sobre ela: que era muito controladora, que era durona.”

Segundo Jeferson, Dilma lhe disse: “Gosto de quando você escreve que me acho bonita, que sou uma diva”.

E agora que sua inspiração criativa não está mais presente, como vai ser? “Já passou a época em que eu vivia estressado, em que eu tinha que fazer uma postagem a cada minuto”, diz Jeferson, novamente de volta ao papel de analista frio.

Mas Dilma Bolada vai continuar existindo. Vai se tornar imortal, como uma espécie de última vingança da presidente afastada. “Para Dilma Bolada está simplesmente surgindo um nova fase: a pós-presidente”, explica Jeferson, quando estamos para nos despedir. Sua figura artística tem mais tempo agora, explica. Ela assiste à Netflix, aproveita o cotidiano e ri de seus sucessores de gabinete quando a má sorte os persegue.

E então falamos de Harry Potter. “Harry Potter deixou de existir, mas acabou de sair um novo filme sobre ele!”, lembra Jeferson. “O filme não tem nada a ver com o Harry Potter, e mesmo assim a história continua a viver. Pensei que, se dá certo com o Harry Potter, também vai dar certo com a Dilma Bolada.”

Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.

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