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Sanders e Trump capitalizam insatisfação de parte do eleitorado

Republicanos e democratas têm pelo menos um sentimento em comum: a desilusão com nomes do sistema político tradicional americano

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Por Ines Pohl

Aonde Mary Gargiulo vai, a cadelinha Misty vai junto. Ela é a única dos quatro cães da casa que pode acompanhar a dona até o escritório. Mary é gerente de pessoal da imobiliária do marido, uma empresa que administra 20 mil propriedades no valor total de 1 bilhão de dólares (3,9 bilhões de reais).

personal trainer de Mary a encontra três vezes por semana e, mesmo na hora do exercício, Misty está sempre ao lado da dona: “Nós a tiramos de um abrigo para animais, e ela está sempre com medo de ser abandonada”, explica.

Mary tem 58 anos. Todo dia, tenta se levantar da cama sem usar as mãos. “É mais difícil do que você pensa. Você deveria tentar.” Ela cuida da forma física para ter uma boa aparência: “Tento manter todas as refeições abaixo de 300 calorias.” Mary quer ser capaz de se levantar caso caia acidentalmente e “quebre os braços na queda”.

Mary prefere ter segurança. Tanto ela como o marido, Lou, apoiam o republicano Donald Trump. O casal faz campanha para o pré-candidato, vai para eventos do partido e até doa uma quantidade “considerável” de dinheiro.

Em seu círculo social – a mansão do governador fica a poucos metros da casa deles – muitos podem achar o comportamento estranho. Mas Mary aceita o fato de que o fervor político de Trump faz dele diferente dos republicanos ricos de New Hampshire.

“Alguma coisa tem de acontecer antes que o nosso país seja completamente arruinado”, diz Mary. Ela acha que Trump sabe como conduzir um negócio, ao contrário de todos os outros políticos. “Ele sabe o que todas as regras de Washington significam para empresários como nós.”

Mary acredita que o atual sistema político americano foi gravemente danificado porque, uma vez eleitas para um cargo público, “as pessoas querem ficar para sempre”. E isso as torna suscetíveis à corrupção. “Em algum momento, somente as pessoas que ajudam os políticos a continuarem no poder têm influência, não importando mais do que o país realmente precisa.”

Lou não tem problemas no momento. Os negócios estão indo bem, mas ele está preocupado com o que o futuro reserva para seus filhos e netos. Diz que a dinâmica tem que mudar agora para evitar o pior. “Trump vai ser capaz de fazer isso. Ele é experiente. Ele não é um político convencional e não está com medo.”

A principal preocupação de Lou é dinheiro – e a dívida pública. Mary fala muito sobre valores e responsabilidade social: “Eu nunca perdi uma única eleição”, diz. “Desde os 18 anos, voto nos republicanos. Mas parei de me considerar uma republicana. Agora eu me refiro a mim mesma como uma conservadora.”

Ela é uma devota católica. E não gosta do fato de tantos republicanos fazerem política à parte de suas convicções religiosas. “Nós não devemos rejeitar homossexuais ou mulheres que fazem aborto.” O casal tem quatro filhos. “Eu iria amar os meus filhos se eles fossem homossexuais. Ou se minha filha precisar fazer um aborto para não ter problemas financeiros. Eu não tenho que julgar. Apenas Deus pode julgar.”

Peggy Greenough também não aguenta mais “o sistema corrupto do país”. Ela quer um presidente que “se preocupe com as pessoas e não com aqueles que lhe dão dinheiro”. Ela quer um nome fora do sistema, alguém experiente, que seja independente e não possa ser comprado, que seja forte e não tenha medo. Alguém que vá defender as pessoas, não somente em Washington, mas pelo mundo. Alguém que diga e faça o que deve ser dito e feito.

O discurso é semelhante ao do casal Gargiulo. Peggy apoia, no entanto, o democrata Bernie Sanders.

Ela, o marido Steve e os três filhos participam de eventos e batem de porta em porta para angariar votos para Sanders na campanha das primárias de New Hampshire. Eles não podem fazer doações.

Steve trabalhava no setor de tecnologia da informação, mas ficou desempregado há mais de dez anos e agora vive fazendo trabalhos esporádicos. “Nós vivemos cada semana. Muitas vezes temos que optar entre comprar gás para o aquecedor ou um novo par de calçados”, revela Peggy. A família com cinco integrantes vive com cerca de 20 mil dólares por ano (78 mil reais).

Peggy está doente e precisa de medicamentos regulares. O plano de saúde não cobre todos os seus gastos. Nos Estados Unidos, ela precisa pagar 300 dólares por mês. “No Canadá, nós pagamos 95 dólares por uma caixa que dura três meses. É por isso que os políticos se vendem para a indústria farmacêutica”, opina. “Eles apenas fazem o que lhes dá dinheiro. Não se importam com o que povo americano precisa.”

Peggy parece forte, apesar de suas olheiras profundas. Seus olhos brilham, desafiantes, enquanto explica por que Sanders é o candidato certo, garantindo que a “revolução” já começou. Segundo ela, as ideias e os planos de Sanders já estão influenciando fortemente a campanha eleitoral como um todo.

Seus olhos ficam marejados quando fala sobre o seu cotidiano, quando nota que o dinheiro da semana já foi gasto no domingo. “Da última vez, eu apoiei Hillary [Clinton]. Mas ela não faz nada pelas pessoas como nós”, afirma. “Agora nós temos apenas uma esperança: a visão que Bernie tem. Bernie é a nossa esperança. E revolução é esperança.”

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