Justiça

Projeto privatista de Doria inviabiliza ciência e órgãos públicos

Ao articular para aprovar sem discussão Iniciativa que produz profundas mudanças no Estado, Doria mostra verdadeira face de seu governo

Governador João Doria (Foto: Governo de SP)
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Em mensagem dirigida à Assembleia Legislativa na última sexta-feira, o governador João Doria propôs a aprovação em regime de urgência do projeto de lei 529/2020. A despeito de ser qualificado pelo governo como uma “reforma administrativa”, o projeto não prevê qualquer mudança no regime jurídico dos servidores, flexibilização de regimes, ou outros cálculos para remuneração, mas apenas uma simples privatização de espaços e serviços do Estado de São Paulo.

A justificativa apresentada é cobrir parte do déficit estadual de 2021, projetado em R$ 10,4 bilhões, devido aos gastos com a pandemia e à queda da arrecadação em virtude da recessão econômica. No entanto, o objetivo real do governo é se aproveitar da situação inédita vigente – crise sanitária e econômica – como pretexto para aprovar o que Doria sempre defendeu: o enfraquecimento do Estado por meio da extinção, privatização ou concessão de órgãos sem quaisquer critérios e em detrimento da finalidade social de empresas estatais, fundações, universidades e demais serviços públicos.

A tentativa de aprovar um projeto de enorme impacto social em pouco mais de uma semana sem uma ampla consulta aos afetados e à sociedade civil apenas demonstra o pouco apreço do governo pela transparência e pelo amplo debate público.

As medidas apresentadas por Doria em conjunto com o Secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, podem atingir mais de cinco mil servidores e implicar na venda de uma série de ativos do Estado, como equipamentos, prédios, terrenos, entre outros. Além disso, também estão previstas a concessão de parques estaduais, a extinção de órgãos da administração indireta e a retenção dos ganhos financeiros (superávit) de fundos específicos.

Na impossibilidade de comentar em detalhes a proposta de lei, destaco aqui algumas das medidas previstas a partir de um recorte temático:

Educação – A autorização para que o tesouro estadual se aproprie dos superávits financeiros de fundos específicos fere a autonomia e prejudica diretamente entidades como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – a maior instituição de fomento à pesquisa do Brasil – e as três universidades estaduais, USP, UNESP e UNICAMP, fundamentais para o desenvolvimento da ciência não apenas no estado mas no país como um todo.

Moradia – A extinção da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), responsável por programas estaduais que visam a redução do déficit habitacional, é uma das medidas que prejudica diretamente a população do estado e favorece a atuação de construtoras privadas e instituições financeiras.

Meio Ambiente – A extinção de órgãos como o Instituto Florestal que são responsáveis pelo manejo de centenas de áreas protegidas e pela pesquisa na área de ecologia prejudica a proteção ambiental no estado e favorece potencialmente a especulação imobiliária. Além disso, o governo ainda pretende extinguir as alíquotas especiais de IPVA para veículos com combustíveis menos poluidores.

Emprego – Em plena crise econômica o conjunto de medidas propostas pode atingir potencialmente cerca de cinco mil ou mais servidores por meio de demissões ou cortes de benefícios como planos de saúde.

Saúde – O projeto também prevê a extinção da Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP), da Fundação para o Remédio Popular (FURP), da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) e do Instituto de Medicina Social e Criminologia (IMESC), sob o pretexto de que outros entes já prestariam os mesmos serviços. No entanto, qual a lógica de extinguir a FURP, por exemplo, em vez de direcionar a fundação para a produção de remédios que não estão disponíveis ou são raros no mercado, especialmente em meio a uma situação de emergência pandêmica?

Depois de tentar se projetar frente ao “mercado” como uma versão mais disciplinada e confiável de Bolsonaro, Doria parece agora querer provar também que é mais realista que o rei no terreno dos ataques ao Estado e à ciência. Tal como o ministro Paulo Guedes e o presidente, o governo de São Paulo erra redondamente ao insistir na concepção neoliberal de máquina pública, como se esta pudesse funcionar como uma empresa privada visando lucro em detrimento do atendimento às necessidades da população.

A necessidade de respostas contundentes à pandemia e à recessão global já levaram governos com orientação neoliberal a adotar pacotes de incentivo, planos centralizados de investimento e emprego, e renda emergencial para os mais pobres. Porém, o projeto de lei 529/2020 comprova que Doria opta por continuar na contramão.

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