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Pressões políticas podem ter influenciado Bento XVI

Joseph Ratzinger enfrentou tensões com outros líderes religiosos e escândalos que evidenciaram perda de apoio no Vaticano

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O anúncio da renúncia do Papa Bento XVI nesta segunda-feira 11 causou surpresa, mas não pode ser considerado um movimento tão inesperado. Em meio a um mandato marcado por tensões com outros líderes religiosos, novos casos de pedofilia envolvendo clérigos e a demanda por uma Igreja Católica mais aberta, Joseph Ratzinger vivia sob constante pressão. Algo que tornou-se mais evidente em delicados escândalos, como o do mordomo mandado para a prisão por revelar documentos que deixavam claro o jogo de poder nos corredores do Vaticano.

Em uma carta, Ratzinger afirma ter refletido repetidamente até concluir não ter mais “forças, devido à idade avançada (…) para exercer adequadamente o ministério petrino”. Embora isso não seja novidade, uma vez que ele assumiu o posto aos 77 anos, em 19 de Abril de 2005, o pontífice não mencionou nos últimos anos nenhuma doença grave que poderia afasta-lo de suas funções. Realizou recentemente, inclusive, um longo discurso a cardeais sem grandes problemas.

É preciso, então, avaliar as forças políticas do Vaticano, um monastério absolutista sobre o qual o Papa tem mandato vitalício e controla sozinho os poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. Sem mencionar alguns aspectos das diretrizes econômicas do Estado independente cravado no centro da Itália. É, portanto, um cargo sujeito a pressões de todos os tipos. Algo que pode ter contribuído para a renúncia.

“O Papa vinha enfrentando problemas políticos entre os grupos [da Igreja]. Basta ver no ano passado quando o mordomo vazou documentos secretos. Tudo isso cria um conjunto de fatores políticos sérios que o desgastaram ainda mais na idade dele”, diz o teólogo Rafael Rodrigues da Silva, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Logicamente, isso não vai aparecer de maneira oficial.”

O Vaticano, comenta o desembargador aposentado Walter Mairovitch, colunista de CartaCapital, é notório por guardar bem seus segredos. “No caso do mordomo, há várias notícias de um movimento contrário ao Papa e até um carta com uma ameaça de morte. Houve ainda o escândalo do Banco do Vaticano, em que se viu que o Papa tinha muita dificuldade de impor as regras mínimas da União Europeia contra a lavagem de dinheiro.”

Segundo Silva, a Igreja está rachada em três grupos: o que levou Ratzinger ao poder, um mais liberal e outro conservador, que figuram no aspecto político e econômico do Vaticano. “O caso dos vazamentos mostra claramente que há um grupo totalmente contrário ao Papa atual. E isso desgasta qualquer agente político.”

 

Um desgaste capaz de fazê-lo tomar uma decisão quase sem precedentes na Igreja Católica. Bento XVI se tornará o primeiro Papa a renunciar nos últimos 600 anos. O último foi Gregório XII, que deixou o cargo em 1415. “Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. […] É necessário também o vigor, quer do corpo, quer da mente; vigor este que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado”, disse.

Na carta, Bento XVI afirma estar “consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade” e define a decisão como de grande importância “para a vida da Igreja”. E de fato será. Os cardeais, que devem anunciar um substituto até março, não poderão ignorar que o secularismo vem ganhando espaço no mundo e que a sociedade espera mudanças no posicionamento da Igreja sobre temas como o uso de preservativos. “Quando ele diz que não tem plenas forças para continuar, poderia se esperar que a igreja teria uma posição rumo À modernidade, com um sucessor mais jovem”, aponta Maierovitch.

O papado de Bento XVI, diz Silva, foi uma transição ao João Paulo II e a renúncia indica que já cumpriu seu papel. O que abre espaço para as especulações sobre o seu substituto. Pela primeira vez, a Igreja Católica poderia ser chefiada por um não-europeu. Entre os nomes cotados estão o dos brasileiros dom Odilo Pedro Scherer, arcebipso de São Paulo, e João Braz de Aviz, do departamento de Congregações Religiosas do Vaticano. O argentino Leonardo Sandri, do departamento de Igrejas Ocidentais, é outro cotado.

As mudanças poderiam ocorrer também na condução da Igreja, que não enfrenta uma “revolução” desde o Concílio do Vaticano II, entre 1962 e 1965. À época, o Papa João XXIII e bispos de todo o mundo modernizaram a igreja para estancar a perda de fieis. Como resultado, as missas deixaram de ser rezadas em latim com o padre de costas para o público, para acontecerem no idioma local. “A expectativa é ter um sucessor que siga o caminho de abertura pelo Vaticano II, algo que Paulo II e Bento XVI representaram um retrocesso”, acredita Silva.

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