Cultura

Um prazer incômodo

A sedução pela intensidade marca o cinema de Abel Ferrara, cujo a obra ganha retrospectiva no CCBB de SP

Nunca a indiferença. Abel Ferrara no set de Os Chefões (1996)
Apoie Siga-nos no

Por Orlando Margarido

Ainda que não tenha sido essa a intenção, o Festival de Veneza de 2009 deu prova inquestionável do quanto é único ser Abel Ferrara. Exibido ali, Vício Frenético mostrou-se uma refilmagem pífia, para dizer o mínimo, do título homônimo do diretor americano realizado em 1992. Isso para considerar que quem assina o projeto é ninguém menos que Werner Herzog. E o que falta ao filme? Potência e coragem de romper, ultrapassar limites,   incomodar. Tudo sobre o que Ferrara parece naturalmente se empenhar há três décadas.

A partir de quarta 25, um ciclo permite constatar a falta de equivalência de Ferrara no cinema mundial. Uma retrospectiva completa acontece no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo com a presença do realizador para um debate no dia da abertura, às 13 horas. Faltará apenas, entre seus 24 longas, o mais recente, 4:44 Last Day on Earth, visão um tanto carente da audácia do diretor sobre o dia e hora do fim do mundo.

Ferrara,  como todo cineasta longevo, também se marca pela qualidade variável. Mas nunca pela indiferença. Seus temas prediletos exigem disposição do espectador para o confronto. A religião da intensidade, referência de título da mostra, pode ser o cristianismo que redime personagens atormentados como os protagonistas de O Assassino da Furadeira, a estreia de 1979, e Sedução e Vingança (1981), sobre jovem  muda vítima de estupro que persegue homens e se fantasia de freira. Muitas vezes estará associada ao desequilíbrio, como em Cidade do Medo (1984), referência da psicopatia numa assustada Manhattan que se impõe no gênero a partir de então pelos requintes de crueldade. Em seguida, Ferrara filmará uma versão à moda de Los Angeles em The Gladiator, na qual um carro se torna máquina assassina.

Também de obsessões se vale o diretor, a exemplo da atriz que interpreta Maria Madalena a ponto de tornar-se a própria em Maria (2005). Ainda será a religiosidade, de um católico assumido, o retiro de viciados e policiais corruptos, soma angustiada no personagem de Harvey Keitel em Vício Frenético. Ferrara justifica, assim, a apologia da justiça pelas próprias mãos no inferno das cidades americanas, como lembra o crítico Jean Tulard, bem a propósito de O Rei de Nova York (1993), Os Chefões (1996), Gangues do Gueto (2001) ou Go Go Tales (2007). Para quem gosta de buscar na biografia sugestões, a criação católica no Bronx, Nova York, por uma família italiana e irlandesa pode dar sentido a muita coisa.

Por Orlando Margarido

Ainda que não tenha sido essa a intenção, o Festival de Veneza de 2009 deu prova inquestionável do quanto é único ser Abel Ferrara. Exibido ali, Vício Frenético mostrou-se uma refilmagem pífia, para dizer o mínimo, do título homônimo do diretor americano realizado em 1992. Isso para considerar que quem assina o projeto é ninguém menos que Werner Herzog. E o que falta ao filme? Potência e coragem de romper, ultrapassar limites,   incomodar. Tudo sobre o que Ferrara parece naturalmente se empenhar há três décadas.

A partir de quarta 25, um ciclo permite constatar a falta de equivalência de Ferrara no cinema mundial. Uma retrospectiva completa acontece no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo com a presença do realizador para um debate no dia da abertura, às 13 horas. Faltará apenas, entre seus 24 longas, o mais recente, 4:44 Last Day on Earth, visão um tanto carente da audácia do diretor sobre o dia e hora do fim do mundo.

Ferrara,  como todo cineasta longevo, também se marca pela qualidade variável. Mas nunca pela indiferença. Seus temas prediletos exigem disposição do espectador para o confronto. A religião da intensidade, referência de título da mostra, pode ser o cristianismo que redime personagens atormentados como os protagonistas de O Assassino da Furadeira, a estreia de 1979, e Sedução e Vingança (1981), sobre jovem  muda vítima de estupro que persegue homens e se fantasia de freira. Muitas vezes estará associada ao desequilíbrio, como em Cidade do Medo (1984), referência da psicopatia numa assustada Manhattan que se impõe no gênero a partir de então pelos requintes de crueldade. Em seguida, Ferrara filmará uma versão à moda de Los Angeles em The Gladiator, na qual um carro se torna máquina assassina.

Também de obsessões se vale o diretor, a exemplo da atriz que interpreta Maria Madalena a ponto de tornar-se a própria em Maria (2005). Ainda será a religiosidade, de um católico assumido, o retiro de viciados e policiais corruptos, soma angustiada no personagem de Harvey Keitel em Vício Frenético. Ferrara justifica, assim, a apologia da justiça pelas próprias mãos no inferno das cidades americanas, como lembra o crítico Jean Tulard, bem a propósito de O Rei de Nova York (1993), Os Chefões (1996), Gangues do Gueto (2001) ou Go Go Tales (2007). Para quem gosta de buscar na biografia sugestões, a criação católica no Bronx, Nova York, por uma família italiana e irlandesa pode dar sentido a muita coisa.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo