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Uma armadilha para Obama

O presidente tenta, até agora sem sucesso, cerzir uma “grande barganha” em torno do pacote para enxugar as contas dos EUA

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Eduardo Graça, de Nova York


É como se Barack Obama fosse Bill Murray, o protagonista de Feitiço do Tempo. A comparação, feita por Rachel Maddow, em na rede MSNBC, é a tradução exata para a semana em que o presidente foi visto mais no Congresso do que na Casa Branca, em uma tentativa aparentemente fracassada de cerzir uma “grande barganha” em torno do pacote de medidas a ser tomado para enxugar as contas dos EUA.

Desde o primeiro dia de março o governo iniciou os cortes de 1 trilhão de dólares aprovados no ano passado – o chamado ‘sequestro’ – depois de os republicanos, maioria na Casa dos Representantes, se recusarem a aumentar o limite de endividamento do país. A Casa Branca estima que, até o fim do ano fiscal, haverá um corte de 9% dos programas federais não-militares.

O salário-desemprego e o valor pago a médicos dos programas de saúde pública serão reduzidos. Somente em março, os cortes chegarão a 85 bilhões de dólares. O presidente do Comitê do Orçamento da Casa dos Repiresentantes, deputado Paul Ryan, candidato a vice-presidente na chapa de Mitt Romney, apresentou esta semana o projeto da direita, que inclui uma vez mais o corte de 1,2 trilhões de dólares em investimentos públicos, incluindo, na prática, a eliminação do programa de saúde Medicare, voltado para idosos, e um abono de pelo menos 200 milhões de dólares em impostos para os mais ricos. É como se a eleição de novembro simplesmente não tivesse acontecido e o cenário político americano se repetisse, tal qual o enredo do filme dos anos 90, indefinidamente.

O x do problema está no fato de os republicanos só concordarem em aumentar o teto de empréstimo para Washington se o governo apresentar um pacote de redução drástica de custos que não inclua aumento de impostos. Os democratas, por sua vez, buscam assegurar os benefícios sociais estabelecidos nas eras Roosevelt e Johnson, ampliados por Obama, e querem aumentar os impostos pagos pelos mais ricos afim de financiar a reforma fiscal. Em entrevista na terça-feira ao canal ABC, o presidente refletiu sobre os encontros com os principais líderes da oposição: “Parece que se eu for a favor de determinada medida, fica muito complicado para um republicano concordar comigo. É como se eles sempre precisassem manter alguma distância de mim”.

Na semana passada, o presidente levou 12 senadores republicanos para jantar no Hotel Jefferson, nas proximidades da Casa Branca, e esta semana reuniu-se com um número substancial de congressistas, em visitas diárias ao Capitólio. “Se a posição dos republicanos for a de que eles não podem concordar com nenhum aumento de impostos ou se o condicionarem ao esvaziamento do Medicare, da Previdência Social e da Medicaid (programa de saúde público voltado para os mais pobres), então provavelmente não chegaremos a acordo algum”, disse o presidente à ABC.

Na conversa com os deputados, Obama chegou a acenar com ajustes na maneira como o governo calcula a inflação – o que reduziria os benefícios da Previdência Social – e uma revisão nos custos e tratamentos oferecidos pelo Medicaid, contrapontos para o aumento de impostos no bolso dos mais ricos. Republicanos como Dave Camp, do Michigan, presidente da comissão responsável pelos impostos e benefícios sociais na Casa dos Representantes, tentou antecipar-se à barganha, pedindo que Obama enviasse imediatamente um projeto de lei ao Congresso explicitando as modificações propostas. Obama não caiu na armadilha sem a garantia de votos republicanos para o aumento de impostos.

Teoricamente, o Congresso pode agir a qualquer momento para impedir situações caóticas já previstas pela secretaria de Defesa, como o cruzar de braços de funcionários terceirizados responsáveis pelo controle aéreo, que receberão seus últimos cheques em abril. A tática democrata, até esta semana, era a de galvanizar a opinião pública para forçar os republicanos a sentar na mesa de negociações. “O problema é a matemática eleitoral, demonstrada claramente nos dois últimos quatro pleitos nacionais. Enquanto os democratas conseguem vencer a disputa presidencial com alguma facilidade, por conta da força de sua coalizão nos estados mais populosos, os republicanos mantém a maioria dos distritos legislativos, mantendo a maioria na Casa dos Representantes com o voto dos rincões mais conservadores. E estes deputados não querem votar contra a base, cada vez mais anti-Obama”, explica o colunista político Steve Kornacki, da “Salon”.

Recebido com festa pelos republicanos, o plano alternativo para o equilíbrio das finanças dos EUA, apresentado por Paul Ryan, foi duramente atacado por institutos independentes. O Instituto de Política Econômica estima que os cortes propostos pelo republicano custarão 2 milhões de empregos aos americanos. O Cidadãos por Justiça no Pagamento dos Impstos estima em 200 milhões de dólares a anistia fiscal a milionários. Outro programa na lista de corte republicano é o que oferece vale-refeições aos mais pobres, hoje na casa dos 47 milhões de americanos. “O projeto apresentado por Ryan segue a mesma linha de raciocínio de que o problema da economia americana é o déficit público. Não é. Nosso problema é o desemprego, salários e crescimento baixos e aumento da desigualdade social”, escreveu esta semana o ex-secretário do Trabalho do governo Clinton e uma das estrelas da Universidade de Berkeley. Não por acaso, Obama abriu as conversas esta semana com os republicanos rezando pela mesma cartilha das eleições de novembro, afirmando ser um equívoco acreditar no déficit público como o principal problema econômico dos EUA na próxima década.

Uma semana antes da Páscoa, o Congresso deverá votar o projeto de orçamento elaborado no Senado, de maioria democrata. Uma prévia da dor de cabeça que aguarda o presidente foi dada na quinta-feira 14, durante a aprovação do projeto elaborado pelos democratas, que inclui 1 trilhão de dólares em aumento de impostos. Senadores republicanos utilizaram o tempo destinado a discutir tecnicalidades para atacar o que consideram ser um ‘plano de aumento do tamanho do governo’.

“A premissa de que este plano vai reduzir o déficit em 1,85 trilhões de dólares em dez anos é simplesmente falsa. Falsa. Falsa. Estou farto desta discussão!”, afirmou o senador Ron Johnson, deixando o debate enquanto seus colegas republicanos reclamavam as digitais da Casa Branca em um plano “fadado ao fracasso”.

“Ainda vamos discutir bastante este tema, e por um longo tempo”, rebateu a presidente do Comitê do Orçamento do Senado, a democrata Pat Murray, aparentemente resignada com a síndrome do Feitiço do Tempo.

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