Política

“Bancada evangélica não discute só sexualidade, nem é intolerante”, diz deputado

Pastor Roberto de Lucena diz discordar de Marco Feliciano, mas defende a legitimidade do colega e critica o que chama de “heterofobia”

Foto: Robertoro de Lucena/Site pessoal
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A retórica do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Marco Feliciano (PSC-SP), notadamente racista e homofóbica, tem respingado na bancada evangélica na Câmara. Em meio a declarações do parlamentar, que considera africanos amaldiçoados baseado, segundo ele, em explicações bíblicas, os integrantes da frente religiosa têm sido associados pejorativamente às ideias do pastor.

Muitos, nos corredores do Congresso, não escondem o incômodo com o rótulo associado ao preconceito e à atuação baseada em dogmas religiosos. É o caso do deputado Roberto de Lucena (PV-SP). Dizendo-se “moderado” e aberto ao debate, ele afirma que a bancada evangélica não se restringe ao debate de temas sobre sexualidade. E reiteira que seus integrantes não colocam os mandatos à disposição de crenças. “Uma igreja [evangélica] tão vítima do preconceito não é um segmento intolerante”, diz o também integrante da Comissão de Direitos Humanos.

 

Pastor da igreja O Brasil para Cristo e presidenteda Frente Parlamentar de Combate ao Bullying, Lucena diz, na entrevista abaixo, que discorda de alguns aspectos da atuação de Feliciano. Defende, no entanto, o direito de os evangélicos buscarem votos entre os fiéis. “Quando o jogador de futebol vai buscar votos em sua torcida, não é questionado por isso. Mas não entendo por que meu apoio é questionado quando, enquanto pastor, recebo voto do segmento evangélico.”

CartaCapital: Como o senhor enxerga o comportamento de colegas da bancada religiosa, como Marco Feliciano, que não raro usam um discurso preconceituoso contra minorias que fogem de suas crenças religiosas?

Roberto de Lucena: Creio que chegamos a um momento em que precisamos reconceituar algumas coisas. Quando uma pessoa, um cidadão brasileiro ou um parlamentar se diz contra o casamento homoafetivo, ele não está sendo homofóbico. Homofóbico é quem incita o ódio, a violência ou agride um homossexual. Temos assegurado pela Constituição o direito à liberdade de expressão, o que não significa poder se expressar apenas favoravelmente ao casamento homoafetivo. É direito se expressar contrariamente. O Congresso é a caixa de ressonância da sociedade, temos um Parlamento plural. Respeito todas as posições e entendo que essa é uma das condições da sustentação da democracia.

CC: A bancada evangélica tem conquistado força e influência no Congresso. Em meio a isso, faz pressão contra medidas como o “kit gay” ou barram projetos como o PL 122 contra a homofobia. Por que isso acontece? Há uma entrega do mandato a causas religiosas mesmo que vivamos em um Estado laico?

RL: A agenda da bancada religiosa não se restringe à sexualidade. Discutimos também assuntos ligados aos direitos humanos, combate à corrupção, segurança pública e educação. Não há fundamento em afirmar que parlamentares estejam entregando seus mandatos à causa religiosa. Quando um parlamentar evangélico coloca seu nome à disposição para concorrer a um cargo público, ele não vem representando uma fé, mas um segmento social. Ele não é deputado evangélico, é um evangélico deputado.

CC: Uma vez por semana, ocorre na Câmara uma pregação realizada por pastores que também são deputados. O que o senhor acha deste tipo de reunião?

RL: Não é um culto para evangelizar. É uma reunião de parlamentares, assessores e cristãos que se encontram um dia por semana para compartilhar uma palavra de encorajamento e fazer daquele seu momento de fé. Não há qualquer tipo de agressão à laicidade do Estado ou do Congresso.

CC: Como o senhor analisa a presidência de Marco Feliciano na Comissão dos Direitos Humanos e suas declarações contra grupos LGBT e negros, justificados por ele em bases religiosas?

RL: Não discuto o posicionamento teológico de Marco Feliciano, mas temos posicionamentos contrastantes. Sua eleição para a presidência foi um assunto interno do PSC, que não tem relação com a bancada evangélica. Historicamente, essa comissão fica com o PT ou o PCdoB, que abriram mão dela. Feliciano foi indicado e eleito de forma legal. Defendo essa legalidade. Logo, a interferência de outros partidos na condução da comissão é arbitrária e temerária.

CC: Quais são os seus posicionamentos contrastantes com Feliciano? O senhor concorda com a proibição do acesso da população às sessões da comissão?

RL: Nessa afirmação que ele fez fundamentada na Bíblia [sobre os africanos serem amaldiçoados] tenho outra interpretação. Respeito os posicionamentos dele, mas isso não é o mesmo que concordar. Na última semana, talvez eu tenha sido a única voz a questionar a proposta da restrição [de acesso do público à comissão], por entender que todas as comissões permanentes devem estar mais próximas da sociedade. Por outro lado, compreendo que ele precise de algum instrumento para garantir a funcionalidade dos trabalhos. Temos observado nas últimas semanas que os manifestantes não têm ido para contribuir, mas ofender o presidente. Se no plenário principal entendemos que a ordem deve ser mantida, o mesmo vale para os trabalhos da comissão. Estamos na ponta da luta contra a pedofilia, a violência contra crianças e adolescentes, a defesa do indígena, violência contra a mulher e outros temas que não podem esperar. Precisamos trabalhar.

CC: O filósofo Vladimir Safatle escreveu que integrantes da bancada religiosa ocupam um espaço em uma comissão criada para proteger pessoas criticadas por eles. Esse grupo usaria esse espaço para bloquear debates sobre a modernização dos costumes sociais e criar um conflito por interesses próprios. O que o senhor acha desse suposto movimento?

RL: Quem não está disposto ao debate democrático é a resistência ao atual presidente. Quando a imprensa afirma que há um pastor na presidência da comissão, fico preocupado porque não se trata de um pastor, mas de um parlamentar com mais de 200 mil votos. Também não concordo com o argumento de que a comissão não pode ser comandada por uma pessoa parcial. Desta forma, Jean Wyllys ou Érika Kokay não poderiam presidi-la também. Não há ninguém imparcial no Parlamento. Cabe a cada deputado representar um segmento da sociedade, uma leitura de mundo. Há a construção de sofismas, pois parece que a comissão está sendo ocupada por uma conspiração evangélica, o que é uma alucinação. Na democracia, se ganha no voto e não no grito. Os parlamentares que discordavam se retiram da comissão e criaram uma frente, o que é uma afronta. Não pela frente em si, mas por sua motivação. Como se fosse concorrer com a comissão. É como se alguém fosse ao jogo de futebol como o dono da bola. Se não pode jogar, pega a bola e vai embora. Há o compromisso de que a comissão não terá temas cerceados, desde que haja tempo para todas as discussões.

CC: O senhor menciona que na Câmara, apesar de ser um pastor, é um parlamentar. Mas como analisa o fato de muitos parlamentares da bancada religiosa terem sido eleitos por serem pastores ou apoiados pela igreja?

RL: Sou um pastor que estou deputado, não um deputado pastor. Também sou dirigente sindical. Não sou sindicalista na tribuna e não legislo como sindicalista, ainda que defenda posicionamentos que interessem à defesa dos direitos do trabalhador. Quando Feliciano recebeu o voto da comunidade evangélica, recebeu porque aquele é o seu ambiente. Quando o jogador de futebol vai buscar votos em sua torcida, não é questionado por isso. Eu posso ir ao movimento sindical pedir voto e não ser questionado. Mas não entendo por que meu apoio é questionado quando, enquanto pastor, recebo voto do segmento evangélico.

CC: Parlamentares como Jair Bolsonaro, que chegou a mandar ativistas de direitos de movimentos negros a voltarem ao zoológico, são um indicativo de que o Congresso vive um momento mais reacionário?

RL: Creio que não. O Congresso repercute a nossa sociedade, que é plural. Fiquei atento a um discurso de Caetano Veloso contra Feliciano, no qual ele falou da importância do Congresso. Vejo nele, a amostragem da sociedade brasileira e de uma parte intelectualizada da sociedade, para quem o Congresso é imprescindível, desde que seja absolutamente sintonizado com uma só leitura do mundo e vida. Isso não vai acontecer, não posso esperar que no Parlamento haja uma única corrente e uma leitura de vida. Temos posicionamentos diferentes. A pluralidade é valiosa.

CC: O senhor disse em discurso recente ser contra a homofobia, a heterofobia e a cristofobia. O que é heterofobia para o senhor?

RL:Hoje, homofobia é discordar da agenda homoafetiva e do movimento LGBT. Isso é preocupante. Para mim, homofóbico é quem incita a violência, discrimina, ridiculariza e agride em função de sua intolerância. Se for entender como homofóbico quem discorda conceitualmente, estamos vendo na contra partida uma crescente heterofobia. O que vemos não é o investimento na cultura da tolerância, mas na intolerância e discriminação. Quem não pensa como o movimento LGBT é de uma subcultura, uma subclasse. Por outro lado, vejo o crescente preconceito e intolerância contra os evangélicos. Houve um tempo em que éramos perseguidos, mortos e nossos líderes presos. Essa igreja tão vítima do preconceito não é um segmento intolerante.

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