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Expulsão do Mercosul traria grande impacto ao Paraguai

Dependente do bloco, país sofreria muito com afastamento. Assim, opção deve ser por sanções políticas

Apoiadores de Lugo fazem manifestação, na noite de segunda-feira 25, em frente à sede da TV estatal do Paraguai. Foto: Norberto Duarte / AFP
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A destituição relâmpago do ex-presidente Fernando Lugo na última semana rendeu ao Paraguai, de forma tão rápida quanto o impeachment do ex-bispo, a suspensão da próxima cúpula do Mercosul, que ocorre na Argentina até o dia 29. Na reunião, os países do bloco vão decidir de que forma manterão relações com o governo paraguaio após a derrubada de Lugo. Também na União das Nações Sul-Americanas (Unasul), o processo foi duramente condenado. As duas organizações regionais possuem cláusulas que punem países onde ocorrem “rupturas da ordem democrática”, até mesmo com expulsão. Para o Paraguai, essa possibilidade deve ser encarada com preocupação. Segundo analistas ouvidos por CartaCapital, a expulsão do Paraguai do Mercosul poderia trazer consequências econômicas profundas ao país.

O cenário de retaliações internacionais parece não assustar os conservadores no poder. O senador e pré-candidato à presidência Lino Oviedo – acusado de tentar realizar um golpe contra o presidente paraguaio Juan Carlos Wasmosy em 1996 – disse ao site Opera Mundi que “o Mercosul não existe” e que as consequências de uma saída paraguaia do bloco seriam mínimas para o país. Para Oviedo, o Brasil perderia muito mais por possuir cerca de 500 mil eleitores naquele país, consumir produtos agropecuários e depender da usina binacional de Itaipu. Uma opinião rebatida por Fernando Sarti, doutor em Ciência Econômica, professor da Unicamp e especialista em Mercosul. “Há um prejuízo para todas as partes, mas o Paraguai é fortemente afetado por ser muito dependente dos parceiros do bloco”, diz. Sarti destaca que essa dependência inclui a renda enviada por cidadãos paraguaios trabalhando na Argentina, com permissão de moradia facilitada pelos acordos do Mercosul, o dinheiro recebido do Brasil pela energia gerada em Itaipu e o uso do Porto de Paranaguá, no Paraná.

Ao mesmo tempo, a retirada do Paraguai do bloco não traria grande impacto ao Mercosul. “A economia paraguaia é muito pequena e sua saída não teria muitas consequências, principalmente porque o tema mais importante para o governo brasileiro, que é Itaipu, não vai ser afetado”, diz Giorgio Romano Schutte, doutor em Sociologia e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Eventuais punições ao Paraguai ainda não são claras, mas é possível derrubar com números a teoria de Oviedo de que o Paraguai não depende do Mercosul. Apenas no ano passado o Paraguai exportou aos membros do bloco cerca de 2,9 bilhões de dólares. Desde 2007 foram quase 10 bilhões de dólares. Na comparação das exportações nos últimos cinco anos até 2011 para o restante da América do Sul (sem os integrantes do Mercosul), esse valor é de apenas 3,6 bilhões, quase três vezes menor. Os dados são do Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior do Mercosul, do Ministério do Desenvolvimento. E esse perfil se repete quando analisadas as exportações paraguaias à União Europeia, grupo com o qual o Mercosul tenta fortalecer laços. Em 2011, foram apenas 515 milhões de dólares e desde 2007 o valor fica em torno de 1,8 bilhão de dólares. Número bem inferior às exportações paraguaias do último ano ao Mercosul. Na Ásia, a situação não é muito diferente. Entre 2007 e 2011, as vendas para China, Hong Kong e Macau somaram escassos 287 milhões de dólares.

Paraguai precisa do Mercosul

A dependência de nações vizinhas fica clara nos dados. Uruguai, Brasil e Chile (que não integra o Mercosul) são os maiores compradores de produtos paraguaios, enquanto principais vendedores são China, Brasil e Argentina, segundo dados da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por outro lado, o Paraguai não aparece entre os cinco principais parceiros dos países do Mercosul em exportação ou importação, um indicador de que tem pouca relevância comercial para estes Estados, embora eles representem considerável parte de sua renda. Ainda assim, Oviedo declarou que o país perde ao estar no bloco. Para o senador, se o Paraguai fosse liberado, poderia “negociar com qualquer outro lugar do mundo”. Para Schutte, a afirmação do senador é uma forma das forças conservadoras de instigar um orgulho nacional contra a pressão internacional. “O Paraguai precisa muito mais Mercosul que o Brasil. O que eles [conservadores] desejam é minimizar o impacto [das sanções] na população”, diz. Sarti, porém, enxerga nas afirmações de Oviedo alguns pontos válidos. “É fato que o Mercosul tem sido melhor para os ricos, Brasil e Argentina. O bloco evoluiu de forma assimétrica e o Paraguai depende muito de investimentos argentinos e brasileiros”, diz. Mas há partes errôneas no discurso do político paraguaio. “Embora tenha um volume de exportações importante para os asiáticos, usam a estrutura do Brasil. Não é possível separar uma coisa da outra. Esse é um falso argumento.”

A disparidade da evolução do Mercosul pode ser reparada nas trocas entre os países. Na balança comercial, o Paraguai tem um saldo negativo desde 2007, quadro semelhante no Uruguai e Argentina. Apenas o Brasil tem saldo comercial positivo nas relações com o grupo. Mas as exportações paraguaias, uruguaias e argentinas ainda são maiores dentro do bloco do que para muitas regiões do mundo. “O Mercosul na forma como está costurado dá pouca vantagem para essas economias menores. Cristalizou-se o que criticávamos nos países desenvolvidos: a venda de manufaturados aos pobres e a compra de suas commodities agrícolas. E isso é algo que interessa ao fazendeiro e não à sociedade paraguaia”, critica Sarti. Ele completa que o Mercosul não levou ao desenvolvimento de seus membros, mas este pode ser o momento de rediscutir o bloco e buscar um modelo de integração estrutural e comercial.

Quais serão as sanções?

Mesmo com a fragilidade da economia do Paraguai, Schutte acredita que a Unasul e o Mercosul precisavam se posicionar de forma efetiva “para prestigiar as democracias do grupo” e evitar novos problemas semelhantes no futuro. “Mas os dois lados não podem ficar sem a convivência regional”, diz. Assim, uma expulsão do Paraguai do Mercosul parece um possibilidade um tanto distante.

É provável que os países sul-americanos busquem mesmo a aplicação de sanções em conjunto. Para o Brasil, isso é importante. “O Brasil vai buscar o apoio da Unasul e do Mercosul para não parecer uma questão pessoal (por causa dos brasiguaios e Itaipu)”, diz Sarti. Essas sanções, entretanto, devem se dar no campo político. Para Schutte, é pouco provável que haja pressões econômicas. “Não faz sentido, por exemplo, interromper os projetos do Focem (Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul) que é pequeno para o Brasil, mas grande para Paraguai e Uruguai e ajuda esses países com projetos de desenvolvimento. Cortar isso, seria prejudicar a população paraguaia.” Para Schutte, um fator que pesa a favor do Paraguai é a proximidade das eleições presidenciais previstas para 2013. Elas estabelecem um horizonte de certa normalização a médio prazo.

A destituição relâmpago do ex-presidente Fernando Lugo na última semana rendeu ao Paraguai, de forma tão rápida quanto o impeachment do ex-bispo, a suspensão da próxima cúpula do Mercosul, que ocorre na Argentina até o dia 29. Na reunião, os países do bloco vão decidir de que forma manterão relações com o governo paraguaio após a derrubada de Lugo. Também na União das Nações Sul-Americanas (Unasul), o processo foi duramente condenado. As duas organizações regionais possuem cláusulas que punem países onde ocorrem “rupturas da ordem democrática”, até mesmo com expulsão. Para o Paraguai, essa possibilidade deve ser encarada com preocupação. Segundo analistas ouvidos por CartaCapital, a expulsão do Paraguai do Mercosul poderia trazer consequências econômicas profundas ao país.

O cenário de retaliações internacionais parece não assustar os conservadores no poder. O senador e pré-candidato à presidência Lino Oviedo – acusado de tentar realizar um golpe contra o presidente paraguaio Juan Carlos Wasmosy em 1996 – disse ao site Opera Mundi que “o Mercosul não existe” e que as consequências de uma saída paraguaia do bloco seriam mínimas para o país. Para Oviedo, o Brasil perderia muito mais por possuir cerca de 500 mil eleitores naquele país, consumir produtos agropecuários e depender da usina binacional de Itaipu. Uma opinião rebatida por Fernando Sarti, doutor em Ciência Econômica, professor da Unicamp e especialista em Mercosul. “Há um prejuízo para todas as partes, mas o Paraguai é fortemente afetado por ser muito dependente dos parceiros do bloco”, diz. Sarti destaca que essa dependência inclui a renda enviada por cidadãos paraguaios trabalhando na Argentina, com permissão de moradia facilitada pelos acordos do Mercosul, o dinheiro recebido do Brasil pela energia gerada em Itaipu e o uso do Porto de Paranaguá, no Paraná.

Ao mesmo tempo, a retirada do Paraguai do bloco não traria grande impacto ao Mercosul. “A economia paraguaia é muito pequena e sua saída não teria muitas consequências, principalmente porque o tema mais importante para o governo brasileiro, que é Itaipu, não vai ser afetado”, diz Giorgio Romano Schutte, doutor em Sociologia e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Eventuais punições ao Paraguai ainda não são claras, mas é possível derrubar com números a teoria de Oviedo de que o Paraguai não depende do Mercosul. Apenas no ano passado o Paraguai exportou aos membros do bloco cerca de 2,9 bilhões de dólares. Desde 2007 foram quase 10 bilhões de dólares. Na comparação das exportações nos últimos cinco anos até 2011 para o restante da América do Sul (sem os integrantes do Mercosul), esse valor é de apenas 3,6 bilhões, quase três vezes menor. Os dados são do Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior do Mercosul, do Ministério do Desenvolvimento. E esse perfil se repete quando analisadas as exportações paraguaias à União Europeia, grupo com o qual o Mercosul tenta fortalecer laços. Em 2011, foram apenas 515 milhões de dólares e desde 2007 o valor fica em torno de 1,8 bilhão de dólares. Número bem inferior às exportações paraguaias do último ano ao Mercosul. Na Ásia, a situação não é muito diferente. Entre 2007 e 2011, as vendas para China, Hong Kong e Macau somaram escassos 287 milhões de dólares.

Paraguai precisa do Mercosul

A dependência de nações vizinhas fica clara nos dados. Uruguai, Brasil e Chile (que não integra o Mercosul) são os maiores compradores de produtos paraguaios, enquanto principais vendedores são China, Brasil e Argentina, segundo dados da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por outro lado, o Paraguai não aparece entre os cinco principais parceiros dos países do Mercosul em exportação ou importação, um indicador de que tem pouca relevância comercial para estes Estados, embora eles representem considerável parte de sua renda. Ainda assim, Oviedo declarou que o país perde ao estar no bloco. Para o senador, se o Paraguai fosse liberado, poderia “negociar com qualquer outro lugar do mundo”. Para Schutte, a afirmação do senador é uma forma das forças conservadoras de instigar um orgulho nacional contra a pressão internacional. “O Paraguai precisa muito mais Mercosul que o Brasil. O que eles [conservadores] desejam é minimizar o impacto [das sanções] na população”, diz. Sarti, porém, enxerga nas afirmações de Oviedo alguns pontos válidos. “É fato que o Mercosul tem sido melhor para os ricos, Brasil e Argentina. O bloco evoluiu de forma assimétrica e o Paraguai depende muito de investimentos argentinos e brasileiros”, diz. Mas há partes errôneas no discurso do político paraguaio. “Embora tenha um volume de exportações importante para os asiáticos, usam a estrutura do Brasil. Não é possível separar uma coisa da outra. Esse é um falso argumento.”

A disparidade da evolução do Mercosul pode ser reparada nas trocas entre os países. Na balança comercial, o Paraguai tem um saldo negativo desde 2007, quadro semelhante no Uruguai e Argentina. Apenas o Brasil tem saldo comercial positivo nas relações com o grupo. Mas as exportações paraguaias, uruguaias e argentinas ainda são maiores dentro do bloco do que para muitas regiões do mundo. “O Mercosul na forma como está costurado dá pouca vantagem para essas economias menores. Cristalizou-se o que criticávamos nos países desenvolvidos: a venda de manufaturados aos pobres e a compra de suas commodities agrícolas. E isso é algo que interessa ao fazendeiro e não à sociedade paraguaia”, critica Sarti. Ele completa que o Mercosul não levou ao desenvolvimento de seus membros, mas este pode ser o momento de rediscutir o bloco e buscar um modelo de integração estrutural e comercial.

Quais serão as sanções?

Mesmo com a fragilidade da economia do Paraguai, Schutte acredita que a Unasul e o Mercosul precisavam se posicionar de forma efetiva “para prestigiar as democracias do grupo” e evitar novos problemas semelhantes no futuro. “Mas os dois lados não podem ficar sem a convivência regional”, diz. Assim, uma expulsão do Paraguai do Mercosul parece um possibilidade um tanto distante.

É provável que os países sul-americanos busquem mesmo a aplicação de sanções em conjunto. Para o Brasil, isso é importante. “O Brasil vai buscar o apoio da Unasul e do Mercosul para não parecer uma questão pessoal (por causa dos brasiguaios e Itaipu)”, diz Sarti. Essas sanções, entretanto, devem se dar no campo político. Para Schutte, é pouco provável que haja pressões econômicas. “Não faz sentido, por exemplo, interromper os projetos do Focem (Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul) que é pequeno para o Brasil, mas grande para Paraguai e Uruguai e ajuda esses países com projetos de desenvolvimento. Cortar isso, seria prejudicar a população paraguaia.” Para Schutte, um fator que pesa a favor do Paraguai é a proximidade das eleições presidenciais previstas para 2013. Elas estabelecem um horizonte de certa normalização a médio prazo.

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