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O aumento da desigualdade nos Estados Unidos

Autor de livro polêmico critica a forma como o assunto foi colocado nas eleições americanas

Populares protestam contra os grandes bancos em Los Angeles: DAVID MCNEW / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP
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a Eduardo Graça, de Nova York

 

Autor de um dos livros mais discutidos neste ano por economistas, cientistas políticos e interessados na disputa presidencial americana, The Great Divergence: America’s Growing Inequality Crisis and What We Can Do About It (algo como “A Grande Divergência: A Crise do Aumento da Desigualdade Social Americana e O Que Podemos Fazer a Respeito”), o jornalista Timothy Noah, editor-sênior da revista The New Republic, titular da popular coluna TRT, explica a CartaCapital as mudanças na economia dos EUA. Noah reflete sobre o aumento da desigualdade desde o governo Ronald Reagan, a conscientização pública do tema graças ao movimento Ocupem Wall Street, a real dimensão do corte do imposto de renda para os mais ricos no governo Bush e a presença do tema nos discursos de Barack Obama e Mitt Romney. “Não há a menor possibilidade de se discutir a diminuição da desigualdade social nos EUA sem tratar do fortalecimento dos sindicatos”, afirma.

 

CartaCapital: O senhor termina seu livro com sugestões para  a redução da desigualdade social. Elas são aplicáveis neste momento de contenção de gastos?

Timothy Noah: Não. Até porque nenhum dos candidatos parece interessado em aplicá-las, mas isso não diminui a importância de se tratar delas, especialmente neste momento.

CC: O senhor abre o livro com uma frase de George W. Bush : “A verdade é que a desigualdade social é real e vem aumentando por mais de 25 anos”. Foi uma provocação?

TN: Foi. Mas eu queria estabelecer de saída que não há discussão em torno da realidade do problema. Ainda há alguns conservadores que encontram fórmulas matemáticas para negar o aumento da desigualdade social nos EUA. Mas se até o Bush reconhece o problema…Ressalva seja feita, e eu a faço mais à frente no primeiro capítulo, Bush limita-se a tratar da desigualdade na área educacional e pronto. Ele não trata, de modo algum, da tomada da economia americana pelo setor financeiro e suas relações com o aumento da desigualdade social.

CC: Em 2007, quando Bush fez esta declaração, ainda não havia um debate público sobre a desigualdade social nos EUA…

TN: Sim, era algo mais restrito, que ganhou uma dimensão maior há um ano, com a explosão do movimento Ocupem Wall Street. Dou a eles todo o crédito possível por chamar a atenção para um tema que já deveria ter sido explorado mais profundamente nos últimos 30 anos.

CC: Qual a importância política do Ocupem Wall Street?

TN: Não sei de fato. Meu ponto é o de que se eles não fizerem nada mais, não avançarem para lado algum, eles já tiveram um impacto significativo ao levar este tema para a realidade do grande público. Há críticas sobre o fato de o OWS não ter evoluído para um partido político ou mesmo não ter elaborado alternativas de políticas públicas diversas das que aí estão. Não concordo com estas críticas, não cabe ao OWS fazer esta mutação. Eles transformaram a ideia dos 99% em uma frase de efeito poderosíssima, o que não é um tento medíocre. Ao contrário.

CC: Como as campanhas de Obama e Romney discutem a crise da desigualdade social nos EUA?

TN: Romney procura não tratar do tema. Na verdade, ele acusa Obama de usar o tema para dividir o país entre ricos e pobres. E há sua famosa frase de que este é um tema para ser tratado apenas em “aposentos silenciosos”, sabe-se lá o significado de tal ideia. Para ele, tanto por conta de suas propostas quanto por sua biografia, o melhor é deixar o tema de lado, fingir que não existe. O vídeo dos 47%, em que ele erroneamente diz que quase metade da população não paga imposto algum, é devastador, sugere que Romney não está preocupado de forma alguma com a parte mais baixa da pirâmide social americana. Obama, por sua vez, fala mais do tema do que qualquer outro presidente. Mas ele bate em duas teclas: usa a crise social para caracterizar Romney com um ‘gato gordo’ de Wall Street e para argumentar contra os cortes de impostos para os mais ricos, promovidos pelo segundo governo Bush.

CC: Nos chamados ‘swing states’, que decidirão a eleição em novembro, eleitores de classe média reclamam muito dos cortes de impostos aos mais ricos e o associam, como o presidente, ao aumento da desigualdade social. O senhor escreve, porém, que esta não é uma das razões principais da diferença cada vez maior entre ricos e pobres nos EUA. Por quê?

TN: Elas exacerbaram o problema, mas não criaram a onda de aumento progressivo de desigualdade social, que vem de antes. Elas ajudaram os muito ricos, os bilionários, a acumularem ainda mais capital, não houve grande mudança para os 1%, e sim para os 0,01%. Estes sim, em relação a todos os demais, acumularam mais dinheiro mais rapidamente desde o governo George W.Bush. Há muitas outras políticas governamentais que foram mais importantes em diminuir o peso da classe média americana do que a anistia ao imposto de renda dos mais ricos.

CC: O senhor pode dar alguns exemplos?

TN: As leis trabalhistas, que enfraqueceram os sindicatos, de 1947 para cá. A partir de 1980, com Ronald Reagan, as hostilidades com qualquer tipo de organização sindical aumentaram muito e as possibilidades de negociação diminuíram drasticamente, enfraquecendo a classe trabalhadora de forma organizacional, mas também de forma prática, no bolso do trabalhador. Por outro lado, ocorreu a desregulação crescente de Wall Street, com impacto enorme na transformação da economia ianque, que se tornou cada vez mais dominada pelo mercado financeiro. Os choques inflacionários dos anos 1970 e 80 também contribuíram, basta checar a preocupação do Federal Reserve (banco central dos EUA) com os índices de desemprego, maiores a partir da virada dos anos 70. Os republicanos falam em “sindicatos poderosos”, mas este é um eufemismo. O número de trabalhadores sindicalizados nos EUA hoje é o mesmo daquele da época do New Deal, representa 7% do total da força de trabalho do setor privado, por exemplo. Nunca o movimento sindical esteve tão enfraquecido, mas, por outro lado, não se pode mais afundar, é preciso reinventar o movimento sindical nos EUA, e a bandeira de se combater o aumento de desigualdade social pode ser um começo.

 

a Eduardo Graça, de Nova York

 

Autor de um dos livros mais discutidos neste ano por economistas, cientistas políticos e interessados na disputa presidencial americana, The Great Divergence: America’s Growing Inequality Crisis and What We Can Do About It (algo como “A Grande Divergência: A Crise do Aumento da Desigualdade Social Americana e O Que Podemos Fazer a Respeito”), o jornalista Timothy Noah, editor-sênior da revista The New Republic, titular da popular coluna TRT, explica a CartaCapital as mudanças na economia dos EUA. Noah reflete sobre o aumento da desigualdade desde o governo Ronald Reagan, a conscientização pública do tema graças ao movimento Ocupem Wall Street, a real dimensão do corte do imposto de renda para os mais ricos no governo Bush e a presença do tema nos discursos de Barack Obama e Mitt Romney. “Não há a menor possibilidade de se discutir a diminuição da desigualdade social nos EUA sem tratar do fortalecimento dos sindicatos”, afirma.

 

CartaCapital: O senhor termina seu livro com sugestões para  a redução da desigualdade social. Elas são aplicáveis neste momento de contenção de gastos?

Timothy Noah: Não. Até porque nenhum dos candidatos parece interessado em aplicá-las, mas isso não diminui a importância de se tratar delas, especialmente neste momento.

CC: O senhor abre o livro com uma frase de George W. Bush : “A verdade é que a desigualdade social é real e vem aumentando por mais de 25 anos”. Foi uma provocação?

TN: Foi. Mas eu queria estabelecer de saída que não há discussão em torno da realidade do problema. Ainda há alguns conservadores que encontram fórmulas matemáticas para negar o aumento da desigualdade social nos EUA. Mas se até o Bush reconhece o problema…Ressalva seja feita, e eu a faço mais à frente no primeiro capítulo, Bush limita-se a tratar da desigualdade na área educacional e pronto. Ele não trata, de modo algum, da tomada da economia americana pelo setor financeiro e suas relações com o aumento da desigualdade social.

CC: Em 2007, quando Bush fez esta declaração, ainda não havia um debate público sobre a desigualdade social nos EUA…

TN: Sim, era algo mais restrito, que ganhou uma dimensão maior há um ano, com a explosão do movimento Ocupem Wall Street. Dou a eles todo o crédito possível por chamar a atenção para um tema que já deveria ter sido explorado mais profundamente nos últimos 30 anos.

CC: Qual a importância política do Ocupem Wall Street?

TN: Não sei de fato. Meu ponto é o de que se eles não fizerem nada mais, não avançarem para lado algum, eles já tiveram um impacto significativo ao levar este tema para a realidade do grande público. Há críticas sobre o fato de o OWS não ter evoluído para um partido político ou mesmo não ter elaborado alternativas de políticas públicas diversas das que aí estão. Não concordo com estas críticas, não cabe ao OWS fazer esta mutação. Eles transformaram a ideia dos 99% em uma frase de efeito poderosíssima, o que não é um tento medíocre. Ao contrário.

CC: Como as campanhas de Obama e Romney discutem a crise da desigualdade social nos EUA?

TN: Romney procura não tratar do tema. Na verdade, ele acusa Obama de usar o tema para dividir o país entre ricos e pobres. E há sua famosa frase de que este é um tema para ser tratado apenas em “aposentos silenciosos”, sabe-se lá o significado de tal ideia. Para ele, tanto por conta de suas propostas quanto por sua biografia, o melhor é deixar o tema de lado, fingir que não existe. O vídeo dos 47%, em que ele erroneamente diz que quase metade da população não paga imposto algum, é devastador, sugere que Romney não está preocupado de forma alguma com a parte mais baixa da pirâmide social americana. Obama, por sua vez, fala mais do tema do que qualquer outro presidente. Mas ele bate em duas teclas: usa a crise social para caracterizar Romney com um ‘gato gordo’ de Wall Street e para argumentar contra os cortes de impostos para os mais ricos, promovidos pelo segundo governo Bush.

CC: Nos chamados ‘swing states’, que decidirão a eleição em novembro, eleitores de classe média reclamam muito dos cortes de impostos aos mais ricos e o associam, como o presidente, ao aumento da desigualdade social. O senhor escreve, porém, que esta não é uma das razões principais da diferença cada vez maior entre ricos e pobres nos EUA. Por quê?

TN: Elas exacerbaram o problema, mas não criaram a onda de aumento progressivo de desigualdade social, que vem de antes. Elas ajudaram os muito ricos, os bilionários, a acumularem ainda mais capital, não houve grande mudança para os 1%, e sim para os 0,01%. Estes sim, em relação a todos os demais, acumularam mais dinheiro mais rapidamente desde o governo George W.Bush. Há muitas outras políticas governamentais que foram mais importantes em diminuir o peso da classe média americana do que a anistia ao imposto de renda dos mais ricos.

CC: O senhor pode dar alguns exemplos?

TN: As leis trabalhistas, que enfraqueceram os sindicatos, de 1947 para cá. A partir de 1980, com Ronald Reagan, as hostilidades com qualquer tipo de organização sindical aumentaram muito e as possibilidades de negociação diminuíram drasticamente, enfraquecendo a classe trabalhadora de forma organizacional, mas também de forma prática, no bolso do trabalhador. Por outro lado, ocorreu a desregulação crescente de Wall Street, com impacto enorme na transformação da economia ianque, que se tornou cada vez mais dominada pelo mercado financeiro. Os choques inflacionários dos anos 1970 e 80 também contribuíram, basta checar a preocupação do Federal Reserve (banco central dos EUA) com os índices de desemprego, maiores a partir da virada dos anos 70. Os republicanos falam em “sindicatos poderosos”, mas este é um eufemismo. O número de trabalhadores sindicalizados nos EUA hoje é o mesmo daquele da época do New Deal, representa 7% do total da força de trabalho do setor privado, por exemplo. Nunca o movimento sindical esteve tão enfraquecido, mas, por outro lado, não se pode mais afundar, é preciso reinventar o movimento sindical nos EUA, e a bandeira de se combater o aumento de desigualdade social pode ser um começo.

 

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