Cultura

Uma política cultural para São Paulo

A difusão da cultura espelha o processo de segregação social da cidade

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São Paulo tem por vocação ser polo internacional de cultura. A criatividade de seu povo, assim como o alto nível de sua vida intelectual, não justifica o isolamento da cidade em relação aos eixos globais de produção de cultura. Há, na cidade, uma vibração que não encontra forma, uma potência que não circula, e muito disso deve ser creditado à ausência de algo que poderíamos chamar de “política cultural”.

Durante anos, a prefeitura não foi capaz de colocar de pé uma política cultural digna deste nome, que não se resumisse à organização de eventos esparsos. Ela abdicou de pensar uma visão integrada capaz de contemplar, de maneira ousada, exigências de formação para a cultura, de difusão da produção, de fomento contínuo, de preservação de patrimônios material e imaterial, assim como de criação de bases de informação de dados sobre a cultura da cidade.

São Paulo precisa, por exemplo, de uma política clara de formação para a cultura que não seja simplesmente um subsetor da assistência social ou da qualificação técnica para aquilo que alguns não temem em chamar de “economia criativa”. O Brasil considera-se um país musical. Bem, Paris tem um grande conservatório público por bairro. Quantos conservatórios públicos tem São Paulo? Se um adolescente de Parelheiros quiser ser ator de teatro e ter uma boa formação de longa duração, ele encontrará um serviço público funcionando de maneira conveniente a seu alcance? Esses exemplos demonstram como São Paulo precisa de um conjunto de escolas municipais de artes que ofereçam não apenas oficinas, mas cursos de longa duração de música, teatro, dança, audiovisual, artes plásticas e literatura.

Por outro lado, percebam como a difusão da produção ­cultural em São Paulo espelha claramente o processo de segregação social ao qual a cidade está submetida. Há bairros, como Cidade Ademar, que nem sequer têm uma pequena biblioteca pública. Se não fossem os CEUs, com suas estruturas multifuncionais, bairros inteiros não teriam nada parecido a um teatro ou a uma sala para projeção de filmes.

Apesar de ser uma das maiores megalópoles do mundo, São Paulo tem hoje apenas dois centros culturais públicos: o Centro Cultural Vergueiro e o Ruth Cardoso. Na verdade, nos últimos anos, foi o Sesc que acabou funcionando como a verdadeira Secretaria da Cultura, construindo espaços em vários bairros da cidade. Uma verdadeira política cultural preocupada com a difusão passa pela retomada da construção de centros culturais que possam ter parte de sua gestão na mão de coletivos de artistas. Um conjunto de centros culturais poderia desenvolver uma ação de difusão em rede que permitiria a melhor circulação da cultura entre centro e periferia. Se as escolas de artes funcionassem no mesmo espaço que os centros culturais, teríamos aparelhos públicos de uso contínuo e de alta circulação.

A preocupação com a ­difusão da produção cultural passa ainda pela recuperação das bibliotecas públicas de São Paulo, muitas em condição lastimável. Enquanto o Rio de Janeiro inova construindo bibliotecas, parque de acesso imediato aos livros, espaço multifuncional, acervo grande e atualizado, São Paulo patina. A cidade poderia aprender, no entanto, com Santiago do Chile a abrir suas bibliotecas até a meia-noite, nos sábados e domingos, dando à sua população uma bela opção para o tempo livre. Se seu acervo fosse atualizado, a população não precisaria mais transformar livrarias em centros de leitura.

Como não inovou na política de editais de fomento ou pensou em maneiras de integrar pessoas físicas no processo de subvenção da cultura (como queria o então ministro da Cultura Celso Furtado em seu primeiro projeto de isenção de impostos para a cultura que deu na famosa Lei Sarney), a cidade ainda depende, em larga medida, da decisão de departamentos de marketing de grandes empresas para definir, por meio das distorções da Lei Rouanet, como a produção cultural será financiada. Com mais ousadia, poderíamos ter políticas robustas de bolsas para jovens artistas que teriam, assim, mais autonomia criativa.

Há pouco, vimos o tipo de absurdo que tal dependência em relação aos departamentos de marketing pode criar. Uma empresa de telefonia anulou a exposição de uma das fotógrafas mais importantes da atualidade, Nam Goldin, por entender que suas fotos eram “inapropriadas”. Eis um tipo de ditadura que ninguém precisa.

Como se vê, a quantidade de ações que São Paulo espera no campo da cultura não é pequena. Elas poderiam mudar em definitivo um aspecto fundamental da nossa vida urbana.

São Paulo tem por vocação ser polo internacional de cultura. A criatividade de seu povo, assim como o alto nível de sua vida intelectual, não justifica o isolamento da cidade em relação aos eixos globais de produção de cultura. Há, na cidade, uma vibração que não encontra forma, uma potência que não circula, e muito disso deve ser creditado à ausência de algo que poderíamos chamar de “política cultural”.

Durante anos, a prefeitura não foi capaz de colocar de pé uma política cultural digna deste nome, que não se resumisse à organização de eventos esparsos. Ela abdicou de pensar uma visão integrada capaz de contemplar, de maneira ousada, exigências de formação para a cultura, de difusão da produção, de fomento contínuo, de preservação de patrimônios material e imaterial, assim como de criação de bases de informação de dados sobre a cultura da cidade.

São Paulo precisa, por exemplo, de uma política clara de formação para a cultura que não seja simplesmente um subsetor da assistência social ou da qualificação técnica para aquilo que alguns não temem em chamar de “economia criativa”. O Brasil considera-se um país musical. Bem, Paris tem um grande conservatório público por bairro. Quantos conservatórios públicos tem São Paulo? Se um adolescente de Parelheiros quiser ser ator de teatro e ter uma boa formação de longa duração, ele encontrará um serviço público funcionando de maneira conveniente a seu alcance? Esses exemplos demonstram como São Paulo precisa de um conjunto de escolas municipais de artes que ofereçam não apenas oficinas, mas cursos de longa duração de música, teatro, dança, audiovisual, artes plásticas e literatura.

Por outro lado, percebam como a difusão da produção ­cultural em São Paulo espelha claramente o processo de segregação social ao qual a cidade está submetida. Há bairros, como Cidade Ademar, que nem sequer têm uma pequena biblioteca pública. Se não fossem os CEUs, com suas estruturas multifuncionais, bairros inteiros não teriam nada parecido a um teatro ou a uma sala para projeção de filmes.

Apesar de ser uma das maiores megalópoles do mundo, São Paulo tem hoje apenas dois centros culturais públicos: o Centro Cultural Vergueiro e o Ruth Cardoso. Na verdade, nos últimos anos, foi o Sesc que acabou funcionando como a verdadeira Secretaria da Cultura, construindo espaços em vários bairros da cidade. Uma verdadeira política cultural preocupada com a difusão passa pela retomada da construção de centros culturais que possam ter parte de sua gestão na mão de coletivos de artistas. Um conjunto de centros culturais poderia desenvolver uma ação de difusão em rede que permitiria a melhor circulação da cultura entre centro e periferia. Se as escolas de artes funcionassem no mesmo espaço que os centros culturais, teríamos aparelhos públicos de uso contínuo e de alta circulação.

A preocupação com a ­difusão da produção cultural passa ainda pela recuperação das bibliotecas públicas de São Paulo, muitas em condição lastimável. Enquanto o Rio de Janeiro inova construindo bibliotecas, parque de acesso imediato aos livros, espaço multifuncional, acervo grande e atualizado, São Paulo patina. A cidade poderia aprender, no entanto, com Santiago do Chile a abrir suas bibliotecas até a meia-noite, nos sábados e domingos, dando à sua população uma bela opção para o tempo livre. Se seu acervo fosse atualizado, a população não precisaria mais transformar livrarias em centros de leitura.

Como não inovou na política de editais de fomento ou pensou em maneiras de integrar pessoas físicas no processo de subvenção da cultura (como queria o então ministro da Cultura Celso Furtado em seu primeiro projeto de isenção de impostos para a cultura que deu na famosa Lei Sarney), a cidade ainda depende, em larga medida, da decisão de departamentos de marketing de grandes empresas para definir, por meio das distorções da Lei Rouanet, como a produção cultural será financiada. Com mais ousadia, poderíamos ter políticas robustas de bolsas para jovens artistas que teriam, assim, mais autonomia criativa.

Há pouco, vimos o tipo de absurdo que tal dependência em relação aos departamentos de marketing pode criar. Uma empresa de telefonia anulou a exposição de uma das fotógrafas mais importantes da atualidade, Nam Goldin, por entender que suas fotos eram “inapropriadas”. Eis um tipo de ditadura que ninguém precisa.

Como se vê, a quantidade de ações que São Paulo espera no campo da cultura não é pequena. Elas poderiam mudar em definitivo um aspecto fundamental da nossa vida urbana.

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