Economia

Dólar começa a estimular produção e vendas externas

Os mais recentes dados de produção industrial e balança comercial trazem um certo alento diante da recessão

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As divergências no campo da economia sempre foram muitas e se acirram em momentos de crise. O Brasil amargou uma retração econômica de 3,8% em 2015 e os indicadores de atividade mostram que foi um ano perdido. Crescentes apenas a inflação e a cotação do dólar.

Com isso, um racha: de um lado os economistas que acreditam no controle da inflação a qualquer preço e temem a valorização do dólar por seu efeito sobre os preços. Do outro lado estão os que apostam num equilíbrio, com a ideia de que um dólar mais alto significa mais receita das exportações, mais produção industrial e emprego e a possibilidade de servir como combustível para a recuperação. Além disso, acreditam, demanda e oferta ajustadas não pesariam sobre a inflação.

Mas o que esse dólar rondando os 4 reais pode fazer pela economia?

O economista André Nassif, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembra que já há o consenso de que um longo período de câmbio apreciado em países em desenvolvimento é ruim para o crescimento e afeta a produtividade.

Nassif é um dos autores do artigo Um modelo estruturalista-keynesiano de determinação da taxa de câmbio real “ótima” para o desenvolvimento econômico brasileiro: 1999-2015. O nome é complicado, mas a conclusão é simples: a taxa de câmbio “ótima” para a economia brasileira em dezembro de 2015 deveria ser R$ 4,02, resultado bastante próximo à taxa daquele mês (R$ 3,90) e exatamente igual à média da primeira quinzena de janeiro de 2016 (R$ 4,02).

Os números divergem da trajetória de real forte registrada de 2004 a 2015. Em abril de 2011, por exemplo, o dólar “ótimo” era R$ 2,90, contra uma taxa de câmbio média de R$ 1,59, diferença de 82%.

E foi assim que o dólar rodou na maior parte do tempo desde a estabilização que veio com o Plano Real. Esse câmbio “ótimo”, ou competitivo, é calculado por modelos matemáticos que geram um número que seria aquele capaz de distribuir de forma eficiente os recursos da economia para os setores que podem, por sua vez, redistribuir produtividade, acelerando e sustentando o desenvolvimento econômico.

Ou seja: um número de equilíbrio capaz de estimular as exportações (e os efeitos disso), mas sem pressionar demais os preços, o que geraria uma inflação acima do razoável.

Alegria do viajante, desespero do exportador

Se o dólar barato ao qual o brasileiro se acostumou até o começo de 2015 facilita a viagem de férias para o exterior e a compra de importados, o efeito para a indústria pode ser nocivo. E isso acontece não só diante da volatilidade natural de um câmbio flutuante, mas pelos efeitos de longo prazo. Principalmente pela falta de ânimo do empresário em investir.

Afinal, se ele não consegue competir no mercado internacional e vê o interno recebendo produtos importados mais baratos, qual seria o sentido de investir e ampliar sua produção?

É claro que nem tudo é culpa do dólar. O Brasil tem problemas de competitividade em diversas frentes, como a carga tributária, os juros elevados e altos custos com logística. Mas também não é difícil fazer um paralelo entre dólar baixo, indústria e exportações.

Ainda segundo Nassif, na última década a apreciação cambial destruiu cadeias produtivas inteiras, substituídas por importados. “O que o câmbio mais alto faz é promover, onde for possível, uma substituição de importação.”

Já houve uma regressão na estrutura industrial e isso é preocupante porque a indústria, comparada aos demais setores, é o que tem maior nível de produtividade e de poder de propagar seus ganhos para o restante da economia. “É uma indústria que perdeu musculatura”, define. 

Mas e a inflação?

É consenso entre boa parte das linhas de pensamento econômico que o desenvolvimento se sustenta quando um país tem inflação estável, juros reais menores que o retorno sobre o capital, salários que aumentem com a produtividade e uma taxa de câmbio considerada competitiva.

Dentre todas essas variáveis, porém, os economistas da linha estruturalista, como Nassif, defendem que a taxa de câmbio é o item mais importante, justamente porque ela exerce influência sobre todos os demais, inclusive a inflação. 

No Brasil, a condução da política econômica é centrada em inflação e taxa de juros, com o câmbio tratado como variável de menor importância. O problema para nós e para as demais economias em desenvolvimento é que existe uma tendência crônica à apreciação. A moeda é ciclicamente valorizada e quando há correção pelo mercado ela ocorre de forma abrupta.

É aí que mora o perigo, na opinião de Nassif. “Não acho que o dólar mais alto é nocivo por causa da inflação. O que eu acho é que um ajuste cambial violento vai produzir um impacto inflacionário no curto prazo. Mas, uma vez que esse impacto é absorvido pelo sistema econômico, o efeito no longo prazo é benéfico.”

Mais: quando o dólar sobe há um impacto imediato na inflação. E quando os preços sobem, mas o salário nominal fica constante, o salário real cai.

 

Isso ajuda a contrair a demanda, levando a economia a desacelerar se estiver crescendo ou a uma leve recessão. Mas, segundo o economista, no longo prazo isso purga a economia e tende a estimular o investimento físico e o investimento em inovação.

João Luiz Mascolo, professor do MBA Executivo do Insper, tem posição divergente. Para ele, o efeito do dólar alto é perverso para a inflação. “Da mesma forma que o câmbio estimula a exportação, dificulta a importação. A consequência natural disso é que a inflação fica mais pressionada.”

Mascolo acredita só ser possível conviver bem com a atual cotação da moeda norte-americana se a economia brasileira estivesse com as demais variáveis em ordem, como política monetária e política fiscal o que, na sua opinião, não acontece.

Segundo Mascolo, para que o câmbio desvalorizado beneficie o crescimento, sem o efeito colateral da inflação, o dólar alto precisaria ter o amparo das políticas fiscal e monetária. “Só o câmbio, com essa política monetária frouxa, acaba batendo na inflação”, critica. “Para aproveitar bem os benefícios teria que haver também o ajuste fiscal”, defende.

Alento à vista

O dólar mais caro pode estar dando os primeiros resultados para a produção. O superávit da balança comercial em fevereiro foi o maior para o mês desde o início da série histórica, em 1989, e somou US$ 3,043 bilhões.

As importações caíram 34,6%, enquanto as exportações, em uma inversão do movimento dos últimos 17 meses, cresceram 4,6%. Movimento semelhante aconteceu em março, com superávit de US$ 4,43 bilhões, também o melhor da série. Mas, diferentemente de fevereiro, as exportações também caíram.

No mês passado as vendas ao exterior somaram US$ 15,99 bilhões, queda de 5,5% ante março de 2015. As compras, por sua vez, caíram 30%, para US$ 11,55 bilhões, segundo os dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) na última sexta-feira. 

A produção industrial cresceu 0,4% em janeiro ante dezembro de 2015, na série livre de influências sazonais, interrompendo um período de sete meses de quedas, com perda acumulada de 8,7%. Comparado com janeiro de 2015, porém, o número ainda é amargo: queda de 13,8%, segundo os últimos dados divulgados pelo IBGE. 

Os dados ainda não podem ser considerados como recuperação, mas sim como o fim da trajetória de queda. Lembrando que as projeções para a economia em 2016 ainda são bastante preocupantes, com nova retração de quase 4%. 

Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), reforça que a melhora da produção industrial ainda é pontual. “São variações positivas, com ajuste sazonal, frente ao mês imediatamente anterior, dados que costumam ser mais voláteis”, afirma.

“Existem pequenas sutilezas de um mês para o outro que não indicam tendência. Entretanto, se alguma tendência de reversão de estabilização da queda começar a aparecer, ela aparece primeiro nessas variações.” Para Cagnin, foi um dado positivo, sem sombra de dúvidas, mas ainda é preciso tempo para avaliar exatamente o que está acontecendo.

Quando o assunto é balança comercial, os dados podem ser mais animadores pois, setorialmente, há queda das importações ao longo dos meses e não só em fevereiro. O economista do Iedi cita vestuário e calçados, muito penalizados ao longo da última década com a entrada de produtos importados a preços baixos.

Nesses casos, o economista já vê um início de processo de substituição de importação. “São setores menos complexos, com capacidade de produção, e a reação a essa nova taxa de câmbio pode vir mais rapidamente. São setores muito castigados por uma taxa de câmbio fora do lugar nos anos passados. Quando se tem um câmbio um pouquinho melhor já conseguem traçar estratégias de reconquista do mercado perdido.”

Do ponto de vista das exportações, porém, os resultados são mais preliminares e ainda não é possível verificar uma tendência de recuperação. “Mas não deixa de ser positivo, porque a tendência começa com dados preliminares”, avalia Cagnin. 

Previsões, no entanto, ainda não existem. Por um lado, se aposta muitas fichas na alta do dólar por falta de outras fichas, colocando a ampliação das exportações como a salvação. “Tenho dúvidas a respeito disso porque não há milagre”, acredita Cagnin. Para ele, a economia brasileira ainda é relativamente fechada, com sua a produção majoritariamente voltada ao mercado interno.

Assim, mesmo que as exportações cresçam com o câmbio favorável, elas por si só não serão capazes de puxar a indústria brasileira inteira. “Sem uma recuperação da demanda interna fica realmente muito difícil reverter o quadro atual”, pontua.

Pesa ainda o ritmo de crescimento da economia global. Há acirramento de concorrência em todo o mundo, com todos os países tentando reaquecer suas economias. “Por definição isso é impossível, pois a exportação de um é a importação do outro”, conclui o economista do Iedi.

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