Sociedade

O exemplo francês

A experiência do país que recebeu a Copa de 1998 e se prepara para sediar a Eurocopa de 2016, mostra os desafios para garantir retorno dos alto investimentos

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De Paris

O futebol pode mover o coração dos brasileiros, mas dificilmente conseguirá movimentar sozinho as finanças das arenas construídas para a Copa de 2014. A experiência francesa, que recebeu a Copa de 1998 e se prepara para sediar a Eurocopa de 2016, mostra que mesmo em cidades onde o esporte tem grande apelo ao público, é um desafio promover jogos em estádios sem clube residente ou garantir retorno do alto investimento apenas com a bilheteria dos jogos de um time. Tampouco há receita certa de fontes de renda alternativas, o que levanta dúvidas sobre a afirmação dos organizadores brasileiros da Copa de que em cidades sem espectadores para lotar arenas de 40 mil lugares seria suficiente realizar shows e eventos corporativos.

 

 

Na França, o Stade de France, construído para a Copa de 1998 com um investimento de 364 milhões de euros, recebe poucos jogos de futebol e se mantém com a bilheteria do rúgbi e de shows. Principal aposta do país para a Eurocopa de 2016, o Grand Stade de Lille Métropole, no norte da França, foi erguido para ser a maior sala de espetáculos da Europa, com truques de engenharia que fecham completamente a sua cobertura e deslocam o gramado para a instalação de um palco de teatro. Também é o estádio do Lille Olympique Sporting Club (Losc), time de futebol da cidade. Mesmo com a busca de rendas alternativas ao futebol, o governo francês tem optado por contratos de Parceria Público-Privadas (PPP), que garantem aportes públicos e compensação ao investidor em caso de prejuízo.

“A questão sobre a viabilidade econômica dos estádios exigidos para os grandes eventos esportivos é a mesma em todo o mundo, pois demandam muito dinheiro. Apenas com o tempo é que vamos ver se o modelo de PPP foi melhor ou mais oneroso para os contribuintes”, diz a ministra de Esportes da França, Valérie Fourneyron. A França gastou o equivalente a 5 bilhões de reais em dez estádios para a Copa de 1998 e investirá outros 1,7 bilhão de euros (quase 6 bilhões de reais) em dez arenas para a Eurocopa de 2016. No Brasil, a construção e a reforma de 12 estádios para 2014 custarão 6 bilhões de reais.

Em visita guiada ao Stade de France, o espetáculo é do futebol. O esporte que deu o título à França em 1998 contra o Brasil não é, porém, o mais forte na arena. Dos 27 eventos realizados no estádio em 2012, apenas cinco foram partidas da seleção francesa, garantidos por contrato com a federação. Uma das principais fontes de receita vem de outro esporte popular no país, o rúgbi. Foram 13 jogos realizados em 2012, mas a Federação de Rúgbi quer construir um estádio próprio, o que retiraria seus jogos do Stade de France a partir de 2018. Restam os shows e eventos corporativos nos 20 salões com capacidade para 10 mil espectadores.

O custo anual da arena varia de 10 milhões a 15 milhões de euros, além do valor investido na construção. O faturamento com bilheteria de novembro de 2011 a novembro de 2012 foi de 90 milhões de euros, suficiente para cobrir os gastos da promoção dos eventos. As bilheterias de shows geraram 19,9 milhões de euros, o que garantiu à arena o sexto lugar no ranking de maior faturamento com shows no mundo. A saída pode ser, no entanto, complicada em cidades brasileiras de menor porte e sem atrativo turístico.

“Sempre buscamos a diversificação das fontes de receitas como forma de manter a arena, e caso a gente perca o rúgbi, vamos desenvolver outro modelo que compense”, diz Matthieu Barnay, diretor de marketing do consórcio administrador, formado pelas construtoras Vinci e Bouygues, sem se arriscar a dizer qual seria o modelo. Segundo ele, até o momento a companhia tem conseguido fechar as contas no azul, mas caso ocorra alguma dificuldade, o contrato prevê uma compensação do governo francês. A arena possui 80 mil lugares e teve 52% de seu investimento financiado pelo setor público, que será pago até o meio do ano.

Assim como o Stade de France, a maioria dos estádios brasileiros que receberão jogos da Copa de 2014 não tem clube residente, o que prenuncia o risco de receberem poucos jogos de futebol após a Copa. O Castelão, em Fortaleza, é um deles. Primeira arena a ser entregue, em dezembro de 2012, ela tem sofrido a resistência dos maiores times do estado (Ceará e Fortaleza) em assinar contrato de parceria para a realização de seus jogos lá. As diretorias dos clubes alegam que o custo é alto e exige público de ao menos 30 mil torcedores para compensar. O Mineirão, em Belo Horizonte, conseguiu firmar contrato de fidelização com o Cruzeiro, que garante ao clube a renda da bilheteria dos jogos sem o pagamento de aluguel. Em dias de jogo, a receita do consórcio Minas Arena, que administra o estádio, virá dos bares, restaurantes e lojas. Os únicos estádios que possuem clube residente são a Arena Corinthians, do time homônimo, em São Paulo, a Arena da Baixada, do Atlético Paranaense em Curitiba, e o Beira-Rio, do Internacional de Porto Alegre.

 

 

No caso do Grand Stade de Lille, parte da renda do concessionário é garantida pelo aluguel de 6 milhões de euros pago anualmente pelo Losc, que em contrapartida fica com a receita de bilheteria dos jogos e assume as despesas do dia de uso. Ao mesmo tempo, a Eiffage Lille Stadium Arena (Elisa), construtora do estádio e administradora por 30 anos, precisa se adaptar ao calendário de jogos para desenvolver as atividades extras. “Temos de realizar 15 eventos por ano para fechar a conta”, diz Bertrand d’Herouville, presidente da Elisa. Segundo o executivo, o estádio custa 21 milhões de euros ao ano, dos quais 15 milhões são repassados pelo parceiro público, incluído o aluguel do Losc. Os demais eventos precisam garantir os 6 milhões restantes. Caso o valor seja ultrapassado, o lucro é repartido com o parceiro público.

O estádio tem capacidade de 50 mil lugares e custou 324 milhões de euros. Em julho deste ano, receberá o primeiro grande show, da cantora pop Rihanna. Nos planos do concessionário está a realização de óperas no local. No fim do contrato, a arena irá para as mãos de um consórcio de municípios da região que forneceu o terreno, investiu na infraestrutura de acesso e assumiu o risco de cobrir eventuais prejuízos. Diferentemente do modelo da Arena Corinthians, que apesar dos incentivos públicos, os retornos esperados para a cidade de São Paulo são relacionados à geração de renda, emprego e impostos.

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