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“Sociedade americana está imersa em cultura do medo”

Cientista político afirma que tanto policiais quanto comunidades desfavorecidas se veem como vítimas nos EUA.

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Por Jacob Resneck

A morte de cinco agentes de segurança durante um protesto contra violência policial em Dallas deve aumentar a polarização na sociedade nos Estados Unidos, segundo o professor de política americana da Universidade de Birmingham, Scott Lucas.

Em entrevista à DW, o especialista diz que a cultura do medo instalada no país não contribui para o diálogo entre a classe política, a polícia e as comunidades desfavorecidas.

“Deve haver um esforço sério das pessoas para discutir esse assunto, caso contrário veremos mais discursos de ódio, que resultam apenas em palavras e nenhuma ação”, afirma.

DW: Diante da polarização que os EUA vivem no momento, quais são as principais preocupações na sequência da mortes de dois negros por policiais e agora o ataque contra agentes de seguranças em Dallas?

Scott Lucas: Os EUA sempre tiveram esse paradoxo de ser o país economicamente mais forte, ter Forças Armadas poderosas e, apesar das falhas, um sistema político muito bom. Mas ao mesmo tempo em que dispõe de todos esses recursos, a sociedade americana está imersa nessa cultura do medo. É um local dominado pelo medo e tem sido assim há décadas – eu vivi o período da Guerra Fria. Mas é claro que isso se consolidou depois do 11 de Setembro. Começou de forma doméstica por causa do medo dentro das cidades, do que as pessoas vão fazer, medo das drogas, medo da criminalidade. Mesmo o movimento Black Lives Matter [As vidas dos negros importam], que surgiu depois da morte do adolescente Michael Brown em 2014, tem lidado com questões sérias: não apenas a violência policial, mas também questões como a situação econômica, a falta de emprego em certas áreas e a disparidade de salários. Há um risco de que esse movimento em particular seja visto como uma ameaça à polícia. É esse o estigma que ele vai carregar.

DW: A polarização de opiniões deve agravar esse cenário…

SL: Um ex-parlamentar americano, um senhor chamado Joe Walsh, disse no Twitter que isso é uma guerra. Se esse tipo de linguagem for explorado pelos políticos, incluindo Trump, em breve isso só vai contribuir para o que considero como uma erosão destruidora. Na verdade, mais do que uma erosão. Eu nunca usaria a palavra “ameaça”, mas eu diria que temos um problema sério na política americana e isso pode ser exacerbado com reações como a que acabamos de ver.

Não há consenso para esses incidentes. Nas redes sociais, parece que tanto a comunidade policial quanto comunidades desfavorecidas se veem como vítimas. As mídias sociais podem reforçar isso, porque você acaba conversando com seus aliados e criticando seus inimigos. A ironia disso é que em Dallas a polícia autorizou o protesto. Um impacto dessa tragédia pode ser, como aconteceu em outras comunidades, que haja tentativas de reprimir as manifestações. Outra preocupação que tenho é que o esforço para acabar com a cultura da vitimização seja eclipsado em reação aos incidentes em Dallas.

DW: Existe uma intersecção entre a cultura de armas e a militarização da polícia?

SL: Uma questão que discutimos há anos é como não apenas a polícia, mas também a Guarda Nacional, por exemplo, têm lidado com os protestos. Então, não classifico isso como um fenômeno novo. Até que lidemos com a questão do livre-acesso a armas nos EUA e as raízes da violência, a falha no controle de armas vai corroer nossa sociedade. Não apenas em termos políticos, mas também sociais, devido a mortes trágicas, o medo que isso vai gerar e o ódio que vai promover.

DW: Qual o efeito do discurso de ódio disseminado por alguns políticos?

SL: Vamos ouvir muitos políticos dizendo que precisamos ter um período de calma. Vão dizer que precisamos refletir e tentar lidar com isso. Não quero que sejam apenas palavras. Deve haver um esforço sério das pessoas para discutir esse assunto, caso contrário veremos mais discursos de ódio, que resultam apenas em palavras e nenhuma ação. Temo que palavras que não promovam o diálogo e só fomentem conflitos tenham sérias consequências.

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