Mundo

Mais de 1,5 mil pessoas morrem na travessia do Mediterrâneo

Dado do relatório do ACNUR, o mais elevado da história, mostra que conflitos na África levaram milhares a fugir para Europa

Durante a Primavera Árabe, a ilha de Lampedusa, na Itália, chegou a receber mais de 20 mil imigrantes. Foto: Vito Manzari/Flickr
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Em 2011, conflitos políticos e desastres naturais colocaram a África no centro do mundo. Tensões como a Primavera Árabe e a maior seca dos últimos 60 anos no Chifre da África fizeram com que milhares de pessoas fossem forçadas a deixar suas casas para sobreviver. Neste contexto, mais de 1,5 mil pessoas, possivelmente solicitantes de asilo, morreram afogadas ou desapareceram na tentativa de sair do continente africano e cruzar o Mar Mediterrâneo rumo à Europa. O dado integra o relatório Global Trends 2011 (Tendências Globais, em tradução livre) do Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), divulgado nesta segunda-feira 18. Esse é o maior número de vítimas desde 2006, quando o órgão passou a computar a situação, fortemente ligada à fuga de refugiados dos conflitos no Norte da África.

“Essa é a mostra do grande desespero das pessoas. Quando se fala de refugiados, não é uma migração normal. As pessoas precisam deixar o país por temor grave de perder suas vidas”, diz Andrés Ramirez, representante do ACNUR no Brasil, em entrevista a CartaCapital. Ele espera que o dado sensibilize os países, principalmente na Europa, sobre a importância de proteger essas pessoas. “Trabalhamos muito próximo dos refugiados na Tunísia e no Egito e falávamos do perigo para eles atravessarem o Mediterrâneo, mas não conseguíamos convencê-las.”

O relatório da ONU ainda aponta que no último ano 42,5 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a fugir de suas casas por risco de vida devido a conflitos e perseguições (política, religiosa, sexual, entre outras). O número ultrapassa 42 milhões pelo quinto ano seguido. Esse dado inclui 15,2 milhões de refugiados (pessoas que tiveram que cruzar as fronteiras de seus países) – 10,4 milhões sob os cuidados do ACNUR e 4,8 milhões de refugiados palestinos -, além de 26,4 milhões de deslocados internos.

 

 

Segundo o relatório, a Primavera Árabe, na Líbia e na Síria principalmente, colocou pressão significante nas operações do ACNUR no Oriente Médio e no Norte da África e também na Turquia. O órgão teve que atender as necessidades dos intensos fluxos de sírios e líbios, mas também dos pedidos de asilo e refúgio de pessoas que residiam ou passavam por estes dois países. Em meio a isso, os países europeus receberam milhares de pedidos de asilo. A Itália atingiu o recorde de solicitações de pessoas chegando principalmente de barco da Líbia. Em 2011, foram 34,1 mil pedidos, uma alta de 240% ao ano anterior. A França também teve alta e foi o terceiro país com maior número de pedidos do tipo (52,1 mil) – atrás de África do Sul (107 mil) e Estados Unidos (76 mil) -, muito por causa de armênios e cidadãos da Costa do Marfim, que sofreu intervenção da ONU com participação francesa. A Alemanha também entrou na lista e recebeu mais de 45,7 mil pedidos de asilo, principalmente da Síria. “Esses países possuem uma responsabilidade maior porque alguns deles (França e Itália, por exemplo) participaram da intervenção da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Líbia. Se fazem isso, têm que manter a fronteira aberta para pessoas que não são atores da guerra ou terroristas”, diz Ramirez;

Mas nem sempre os países europeus levam em consideração atitudes diplomáticas em casos humanitários. Com os conflitos na Líbia, Tunísia e Egito, a Itália sofreu com um grande fluxo de refugiados vindos do país. A ilha de Lampedusa, com apenas cinco mil habitantes, chegou a receber mais de 20 mil imigrantes ilegais, principalmente tunisianos. Neste cenário, o OTAN e a guarda costeira italiana deixaram à deriva por 15 dias uma embarcação com 72 imigrantes africanos, incluindo mulheres e crianças, que tentavam chegar a Lampedusa. Quando o resgate foi realizado – somente depois de o barco conseguir retornar à costa da Líbia -, 61 tripulantes haviam morrido.

Mas este não é o único caso.

Em abril de 2011, a França bloqueou a passagem de trens com milhares de imigrantes tunisianos e militantes de direitos humanos vindos da Itália, que havia concedido permissões temporárias de residência a cerca de 26 mil imigrantes daquele país africano. A Itália criticou a postura da França alegando violação das regras de livre circulação da União Europeia. Mas o governo do país vizinho já havia manifestado insatisfação com os vistos, uma vez que muitos dos imigrantes demostravam intenção de seguir para o território francês. Logo, a atitude italiana seria uma maneira de “despachar” o problema para outra nação europeia.

Conflitos na África

Parte dos dados do relatório da ONU é resultado de um ano em que conflitos políticos e desastres naturais colocaram a África no centro do problema. O conflito de oito meses entre rebeldes do Conselho Nacional de Transição (CNT) e as tropas do ditador Muammar Kaddafi, que estava no poder há 42 anos na Líbia, forçaram cerca de 150 mil líbios a deixarem o país, maioria para a Tunísia, onde a Primavera Árabe explodiu. Outros 500 mil se tornaram deslocados internos. Mas após a morte de Kaddafi  e a vitória dos rebeldes – armados pelo Ocidente “por questões humanitárias” e apoiados por bombardeios da (Otan) – , quase todos conseguiram retornar ao país. No país, ainda restam 93,6 mil deslocados internos sob a jurisdição do ACNUR ao final de 2011. “Na Líbia, muitos estrangeiros que trabalhavam no país, que tem a maior renda da África, fugiram. Mas quando o conflito se aprofundou, os líbios também começaram a deixar o país”, aponta Ramirez.

 

Na Tunísia e Egito, que também derrubaram ditadores, não houve intervenção internacional e os conflitos tiveram duração curta. Por isso, o número de refugiados e deslocados foi menor. Na comparação com 2010, o Egito tinha 8,5 mil pessoas em situação de deslocamento forçado (o que inclui refugiados, pessoas em situação de refúgio e pedidos de asilo). No ano seguinte foram 10,413 mil. O mesmo vale para a Tunísia: Em 2010, 2,731 mil pessoas estavam nesta situação e 3,556 mil em 2011. Os dados sobre a Síria entram no Global Trends 2012, mas um gráfico do relatório atual aponta mais de 25 mil pedidos de asilo vindos do país no ano passado.

Os conflitos antigos e os desastres naturais completam o quadro na África Subsaariana. Nesta parte do continente, mais de 300 mil Somalis fugiram para o Quênia, Iêmen e Etiópia devido a maior seca dos últimos 60 anos no Chifre da África – que chegou a colocar o país em estado de fome (Leia ) -, violência e conflitos no sul e no centro do país. Ao todo, 700 mil somalis deixaram o país nos últimos cinco anos. Mais da metade dos somalis foram para o campo de refugiados de Dadaab, no Quênia, outros para a Etiópia (101 mil) e Iêmen (27,4 mil). Em Dadaab, a partir de outubro, a violência contra as forças de segurança quenianas e os voluntários, reduziu a habilidade das agências de entregar tudo apenas comida para manutenção, água e serviços de saúde.

Na Costa do Marfim, 207 mil pessoas fugiram a maioria para a Libéria (cerca de 200 mil) e cerca de 1 milhão de pessoas viraram deslocados internos após uma onda de violência tomar o país em novembro de 2010. Depois da derrota nas eleições presidenciais para Alassane Ouattara, Laurent Gbagbo, que ocupava o cargo, recusou-se a aceitar a derrota e a deixar o poder. Isso levou a uma guerra entre as tropas de apoio de Gbagbo e Ouattara, apoiado pelo Ocidente. A ONU interveio e levou o presidente eleito ao poder. A partir de abril, mais de 135,2 mil pessoas puderam retornar ao país até o fim do ano. Ainda assim, restavam no final de 2011, 126,7 mil deslocados internos no país.

Enquanto isso, os conflitos ou violações de direitos humanos na Eritreia e Sudão criaram um fluxo de mais de 127,5 mil refugiados, 76,8 mil deles do Sudão do Sul, 30,2 mil da Etiópia. Esses países também registraram alto número de deslocados internos. Líbia, Costa do Marfim, Sudão, Somália e Sudão do Sul somaram mais de 5,6 milhões de pessoas nesta situação.

Em 2011, conflitos políticos e desastres naturais colocaram a África no centro do mundo. Tensões como a Primavera Árabe e a maior seca dos últimos 60 anos no Chifre da África fizeram com que milhares de pessoas fossem forçadas a deixar suas casas para sobreviver. Neste contexto, mais de 1,5 mil pessoas, possivelmente solicitantes de asilo, morreram afogadas ou desapareceram na tentativa de sair do continente africano e cruzar o Mar Mediterrâneo rumo à Europa. O dado integra o relatório Global Trends 2011 (Tendências Globais, em tradução livre) do Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), divulgado nesta segunda-feira 18. Esse é o maior número de vítimas desde 2006, quando o órgão passou a computar a situação, fortemente ligada à fuga de refugiados dos conflitos no Norte da África.

“Essa é a mostra do grande desespero das pessoas. Quando se fala de refugiados, não é uma migração normal. As pessoas precisam deixar o país por temor grave de perder suas vidas”, diz Andrés Ramirez, representante do ACNUR no Brasil, em entrevista a CartaCapital. Ele espera que o dado sensibilize os países, principalmente na Europa, sobre a importância de proteger essas pessoas. “Trabalhamos muito próximo dos refugiados na Tunísia e no Egito e falávamos do perigo para eles atravessarem o Mediterrâneo, mas não conseguíamos convencê-las.”

O relatório da ONU ainda aponta que no último ano 42,5 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a fugir de suas casas por risco de vida devido a conflitos e perseguições (política, religiosa, sexual, entre outras). O número ultrapassa 42 milhões pelo quinto ano seguido. Esse dado inclui 15,2 milhões de refugiados (pessoas que tiveram que cruzar as fronteiras de seus países) – 10,4 milhões sob os cuidados do ACNUR e 4,8 milhões de refugiados palestinos -, além de 26,4 milhões de deslocados internos.

 

 

Segundo o relatório, a Primavera Árabe, na Líbia e na Síria principalmente, colocou pressão significante nas operações do ACNUR no Oriente Médio e no Norte da África e também na Turquia. O órgão teve que atender as necessidades dos intensos fluxos de sírios e líbios, mas também dos pedidos de asilo e refúgio de pessoas que residiam ou passavam por estes dois países. Em meio a isso, os países europeus receberam milhares de pedidos de asilo. A Itália atingiu o recorde de solicitações de pessoas chegando principalmente de barco da Líbia. Em 2011, foram 34,1 mil pedidos, uma alta de 240% ao ano anterior. A França também teve alta e foi o terceiro país com maior número de pedidos do tipo (52,1 mil) – atrás de África do Sul (107 mil) e Estados Unidos (76 mil) -, muito por causa de armênios e cidadãos da Costa do Marfim, que sofreu intervenção da ONU com participação francesa. A Alemanha também entrou na lista e recebeu mais de 45,7 mil pedidos de asilo, principalmente da Síria. “Esses países possuem uma responsabilidade maior porque alguns deles (França e Itália, por exemplo) participaram da intervenção da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Líbia. Se fazem isso, têm que manter a fronteira aberta para pessoas que não são atores da guerra ou terroristas”, diz Ramirez;

Mas nem sempre os países europeus levam em consideração atitudes diplomáticas em casos humanitários. Com os conflitos na Líbia, Tunísia e Egito, a Itália sofreu com um grande fluxo de refugiados vindos do país. A ilha de Lampedusa, com apenas cinco mil habitantes, chegou a receber mais de 20 mil imigrantes ilegais, principalmente tunisianos. Neste cenário, o OTAN e a guarda costeira italiana deixaram à deriva por 15 dias uma embarcação com 72 imigrantes africanos, incluindo mulheres e crianças, que tentavam chegar a Lampedusa. Quando o resgate foi realizado – somente depois de o barco conseguir retornar à costa da Líbia -, 61 tripulantes haviam morrido.

Mas este não é o único caso.

Em abril de 2011, a França bloqueou a passagem de trens com milhares de imigrantes tunisianos e militantes de direitos humanos vindos da Itália, que havia concedido permissões temporárias de residência a cerca de 26 mil imigrantes daquele país africano. A Itália criticou a postura da França alegando violação das regras de livre circulação da União Europeia. Mas o governo do país vizinho já havia manifestado insatisfação com os vistos, uma vez que muitos dos imigrantes demostravam intenção de seguir para o território francês. Logo, a atitude italiana seria uma maneira de “despachar” o problema para outra nação europeia.

Conflitos na África

Parte dos dados do relatório da ONU é resultado de um ano em que conflitos políticos e desastres naturais colocaram a África no centro do problema. O conflito de oito meses entre rebeldes do Conselho Nacional de Transição (CNT) e as tropas do ditador Muammar Kaddafi, que estava no poder há 42 anos na Líbia, forçaram cerca de 150 mil líbios a deixarem o país, maioria para a Tunísia, onde a Primavera Árabe explodiu. Outros 500 mil se tornaram deslocados internos. Mas após a morte de Kaddafi  e a vitória dos rebeldes – armados pelo Ocidente “por questões humanitárias” e apoiados por bombardeios da (Otan) – , quase todos conseguiram retornar ao país. No país, ainda restam 93,6 mil deslocados internos sob a jurisdição do ACNUR ao final de 2011. “Na Líbia, muitos estrangeiros que trabalhavam no país, que tem a maior renda da África, fugiram. Mas quando o conflito se aprofundou, os líbios também começaram a deixar o país”, aponta Ramirez.

 

Na Tunísia e Egito, que também derrubaram ditadores, não houve intervenção internacional e os conflitos tiveram duração curta. Por isso, o número de refugiados e deslocados foi menor. Na comparação com 2010, o Egito tinha 8,5 mil pessoas em situação de deslocamento forçado (o que inclui refugiados, pessoas em situação de refúgio e pedidos de asilo). No ano seguinte foram 10,413 mil. O mesmo vale para a Tunísia: Em 2010, 2,731 mil pessoas estavam nesta situação e 3,556 mil em 2011. Os dados sobre a Síria entram no Global Trends 2012, mas um gráfico do relatório atual aponta mais de 25 mil pedidos de asilo vindos do país no ano passado.

Os conflitos antigos e os desastres naturais completam o quadro na África Subsaariana. Nesta parte do continente, mais de 300 mil Somalis fugiram para o Quênia, Iêmen e Etiópia devido a maior seca dos últimos 60 anos no Chifre da África – que chegou a colocar o país em estado de fome (Leia ) -, violência e conflitos no sul e no centro do país. Ao todo, 700 mil somalis deixaram o país nos últimos cinco anos. Mais da metade dos somalis foram para o campo de refugiados de Dadaab, no Quênia, outros para a Etiópia (101 mil) e Iêmen (27,4 mil). Em Dadaab, a partir de outubro, a violência contra as forças de segurança quenianas e os voluntários, reduziu a habilidade das agências de entregar tudo apenas comida para manutenção, água e serviços de saúde.

Na Costa do Marfim, 207 mil pessoas fugiram a maioria para a Libéria (cerca de 200 mil) e cerca de 1 milhão de pessoas viraram deslocados internos após uma onda de violência tomar o país em novembro de 2010. Depois da derrota nas eleições presidenciais para Alassane Ouattara, Laurent Gbagbo, que ocupava o cargo, recusou-se a aceitar a derrota e a deixar o poder. Isso levou a uma guerra entre as tropas de apoio de Gbagbo e Ouattara, apoiado pelo Ocidente. A ONU interveio e levou o presidente eleito ao poder. A partir de abril, mais de 135,2 mil pessoas puderam retornar ao país até o fim do ano. Ainda assim, restavam no final de 2011, 126,7 mil deslocados internos no país.

Enquanto isso, os conflitos ou violações de direitos humanos na Eritreia e Sudão criaram um fluxo de mais de 127,5 mil refugiados, 76,8 mil deles do Sudão do Sul, 30,2 mil da Etiópia. Esses países também registraram alto número de deslocados internos. Líbia, Costa do Marfim, Sudão, Somália e Sudão do Sul somaram mais de 5,6 milhões de pessoas nesta situação.

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