Política

A versão de Temer para a conversa com Calero se sustenta?

Temer insiste em ter “arbitrado” conflito entre ministros, mas a própria Advocacia-Geral da União diz não ver uma disputa a ser resolvida

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Michel Temer e seu ex-ministro da Cultura Marcelo Calero têm versões diferentes para as conversas que tiveram acerca da construção do condomínio de luxo La Vue Ladeira da Barra, em Salvador, onde o ex-braço direito de Temer Geddel Vieira Lima comprou na planta um apartamento avaliado em 2,6 milhões de reais e cuja construção foi embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No domingo 27, as versões voltaram a se chocar.

O primeiro encontro

A primeira conversa entre Temer e Calero sobre o caso ocorreu em 16 de novembro, data em que Temer recebeu senadores para um jantar a respeito da PEC 241/55. Ambos confirmam essa informação.

“[Ele me procurou] dizendo que tinha um pedido, mas que seria difícil atender. Eu disse, olha, faça o que você achar melhor. Se houve um pleito, você veja o que é possível fazer”, disse Temer em entrevista coletiva na manhã de domingo 27. 

Segundo Calero contou ao Fantástico, da TV Globo, em entrevista que foi ao ar na noite de domingo 27, nessa conversa ele contou a Temer que tinha sido alvo de uma pressão do então ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima. “Ele disse que não me preocupasse, que ele trataria de dizer ao ministro Geddel que não tinha sido possível atendê-lo”, afirmou.

Aqui, ainda que as versões não sejam exatamente iguais, a conclusão é a mesma. Temer deu a Calero a liberdade de resolver o caso como achasse melhor. “Dessa conversa eu saí muito satisfeito. Achei ali que contava com o respaldo do presidente”, disse Calero.

O segundo encontro

Tanto Temer quanto Calero confirmam que conversaram sobre o caso de Geddel pela segunda vez um dia depois, em 17 de novembro. Temer não comentou quem pediu o encontro. Segundo o ex-ministro, foi o ex-presidente. “No dia seguinte, por volta da hora do almoço, eu recebo uma ligação do Palácio do Planalto. O presidente queria falar comigo com urgência”.

De acordo com Calero, o tom da conversa foi diferente“Ele me disse, então: ‘Marcelo, tenho muito apreço por você, mas essa decisão tomada pelo Iphan nos causou bastante estranheza, porque ela teria sido muito rápida, e a impressão que a gente tem é que não foi uma decisão correta e me causou dificuldades operacionais'”. Essas “dificuldades operacionais” teriam sido provocadas pelo fato de “Geddel ter ficado muito irritado”.

Ainda segundo o ex-ministro, neste momento Temer sugeriu que ele enviasse o caso para a Advocacia-Geral da União. Temer teria citado nominalmente Grace Mendonça, a chefe da AGU, e teria dito que ela poderia “resolver essa questão de uma maneira que fique bom para todos“. 

Temer confirmou que sugeriu a Calero levar o caso para a AGU, mas afirma que fez isso do ponto de vista técnico e que não estava defendendo “patrocinando nenhum interesse privado”. “Olha, ministro, se você não quer entrar nessa história, há uma solução legal. A lei diz que quando há conflito de órgãos pode-se ouvir a AGU, que fará uma avaliação”, afirmou Temer na manhã de domingo 27. 

Para Calero, não era técnica a sugestão de Temer, mas uma forma de pressão. “Em menos de 24 horas, todo aquele respaldo que ele me havia garantido, ele me retira. E determina que eu criasse uma manobra, um artifício, uma chicana (…) para que o caso fosse levado à AGU”.

AGU, Grace Mendonça e a versão de Temer

Há um problema central na versão de Temer para o caso. O presidente alega que levar a disputa à AGU seria a decisão correta e técnica, uma vez que haveria divergência entre a superintendência do Iphan na Bahia, que autorizou a construção do empreendimento onde Geddel tinha um apartamento, e o Iphan nacional, que embargou as obras até o projeto se readequado (deveria ter 13 andares e não os 30 planejados).

A base do argumento de Temer, como deixa claro a nota oficial divulgada pelo Planalto na semana passada, é o decreto 7392/2010, que versa sobre as atribuições da AGU. O órgão de fato tem a missão de resolver divergências jurídicas internas no governo, mas o caso envolvendo o Iphan da Bahia e o Iphan nacional não se enquadra nisso, pois é prerrogativa do Iphan nacional confirmar ou anular decisões de suas superintendências regionais. 

Uma nota oficial da própria AGU confirma isso, contestando, portanto, a verão de Temer. “As eventuais questões jurídicas relacionadas ao caso foram examinadas pela própria Procuradoria do Iphan, órgão competente para analisá-las. Tecnicamente, a unidade entendeu que a presidente do Iphan é competente para a anulação de ato da Superintendência estadual e que poderia decidir o caso concreto, conforme os critérios que a área técnica entendesse pertinentes”, diz a nota da AGU (veja a íntegra do parecer da Procuradoria do Iphan sobre o caso abaixo):

 

Pressão de Temer, Geddel e Padilha 

Assim, enquanto da versão de Temer emerge um presidente que buscou “arbitrar” um conflito, da versão de Calero surge um presidente que atuou deliberadamente para fazer órgãos públicos beneficiarem seu ministro.

Na semana passada, quando deixou o ministério e fez a denúncia, Calero disse que foi procurado cinco vezes por Geddel. Nas conversas, o braço-direito de Temer teria ameaçado acionar Michel Temer, pedir a cabeça da presidente do Iphan e deixado claro que se tratava de uma questão pessoal. 

“Já me disseram que o Iphan vai determinar a diminuição dos andares [do La Vue Ladeira da Barra]. E eu, que comprei um andar alto, como é que eu fico?”, teria indagado Geddel.

Ainda segundo Calero, a pressão não envolveria apenas Geddel e Temer, mas também Eliseu Padilha, o ministro-chefe da Casa Civil. Assim como os outros dois, ele teria dito a Calero para levar o caso à AGU. “Ficava patente que altas autoridades da República perdiam seu tempo em favor de um assunto paroquial, que se referia a um interesse particular, pessoal, de um ministro”.

AGU estaria envolvida no caso?

Se a versão de Calero for a real, e as principais figuras do governo tiverem de fato se mobilizado em nome de um interesse de Geddel, não se sabe se, ou em que medida, a AGU estava envolvida. Na mesma nota em que coloca em dúvida a versão de Temer, Grace Mendonça nega ter sofrido qualquer pressão.

“Sobre as declarações do ex-ministro da Cultura veiculadas recentemente, a Advogada-Geral da União, Grace Mendonça, vem a público afirmar que jamais recebeu orientações para direcionamento nas manifestações da Advocacia-Geral da União e que tampouco aceitaria qualquer tipo de interferência na atuação independente e técnica do corpo jurídico da instituição. Qualquer afirmação em contrário é inverídica e leviana”, diz.

Ao Fantástico, o próprio Calero afirmou que seria leviano acusar Grace Mendonça. Para o ex-ministro, entretanto, é um fato que Temer seus principais auxiliares estavam mobilizados em favor de Geddel.

Segundo ele, a gota d’água para sua decisão de pedir demissão foi uma ligação de Gustavo do Vale Rocha, ex-advogado do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que hoje é subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil.

“Ele novamente insiste para que eu mande o caso para a AGU. Aí eu [pensei]: ‘realmente o presidente quer que eu interfira nesse processo”, diz.

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