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Movimento estudantil do Egito tenta recuperar espaço em meio a mudanças no país

Estudantes buscam espaço e liberdade para influenciar os rumos da nação

Manifestantes anti-Exército se protegem e jogam pedras contra tropas durante protesto nesta quarta-feira. Os jovens são importantes nas manifestações populares. Khaled Desouki / AFP
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J.R. Penteado

Com um histórico de quem batalhou contra a ocupação britânica e pela derrocada de uma monarquia, o movimento estudantil egípcio vive um momento de reorganização da sua entidade nacional. Em 1979, o então presidente Anwat al-Sadat pôs a União Estudantil Egípcia (UEE) na ilegalidade, condição que perdurou por mais de três décadas. Até que 2011 veio e, junto com ele, o ímpeto revolucionário imigrado da Tunísia, que açambarcou o Egito, derrubou um ditador e abriu caminho para uma série de reformas políticas locais.

No bojo de medidas de abertura pós-Hosni Mubarak, a UEE ganhou novamente o direito de existir. Em agosto do ano passado, 32 anos após a proibição, estudantes de mais de 20 universidades egípcias se reuniram no Cairo para recriá-la. Durante os três primeiros dias, se discutiu seu novo formato e, no quarto e último, se elegeu seu comitê executivo. São sete cadeiras, sendo cinco destinadas a representantes das universidades públicas e, duas, aos das universidades particulares. Caracterizando uma fase de transição, a cada representante eleito foi confiado um mandato de um ano. Findo o mandato, novas eleições deverão ocorrer.

“A União Estudantil do Egito era um sonho porque estava proibida. Foi preciso um forte movimento que ajudou a construir uma política em direção aos direitos dos estudantes. Sentamos nas universidades públicas e privadas e dissemos ‘vamos fazê-la novamente’”, diz Rana Sherif, vice-presidente da União Estudantil da Universidade de Ain Shams e uma das refundadoras da UEE. Ela e outras três lideranças estudantis egípcias estiveram na última segunda-feira (23) na Universidade de Londres para falar sobre a nova fase política no meio discente universitário.

Um dos que vieram foi o estudante de engenharia Mohamed Dawood, ex-presidente estudantil da Faculdade de Engenharia de Mídia e Tecnologia da Universidade Alemã do Cairo. Demonstrando um pouco de insegurança com o inglês, mas entusiasmo com a nova fase do movimento estudantil egípcio, Mohamed enfatizou a necessidade de autonomia. “Nós precisávamos mudar a lei, então começamos a redigir uma nova constituição para a organização estudantil. Uma constituição estudantil livre. Assim, o que fazíamos era tentar tomar de volta o controle do movimento das mãos do regime”. Atualmente, uma nova lei que abrange o funcionamento da UEE aguarda aprovação no recém-eleito parlamento. “Foi preciso muita luta contra os apoiadores do velho regime que queriam nos impedir. Mas nós conseguimos. Agora aguardamos que a nova lei seja aprovada. Uma lei que defenda os estudantes dentro e fora da universidade”, disse Rana, que ajudou a rascunhar a nova constituição para a UEE.

Durante os 18 dias que abalaram o Egito em 2011 e colocaram o país no centro das atenções da mídia global, o movimento estudantil egípcio sempre esteve na linha de frente dos enfretamentos com a polícia. Marchas gigantescas saíam das universidades rumo à hoje mítica Praça Tahrir, o ponto de encontro de todas as marchas de Cairo. “Muitos morreram, ou se machucaram. Mas continuamos”, recorda Mohamed.

“Nós apenas removemos a cabeça. O regime inteiro dentro do governo continua o mesmo”. Quem afirma é Amr Ibrahim, um dos membros da nova UEE, ao se referir aos atuais reitores e diretores das universidades egípcias. Muitos, segundo Amr, ainda são ligados ao finado Partido Nacional Democrático, que era a base institucional política de Mubarak e que acabou dissolvido em abril de 2011. Todos eram indicações diretas do governo, sem serem submetidos a nenhum tipo de pleito interno.

Mas após massivos e intensos protestos da comunidade acadêmica, a quase totalidade dos reitores renunciou a seus postos a frente das universidades públicas egípcias. “Depois que retornamos da Tahrir, ocupamos as universidades e derrubamos os reitores”, relembra Mohamed. Em seguida, novas eleições ocorreram, desta vez com a possibilidade de votos apenas para o corpo docente, em regime semelhante ao de algumas universidades brasileiras. Ainda assim, muitos dos reitores indicados no passado por Mubarak conseguiram se eleger.

No que concerne ao futuro, os líderes estudantis presentes em Londres asseguram que o movimento continua focado em derrubar o atual conselho de militares que governa o Egito. “No dia 25 de fevereiro nós convocamos uma greve geral estudantil e conseguimos mobilizar. Agora o movimento estudantil é novamente grande e eles nos levam em consideração”, assevera Omar Mohamed, da Universidade de Helwan. Questionado, porém, sobre a ausência dos sindicatos, que não atenderam ao chamado para se unir à greve, ele lamenta a falta de uma organização maior. “O único partido realmente organizado é a Irmandade Muçulmana. Temos trabalhado sozinhos e ido para diferentes direções.”

A divisão no movimento estudantil egípcio, como não poderia deixar de ser, também é patente. Alguns grupos, que seriam “mais extremistas”, rejeitaram participar do processo de reconstrução da UEE por divergências políticas. Mas isso não parece abalar Mohamed, que analisa o passado em tom de desabafo e até traça metas audaciosas. “Nos últimos 30 anos, nós lutamos contra o regime de Mubarak. Não havia liberdade de expressão e não podíamos nos organizar. Nosso grande desafio agora é nos reorganizarmos em uma grande comunidade”, diz. “Isso pode ser útil. Um movimento estudantil unido nos países onde ocorreu a Primavera Árabe. E depois disso, poderemos nos mover em direção aos objetivos nacionais – nós tentaremos ajudar os palestinos.”

J.R. Penteado

Com um histórico de quem batalhou contra a ocupação britânica e pela derrocada de uma monarquia, o movimento estudantil egípcio vive um momento de reorganização da sua entidade nacional. Em 1979, o então presidente Anwat al-Sadat pôs a União Estudantil Egípcia (UEE) na ilegalidade, condição que perdurou por mais de três décadas. Até que 2011 veio e, junto com ele, o ímpeto revolucionário imigrado da Tunísia, que açambarcou o Egito, derrubou um ditador e abriu caminho para uma série de reformas políticas locais.

No bojo de medidas de abertura pós-Hosni Mubarak, a UEE ganhou novamente o direito de existir. Em agosto do ano passado, 32 anos após a proibição, estudantes de mais de 20 universidades egípcias se reuniram no Cairo para recriá-la. Durante os três primeiros dias, se discutiu seu novo formato e, no quarto e último, se elegeu seu comitê executivo. São sete cadeiras, sendo cinco destinadas a representantes das universidades públicas e, duas, aos das universidades particulares. Caracterizando uma fase de transição, a cada representante eleito foi confiado um mandato de um ano. Findo o mandato, novas eleições deverão ocorrer.

“A União Estudantil do Egito era um sonho porque estava proibida. Foi preciso um forte movimento que ajudou a construir uma política em direção aos direitos dos estudantes. Sentamos nas universidades públicas e privadas e dissemos ‘vamos fazê-la novamente’”, diz Rana Sherif, vice-presidente da União Estudantil da Universidade de Ain Shams e uma das refundadoras da UEE. Ela e outras três lideranças estudantis egípcias estiveram na última segunda-feira (23) na Universidade de Londres para falar sobre a nova fase política no meio discente universitário.

Um dos que vieram foi o estudante de engenharia Mohamed Dawood, ex-presidente estudantil da Faculdade de Engenharia de Mídia e Tecnologia da Universidade Alemã do Cairo. Demonstrando um pouco de insegurança com o inglês, mas entusiasmo com a nova fase do movimento estudantil egípcio, Mohamed enfatizou a necessidade de autonomia. “Nós precisávamos mudar a lei, então começamos a redigir uma nova constituição para a organização estudantil. Uma constituição estudantil livre. Assim, o que fazíamos era tentar tomar de volta o controle do movimento das mãos do regime”. Atualmente, uma nova lei que abrange o funcionamento da UEE aguarda aprovação no recém-eleito parlamento. “Foi preciso muita luta contra os apoiadores do velho regime que queriam nos impedir. Mas nós conseguimos. Agora aguardamos que a nova lei seja aprovada. Uma lei que defenda os estudantes dentro e fora da universidade”, disse Rana, que ajudou a rascunhar a nova constituição para a UEE.

Durante os 18 dias que abalaram o Egito em 2011 e colocaram o país no centro das atenções da mídia global, o movimento estudantil egípcio sempre esteve na linha de frente dos enfretamentos com a polícia. Marchas gigantescas saíam das universidades rumo à hoje mítica Praça Tahrir, o ponto de encontro de todas as marchas de Cairo. “Muitos morreram, ou se machucaram. Mas continuamos”, recorda Mohamed.

“Nós apenas removemos a cabeça. O regime inteiro dentro do governo continua o mesmo”. Quem afirma é Amr Ibrahim, um dos membros da nova UEE, ao se referir aos atuais reitores e diretores das universidades egípcias. Muitos, segundo Amr, ainda são ligados ao finado Partido Nacional Democrático, que era a base institucional política de Mubarak e que acabou dissolvido em abril de 2011. Todos eram indicações diretas do governo, sem serem submetidos a nenhum tipo de pleito interno.

Mas após massivos e intensos protestos da comunidade acadêmica, a quase totalidade dos reitores renunciou a seus postos a frente das universidades públicas egípcias. “Depois que retornamos da Tahrir, ocupamos as universidades e derrubamos os reitores”, relembra Mohamed. Em seguida, novas eleições ocorreram, desta vez com a possibilidade de votos apenas para o corpo docente, em regime semelhante ao de algumas universidades brasileiras. Ainda assim, muitos dos reitores indicados no passado por Mubarak conseguiram se eleger.

No que concerne ao futuro, os líderes estudantis presentes em Londres asseguram que o movimento continua focado em derrubar o atual conselho de militares que governa o Egito. “No dia 25 de fevereiro nós convocamos uma greve geral estudantil e conseguimos mobilizar. Agora o movimento estudantil é novamente grande e eles nos levam em consideração”, assevera Omar Mohamed, da Universidade de Helwan. Questionado, porém, sobre a ausência dos sindicatos, que não atenderam ao chamado para se unir à greve, ele lamenta a falta de uma organização maior. “O único partido realmente organizado é a Irmandade Muçulmana. Temos trabalhado sozinhos e ido para diferentes direções.”

A divisão no movimento estudantil egípcio, como não poderia deixar de ser, também é patente. Alguns grupos, que seriam “mais extremistas”, rejeitaram participar do processo de reconstrução da UEE por divergências políticas. Mas isso não parece abalar Mohamed, que analisa o passado em tom de desabafo e até traça metas audaciosas. “Nos últimos 30 anos, nós lutamos contra o regime de Mubarak. Não havia liberdade de expressão e não podíamos nos organizar. Nosso grande desafio agora é nos reorganizarmos em uma grande comunidade”, diz. “Isso pode ser útil. Um movimento estudantil unido nos países onde ocorreu a Primavera Árabe. E depois disso, poderemos nos mover em direção aos objetivos nacionais – nós tentaremos ajudar os palestinos.”

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