Mundo

‘Crise deveria aproximar França da América Latina’, diz candidata

Raquel Garrido, que disputa vaga para a Assembleia Nacional Francesa pela Esquerda Unida, tenta seduzir comunidade francesa no Brasil

Foto
Apoie Siga-nos no

Raquel Garrido, que disputa uma das 11 vagas de deputados eleitos por cidadãos de nacionalidade francesa na América Latina na Assembleia Nacional (câmara dos deputados francesa) nas legislativas de junho, diz: “A grande batalha de agora em diante é entre nós, da Frente de Esquerda e a extrema-direita da Frente Nacional”.

Em miúdos, a vitória de uma legenda centrista nas legislativas depende do embate entre a Frente de Esquerda (FE), aliança liderada por Jean-Luc Mélenchon e a aglutinar agremiações de extrema-esquerda e os comunistas, e a Frente Nacional (FN), a legenda de extrema-direita de Marine Le Pen.

No pleito presidencial, Mélenchon, ex-integrante do Partido Socialista Francês (PSF) ficou com 11,1% dos votos, melhor resultado da extrema-esquerda desde 1981. Por sua vez, Marine Le Pen obteve 18%, percentual jamais obtido na história da FN. Marine superou até o resultado do pai, Jean-Marie, no primeiro turno da presidencial de 2002, que levou o então líder da FN a disputar o segundo turno contra o gaullista Jacques Chirac.

Para se ter uma ideia da importância da Frente Unida nas legislativas, os 4 milhões de votos oriundos da sigla foram decisivos para a vitória no segundo turno da presidencial, no último dia 6 de maio, de François Hollande, do PSF.

Nesse novo tablado político, Raquel Garrido tem peso. Não somente disputa uma vaga na Assembleia Nacional, mas ela é também porta-voz internacional de Mélenchon. Advogada especializada em direito internacional, Garrido atua na 2ª circunscrição, que engloba 33 países entre o México á Patagônia. Dos 100 mil potenciais eleitores franceses pouco mais de 20 mil residem no Brasil. Estima-se, no entanto, que do total na América Latina apenas 25 mil irão ás urnas nos dias 2 e 16 de junho (os franceses na América Latina podem votar eletronicamente a partir de 23 de maio).

O motivo do abstencionismo elevado? Segundo Garrido, a França do ex-presidente Nicolas Sarkozy “abandonou” os expatriados franceses. “Somos vítimas da abstenção”, emenda a política num hotel paulistano.

O ex-presidente conservador da União por um Movimento Popular (UMP) cortou, discorre Garrido, o orçamento para “nossa cooperação mútua” nas áreas científica, técnica, universitária e educativa.

Por sua vez, a escassez de bolsas para estudantes impede alunos de nacionalidade francesa de frequentar escolas francesas em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Subvenções à escola francesa de Natal foram suprimidas. Além disso, nas Alianças Francesas espalhadas pelos países latino-americanos duas pessoas aposentadas (ou demitidas) são substituídas por apenas uma.

“Nesse mundo multipolar dominado pelos anglo-saxônicos, a francofonia cria diversidade”, avalia Garrido. “Ademais, com a crise econômica global é o momento de a França reforçar seus elos com a América Latina.”

Garrido, é visível, não se dá por vencida com os elevados números de abstenção na sua circunscrição. “Temos de mobilizar os abstencionistas. Já conseguimos fazer uma parte desse trabalho, visto que muitos jovens agora se inscrevem no nosso eleitorado”, afirma. Ao lado de Mélenchon durante os dois turnos da eleição presidencial, Garrido agora dispõe de apenas 12 dias para fazer campanha na América Latina. Já passou pelo Rio de Janeiro, em seguida veio a São Paulo. As próximas paradas serão Santiago, Buenos Aires e Montevidéu.

“Estou fazendo a rota de Jean Jaurès em 1911, o único périplo internacional por ele realizado”, sublinha, sorriso nos lábios, Garrido. Sua admiração pelo grande socialista (assassinado em um café parisiense em julho de 1914) a levou a ir atrás de fotos e textos das conferências dele publicadas em jornais latino-americanos da época em que esteve no continente sul-americano. O resultado foi o livro Jean Jaurés: Discours em Amérique Latine 1911 (Leprince, 2010, 224 págs., 8 euros) com prefácio de Mélenchon.

No ano passado Garrido presenteou o livro, traduzido para o espanhol na Venezuela, a Cristina Kirchner, a presidente da Argentina.

Em seu blog, Garrido conta que o embaixador francês na Venezuela pretende fazer uma edição bilíngue da obra. “Isso seria uma grande lembrança dos laços a unir a esquerda francesa com a América do Sul.»

O problema é que no Brasil a vasta maioria dos expatriados franceses, ou pelo menos aqueles registrados e a votar em pleitos, é de direita. São banqueiros, altos funcionários de multinacionais, empresários etc.

Aos números: no Brasil, Sarko obteve 53,03% dos votos no segundo turno; o socialista François Hollande ficou com 46,97%. De fato, este escriba ouviu diversas pessoas a integrar as elites francesas em território canarinho dizer que Sarkozy tem razão na sua luta contra imigrantes. Não caberia, neste espaço, reproduzir comentários racistas proferidos por franceses endinheirados.

Ávido por votos, Sarko adotou, como na sua campanha presidencial de 2007, o discurso da extrema-direita de Marine Le Pen. Imigrantes, e, em particular os árabes (a França, diga-se, abriga a maior população árabe na União Europeia) ameaçam o laicismo francês.

Filho de húngaro, Sarko chegou até a sustentar que os estrangeiros são um perigo para a civilização francesa. Palavras que poderiam ter sido – e são – proferidas por Marine Le Pen.

Nascida no Chile, Garrido relativiza as observações deste jornalista sobre os franceses no Brasil. Ela diz que há estereótipos do francês aqui. “A realidade é diferente”, acrescenta. De saída, emenda Garrido, há aqueles que não votam e estão aqui para fugir da crise a afetar a União Europeia.

No entanto, um partido de extrema-esquerda como a Frente de Esquerda, sugiro, é temido na América Latina. “Nós somos uma esquerda clássica que quer pôr em prática um radicalismo concreto associado a um discurso ecológico”, retruca Garrido. O povo, continua ela, tem de retomar o poder. A candidata da Extrema Esquerda resume: queremos um sistema plenamente democrático.

Entre outros pontos do programa da Esquerda Unida, o salário mínimo será aumentado para 1.700 mil euros, e salários acima de patamares estratosféricos serão taxados em 100%. Em suma, sob a Esquerda Unida haveria uma verdadeira redistribuição de renda.

Garrido diz, ainda, que não é contra o euro. “Pelo contrário, queremos outro euro, não uma moeda imposta graças a programas de austeridade.” Ainda a candidata da Frente de Esquerda: “Regras sociais têm de estar acima de regras do mercado financeiro.”

Garrido não entende como François Hollande poderá conciliar seu ideal de estimular crescimento enquanto a chanceler alemã, Angela Merkel, não abre mão de seu plano de austeridade. “O método de Hollande é demasiado doce”, opina.

Por essas e outras, a Frente de Equerda, mesmo com um bom resultado nas legislativas, não está interessada num posto ministerial no governo socialista. O objetivo-mor da extrema-esquerda era vencer Sarkozy.

Agora, como dito acima, a aliança esquerdista quer desancar a Frente Nacional nas legislativas. Garrido diz, por exemplo, que a ameaça dos imigrantes, discurso predileto da FN de Marine Le Pen e do ex-presidente Sarko, não passa de um mito para angariar votos. Outra invenção é que os operários votam na FN. Segundo Garrido, 70% dos trabalhadores não votam.

A candidata da Frente de Esquerda defende aquilo que ela chama de “riqueza” da dupla cidadania. Filha de uma família que militava por Salvador Allende, o presidente chileno deposto em 1973, Garrido chegou na França aos 14 anos e se sente francesa.

Ela lembra que Mélanchon nasceu no Marrocos, e acrescenta: “Não importa onde nasci, é muito fácil ser francesa num país onde a divisa é liberdade, igualdade e fraternidade. Mas tenho orgulho de ser latina (do Chile)”.

No próximo dia 4 de junho terá início o processo de Marine Le Pen contra Jean-Luc Mélenchon. Motivo: em 2011 Mélenchon chamou Marine de fascista. Ela o processa agora por injúria. “Mas numa democracia podemos caracterizar um político, no caso uma política”, avalia Garrido. Detalhe: ela é a advogada de Mélenchon.

Raquel Garrido, que disputa uma das 11 vagas de deputados eleitos por cidadãos de nacionalidade francesa na América Latina na Assembleia Nacional (câmara dos deputados francesa) nas legislativas de junho, diz: “A grande batalha de agora em diante é entre nós, da Frente de Esquerda e a extrema-direita da Frente Nacional”.

Em miúdos, a vitória de uma legenda centrista nas legislativas depende do embate entre a Frente de Esquerda (FE), aliança liderada por Jean-Luc Mélenchon e a aglutinar agremiações de extrema-esquerda e os comunistas, e a Frente Nacional (FN), a legenda de extrema-direita de Marine Le Pen.

No pleito presidencial, Mélenchon, ex-integrante do Partido Socialista Francês (PSF) ficou com 11,1% dos votos, melhor resultado da extrema-esquerda desde 1981. Por sua vez, Marine Le Pen obteve 18%, percentual jamais obtido na história da FN. Marine superou até o resultado do pai, Jean-Marie, no primeiro turno da presidencial de 2002, que levou o então líder da FN a disputar o segundo turno contra o gaullista Jacques Chirac.

Para se ter uma ideia da importância da Frente Unida nas legislativas, os 4 milhões de votos oriundos da sigla foram decisivos para a vitória no segundo turno da presidencial, no último dia 6 de maio, de François Hollande, do PSF.

Nesse novo tablado político, Raquel Garrido tem peso. Não somente disputa uma vaga na Assembleia Nacional, mas ela é também porta-voz internacional de Mélenchon. Advogada especializada em direito internacional, Garrido atua na 2ª circunscrição, que engloba 33 países entre o México á Patagônia. Dos 100 mil potenciais eleitores franceses pouco mais de 20 mil residem no Brasil. Estima-se, no entanto, que do total na América Latina apenas 25 mil irão ás urnas nos dias 2 e 16 de junho (os franceses na América Latina podem votar eletronicamente a partir de 23 de maio).

O motivo do abstencionismo elevado? Segundo Garrido, a França do ex-presidente Nicolas Sarkozy “abandonou” os expatriados franceses. “Somos vítimas da abstenção”, emenda a política num hotel paulistano.

O ex-presidente conservador da União por um Movimento Popular (UMP) cortou, discorre Garrido, o orçamento para “nossa cooperação mútua” nas áreas científica, técnica, universitária e educativa.

Por sua vez, a escassez de bolsas para estudantes impede alunos de nacionalidade francesa de frequentar escolas francesas em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Subvenções à escola francesa de Natal foram suprimidas. Além disso, nas Alianças Francesas espalhadas pelos países latino-americanos duas pessoas aposentadas (ou demitidas) são substituídas por apenas uma.

“Nesse mundo multipolar dominado pelos anglo-saxônicos, a francofonia cria diversidade”, avalia Garrido. “Ademais, com a crise econômica global é o momento de a França reforçar seus elos com a América Latina.”

Garrido, é visível, não se dá por vencida com os elevados números de abstenção na sua circunscrição. “Temos de mobilizar os abstencionistas. Já conseguimos fazer uma parte desse trabalho, visto que muitos jovens agora se inscrevem no nosso eleitorado”, afirma. Ao lado de Mélenchon durante os dois turnos da eleição presidencial, Garrido agora dispõe de apenas 12 dias para fazer campanha na América Latina. Já passou pelo Rio de Janeiro, em seguida veio a São Paulo. As próximas paradas serão Santiago, Buenos Aires e Montevidéu.

“Estou fazendo a rota de Jean Jaurès em 1911, o único périplo internacional por ele realizado”, sublinha, sorriso nos lábios, Garrido. Sua admiração pelo grande socialista (assassinado em um café parisiense em julho de 1914) a levou a ir atrás de fotos e textos das conferências dele publicadas em jornais latino-americanos da época em que esteve no continente sul-americano. O resultado foi o livro Jean Jaurés: Discours em Amérique Latine 1911 (Leprince, 2010, 224 págs., 8 euros) com prefácio de Mélenchon.

No ano passado Garrido presenteou o livro, traduzido para o espanhol na Venezuela, a Cristina Kirchner, a presidente da Argentina.

Em seu blog, Garrido conta que o embaixador francês na Venezuela pretende fazer uma edição bilíngue da obra. “Isso seria uma grande lembrança dos laços a unir a esquerda francesa com a América do Sul.»

O problema é que no Brasil a vasta maioria dos expatriados franceses, ou pelo menos aqueles registrados e a votar em pleitos, é de direita. São banqueiros, altos funcionários de multinacionais, empresários etc.

Aos números: no Brasil, Sarko obteve 53,03% dos votos no segundo turno; o socialista François Hollande ficou com 46,97%. De fato, este escriba ouviu diversas pessoas a integrar as elites francesas em território canarinho dizer que Sarkozy tem razão na sua luta contra imigrantes. Não caberia, neste espaço, reproduzir comentários racistas proferidos por franceses endinheirados.

Ávido por votos, Sarko adotou, como na sua campanha presidencial de 2007, o discurso da extrema-direita de Marine Le Pen. Imigrantes, e, em particular os árabes (a França, diga-se, abriga a maior população árabe na União Europeia) ameaçam o laicismo francês.

Filho de húngaro, Sarko chegou até a sustentar que os estrangeiros são um perigo para a civilização francesa. Palavras que poderiam ter sido – e são – proferidas por Marine Le Pen.

Nascida no Chile, Garrido relativiza as observações deste jornalista sobre os franceses no Brasil. Ela diz que há estereótipos do francês aqui. “A realidade é diferente”, acrescenta. De saída, emenda Garrido, há aqueles que não votam e estão aqui para fugir da crise a afetar a União Europeia.

No entanto, um partido de extrema-esquerda como a Frente de Esquerda, sugiro, é temido na América Latina. “Nós somos uma esquerda clássica que quer pôr em prática um radicalismo concreto associado a um discurso ecológico”, retruca Garrido. O povo, continua ela, tem de retomar o poder. A candidata da Extrema Esquerda resume: queremos um sistema plenamente democrático.

Entre outros pontos do programa da Esquerda Unida, o salário mínimo será aumentado para 1.700 mil euros, e salários acima de patamares estratosféricos serão taxados em 100%. Em suma, sob a Esquerda Unida haveria uma verdadeira redistribuição de renda.

Garrido diz, ainda, que não é contra o euro. “Pelo contrário, queremos outro euro, não uma moeda imposta graças a programas de austeridade.” Ainda a candidata da Frente de Esquerda: “Regras sociais têm de estar acima de regras do mercado financeiro.”

Garrido não entende como François Hollande poderá conciliar seu ideal de estimular crescimento enquanto a chanceler alemã, Angela Merkel, não abre mão de seu plano de austeridade. “O método de Hollande é demasiado doce”, opina.

Por essas e outras, a Frente de Equerda, mesmo com um bom resultado nas legislativas, não está interessada num posto ministerial no governo socialista. O objetivo-mor da extrema-esquerda era vencer Sarkozy.

Agora, como dito acima, a aliança esquerdista quer desancar a Frente Nacional nas legislativas. Garrido diz, por exemplo, que a ameaça dos imigrantes, discurso predileto da FN de Marine Le Pen e do ex-presidente Sarko, não passa de um mito para angariar votos. Outra invenção é que os operários votam na FN. Segundo Garrido, 70% dos trabalhadores não votam.

A candidata da Frente de Esquerda defende aquilo que ela chama de “riqueza” da dupla cidadania. Filha de uma família que militava por Salvador Allende, o presidente chileno deposto em 1973, Garrido chegou na França aos 14 anos e se sente francesa.

Ela lembra que Mélanchon nasceu no Marrocos, e acrescenta: “Não importa onde nasci, é muito fácil ser francesa num país onde a divisa é liberdade, igualdade e fraternidade. Mas tenho orgulho de ser latina (do Chile)”.

No próximo dia 4 de junho terá início o processo de Marine Le Pen contra Jean-Luc Mélenchon. Motivo: em 2011 Mélenchon chamou Marine de fascista. Ela o processa agora por injúria. “Mas numa democracia podemos caracterizar um político, no caso uma política”, avalia Garrido. Detalhe: ela é a advogada de Mélenchon.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo