Economia

Os economistas

Recomenda-se cautela quando as sabedorias dos interesses subjugam o interesse pelo conhecimento

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Resolvi juntar algumas linhas que escrevi a respeito dos economistas, suas teorias, convicções e previsões. No estouro da crise financeira, as maledicências sobre economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à velocidade da peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto, os que fracassaram em suas antecipações já sobem o tom de suas arrogâncias e voltam a trovejar sua cambaleante sabedoria.

A reputação dos economistas e o prestígio de sua arte de antecipar tendências variam na mesma direção dos ciclos do velho, resistente, mas talvez nem tão surpreendente capitalismo. Quando os negócios vão bem, as previsões mais otimistas são ultrapassadas por resultados formidáveis. É a festança dos consultores: o noticiário da mídia não consegue oferecer espaço suficiente para os profetas e oráculos da prosperidade eterna. Na era da informação a coisa é ainda pior: em tempo real, os meios eletrônicos regurgitam uma fauna variada de palpiteiros e adivinhões. Todos ou ao menos a maioria tratam de insuflar a bolha de otimismo.

Quando desabou a tormenta, as certezas dos analistas mais certeiros entraram em colapso. Em pleno estado de oclusão mental diante da derrocada dos preços dos ativos e da violenta contração do crédito, um gênio da finança global proclamava na televisão: “Os investidores são racionais, mas estão em pânico”. Imaginei que antes da emboscada do subprime e de outros créditos alavancados, os investidores racionais estivessem apenas no exercício de sua peculiar racionalidade.

O pânico dos mercados induziu à pane na razão. O ineditismo dos acontecimentos abalroou seus modelos e fez naufragar suas previsões. Desconcertados, os sábios de ontem embarcam em hipóteses exóticas e peregrinas, como as que atribuem responsabilidade aos devedores Ninja (No income, no job, no asset), gente irresponsável que não deveria aceitar os empréstimos gentilmente oferecidos por bancos generosos. Ainda na quarta-feira 13, o republicano da Flórida, Marco Rubio, descarregou a culpa da crise no governo e nos políticos que estimularam os créditos predatórios.

Em sua crueldade, as maledicências maltratam a labuta persistente dos economistas acadêmicos, sempre dedicados à construção de teorias e modelos sofisticados (lembro que sofisticado vem de sophoi, cognato de sofista) que em vez de explicar como funcionam as engrenagens do capitalismo, cuidam zelosamente de falsificar seu modo de funcionamento.

O economista Willem Buiter desancou a revolução novo-clássica das expectativas racionais, associada aos nomes de Robert Lucas e Thomas Sargent, entre outros. A teoria econômica, diz ele, “tornou-se autorreferencial… impulsionada por uma lógica interna e por quebra-cabeças estéticos, em vez de motivada pelo desejo de compreender como a economia funciona… Assim, os economistas profissionais estavam despreparados quando a crise eclodiu”.

Nos idos de 2009 relatei aos leitores de CartaCapital uma proeza de Robert Lucas que  exibe em suas prateleiras acadêmicas o Prêmio Nobel. Em setembro de 2007, Lucas publicou no Wall Street Journal o artigo “Hipotecas e Política Monetária” (“Mortgage and Monetary Policy”). Àquela altura do campeonato, o preço das residências despencava com grande estrondo. Até mesmo os mais fanáticos crentes na  eficiência dos mercados estariam incomodados com o barulho, para não falar da pulga que percorria insistemente a parte posterior de suas respeitáveis orelhas. Suspeito que Lucas tenha baixa sensibilidade nesta região do corpo humano. Mas ele não é apenas um crente, é um sacerdote.

Escreveu no Journal: “Sou cético a respeito do argumento que sustenta haver risco de contaminação de todo o mercado de hipotecas pelos problemas surgidos na faixa subprime. Tampouco acredito que a construção residencial possa ser paralisada e que a economia vá deslizar para uma recessão. Cada passo nessa cadeia de argumentação é questionável e nada foi quantificado. Se aprendemos alguma coisa da experiência dos últimos 20 anos é que há muita estabilidade embutida na economia real”.

As recomendações e análises dos economistas (inclusive as minhas), mesmo quando prestadas em boa fé, estão eivadas de valorações e pressupostos não revelados, para não falar de ostentações de rigor e cientificidade incompatíveis com a natureza do objeto investigado. Esse incidente, o desacordo entre o método de investigação e a natureza do objeto investigado, é quase sempre ignorado pelos praticantes da Ciência Triste. Isso não lança necessariamente dúvida sobre a honestidade intelectual dos economistas, mas os obriga a explicitar as “visões” (como dizia Schumpeter) que antecedem e fundamentam suas análises. Essas cautelas tornam-se ainda mais imperiosas quando as sabedorias dos interesses subjugam os interesses pelo conhecimento.

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