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Até onde vai a abertura econômica de Cuba?

O mercado cubano, comparável ao da Guatemala ou de Porto Rico, torna-se cada vez mais interessante para turistas e investidores – também dos EUA

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Por Andreas Knobloch, de Havana

Sol Martínez está sentada à sombra de sua casa, no bairro havanês de Vedado. Pensativa, ela observa o casal de turistas espanhóis que vai arrastando a mala barulhenta pelo asfalto.

A aposentada – que não quer ver seu nome real publicado nem no jornal nem na internet – está contente. Há já alguns anos ela aluga dois quartos no andar superior da casa. “Mas uma procura como esta agora, nunca vi. Em seguida, já vêm os próximos, um casal da Alemanha”, comenta.

Tampouco Fran – que pega e leva com o táxi os hóspedes de Sol ao aeroporto – tem motivos por se queixar de falta de trabalho. “Ontem mesmo tive uma excursão até o norte da ilha, em Cayos. Depois de amanhã é em Viñales”, conta, enquanto coloca a bagagem no porta-malas. O automóvel não é dele, que só o “opera”, mas mesmo assim ele ganha tanto quanto um acadêmico com cargo fixo estatal.

Aluguel particular de quartos e dirigir táxi estão entre as atividades comerciais permitidas aos cubanos desde 2011. Ao todo, a lista contém quase 200 ramos profissionais – inclusive alguns exóticos, como recarregador de fluido de isqueiros.

Porém, é nos setores relacionados ao turismo que se pode ganhar bom dinheiro. Ainda mais desde dezembro de 2014, quando o presidente americano, Barack Obama, e o cubano, Raúl Castro, anunciaram um reinício das relações entre os dois países.

O Estado insular no Caribe representa um mercado comparável ao da Guatemala ou Porto Rico. “Vamos para Cuba, antes que cheguem os americanos”, é o lema do momento. Visitantes de todo o mundo confluem para a ilha caribenha, também cada vez mais americanos dão um pulinho ao território até então proibido.

Só nos primeiros dois meses e meio de 2016, já foram registrados mais de 1 milhão de turistas, uma cifra recorde. Está difícil encontrar até hospedagem privada, por toda Havana novos bares e restaurantes parecem brotar do solo.

Há alguns anos Cuba vem realizando um cauteloso processo de abertura econômica: permitiu-se mais iniciativa privada e foi aprovada a lei que permite a empresas estrangeiras investirem em todos os setores empresariais cubanos.

O catálogo elaborado pelo governo inclui 326 possíveis projetos de investimento, com um volume total de 8,2 bilhões de dólares – da criação de galinhas à construção de parques de energia eólica, passando pela produção de vacinas. O interesse é imenso: há meses delegações governamentais e empresariais de todo o mundo fazem uma verdadeira ciranda em Havana.

O momento parece propício para o retorno de Cuba ao palco da economia mundial, quando o restante da América Latina se debate com escândalos de corrupção, desvalorização monetária e índices econômicos despencando. Mas, apesar de toda a euforia, investir em Cuba continua envolvendo dificuldades, e as empresas se queixam de entraves burocráticos e falta de segurança legal.

Na cidade portuária de Mariel, às portas de Havana, concretizaram-se 12 projetos desde a abertura da zona econômica especial, há dois anos. Lá ficam as sedes de três firmas que trabalham com capital nacional: uma companhia de logística, um banco e o terminal de contêineres de Mariel, erguido com créditos brasileiros e operado para PSA International, de Cingapura.

Além disso, até agora lá se estabeleceram um produtor de carne e um de tintas, mexicanos; uma firma de transportes belga; uma espanhola de gêneros alimentícios; uma construtora brasileira; e uma joint venture cubano-brasileira.

Pouco antes da visita de Obama, no domingo 20, o fabricante de tratores Cleber LLC, do Alabama, recebeu sinal verde para construir uma central de produção em Cuba, como primeira empresa americana em meio século. Assim, a partir de 2017 cerca de mil pequenos tratores sairão a cada ano de Mariel, para abastecer agricultores independentes e cooperativas.

Além da agricultura e do turismo, a biotecnologia e a farmácia parecem ser os setores com maior potencial. No entanto, medicamentos e produtos biotecnológicos cubanos ainda não podem ser exportados para os EUA, por causa dos embargos econômico, comercial e financeiro impostos pelo país e ainda em vigor.

No geral, a política de embargo de Washington é o maior obstáculo aos investimentos no Estado insular. Sol Martínez é uma que não confia totalmente nos americanos: “Eles que não fiquem pensando que podem fazer o relógio andar para trás 60 anos. Chegar e fazer dinheiro rápido – a coisa não é assim! Eles vão ter de obedecer às nossas regras”.

Como turistas, os americanos são bem-vindos, é claro. “Se a demanda continuar crescendo, em breve nós vamos aumentar os nossos preços”, diz a anciã, piscando o olho.

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