Diversidade

Sob pressão da bancada evangélica, Supremo decide se homofobia é crime

Ações pedem que preconceito seja punido como racismo, com pena de um a cinco anos de prisão

(Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil)
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Embora o Brasil seja apontado internacionalmente como um dos países que mais mata gays, lésbicas e trans no mundo, homofobia e transfobia não são consideradas crimes no país. Nesta quarta-feira 13 o STF (Supremo Tribunal Federal) dá início ao julgamento de duas ações para que este tipo de preconceito seja punido criminalmente.

Uma delas foi enviada à suprema corte pelo PPS (Partido Popular Socialista) e a outra pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). Elas pedem que o STF reconheça, em um primeiro momento, que a omissão do Congresso Nacional em legislar sobre a criminalização da homofobia e transfobia viola a Constituição Federal de 1988.

Se isso for feito, a suprema corte deverá estabelecer um prazo para que o Congresso faça a discussão, e indicar parâmetros jurídicos para a questão até que isso ocorra. Elas pedem ainda que a homofobia e a transfobia sejam consideradas crime de racismo, descrito na lei 7.716/89 com penas de um a cinco anos de prisão.

Homofobia e racismo

O advogado e representante das duas entidades, Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, afirma que as ações se baseiam em uma teoria do próprio STF de que racismo é qualquer ideologia ou conduta que pregue a inferiorização de um grupo social em relação a outro. Nesse caso, o crime seria enquadrado em uma lei já existente, sem a necessidade da formulação de uma nova.

O professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto e pesquisador das relações entre justiça e questões LGBT Alexandre Bahia, explica que a ideia defendida nas ações é a de que a violência específica (homofobia) que existe contra um grupo específico (LGBT) exige igualmente uma punição específica. Hoje isso não ocorre.

Leia também: Adiamento de ADO de criminalização de homofobia mostra omissão do STF

A tese defendida pelas ações acusam ainda o descumprimento do Brasil em acordos internacionais firmados com organizações como as Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Esses acordos determinam que os países são responsáveis por criar mecanismos próprios para a proteção dos LGBT contra a violência.

(Foto: Tiago Mazza Chiaravalloti)

Segundo o relatório 2018 do Grupo Gay da Bahia, 420 pessoas LGBT foram mortas no Brasil. Desse total, 29% morreram por armas de fogo, 49% na rua e apenas 6% dos crimes tiveram criminosos identificados. O Disque 100, que recebe denúncia de violações aos direitos LGBT, contabilizou até junho de 2018 713 denúncias.

A metodologia utilizada para contabilizar casos de violência no Brasil é imprecisa, levando em conta que as entidades fazem levantamentos independentes e baseados no que foi veiculado na mídia.

Conjuntura política

Leia também: Criminalizar a homofobia é mesmo o melhor caminho?

O STF já assumiu o protagonismo, em outros momentos, de promoção da cidadania LGBT, como no caso casamento de pessoas do mesmo sexo e do direito de uso do nome social para pessoas trans. A conjuntura política e social era outra.

Para o professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Renan Quinalha, ainda não está clara quais são as relações do governo Bolsonaro com o STF, o que deve contar no resultado do julgamento.

Ele acredita que a tendência é que o Supremo indique a omissão do Congresso em legislar sobre o tema e determine parâmetros, mas não embarque na ideia de racismo social. O professor aponta ainda que o STF não é o local mais adequado para discutir o assunto, mas é hoje, em função da conjuntura política, o único espaço possível.

“O crescimento da bancada fundamentalista religiosa junto com um governo extremamente conservador, que usa a questão LGBT como espantalho moral para implementar a sua agenda, fez da Justiça a único refúgio de garantia dos direitos fundamentais. Agora vamos saber se o STF vai ter disposição ou não de comprar briga e afirmar a cidadania LBGT no Brasil”, afirma Quinalha.

Membros da bancada evangélica, entre eles o deputado federal  Sóstenes Cavalcante (DEM), pediram uma reunião o presidente do Supremo, o ministro Dias Toffoli, para que a sessão seja adiada. Cavalcante afirmou que Toffoli fez um compromisso com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que não pautaria nada que fosse assunto legislativo. O grupo do deputado defende que as ações interferem na liberdade de expressão religiosa. Advogados ligados ao religiosos devem falar hoje na sessão.

O que ocorrerá nesta quarta-feira é, portanto, o julgamento em si das ações, e não uma discussão prévia sobre o assunto, como no caso da ADPF 442, que discutiu em 2018 a descriminalização do aborto.

Colaborou Giovanna Galvani*

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