Cultura

Selva de pedra

São Paulo é feia e tudo está errado por aqui. Mas gostamos dela mesmo assim

São Paulo é uma cidade feia. Mas fecho a janela do meu apartamento para a chuva não entrar e coloco pra rodar mais uma vez uma velha canção de Tom Zé que diz assim: “Apesar de todo defeito/Te carrego no meu peito/São, São Paulo meu amor!” Foto: Antônio Milena/ABr
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São nove horas da manhã de uma segunda-feira. Com um olhar de Jack Kerouac fotografado por Allen Ginsberg nas escadas do East Village, observo da janela do meu apartamento os relâmpagos que desabam sobre a cidade onde moro há mais de três décadas. Os trovões chegam logo em seguida fazendo com que as pessoas que passam lá embaixo corram com medo da tempestade que o céu e o site da meteorologia anunciam.

Não faz muito tempo minha filha disse durante um jantar aqui em casa que cidade para ela morar precisa ter pelo menos 20 milhões de habitantes, 40 shoppings, centenas de salas de cinema e um punhado de restaurantes japoneses que servem todo tipo de combinado. Ela é o retrato-falado da metrópole e não se empolga nem um pouco com a vida rural, com cavalos, leitões, vaquinhas e galinhas.

Acostumou-se com os 150 quilômetros de engarrafamentos, com a poluição e com o medo dos arrastões que está no ar. Toda sexta-feira lê com afinco o Guia da Folha e não abre mão dos shows de rock que pipocam pela cidade. Ela se empolga com as novas drugstores gigantescas que abrem em cada esquina todos os dias e com as academias de ginástica e supermercados abertos 24 horas.

São com esses argumentos que ela me afasta cada vez mais de qualquer tipo de vida pacata. Com mais de 2 milhões de habitantes, Belo Horizonte de repente ficou pequena demais. Curitiba, Floripa, Porto Alegre? Nem pensar, tchau! Minha filha é a cara dessa São Paulo que não dorme sossegada, onde carros circulam a noite toda até quando não há mais nada a fazer nas ruas escuras.

Mas é nessa selva de pedra que cultivamos na varanda do nosso apartamento na Lapa uma pequena horta com manjericão, hortelã, alecrim, seis vasos de orquídeas e um pequeno pé de romã. É lá também que uma rede balança com o vento, um convite à preguiça.

São Paulo é uma cidade feia. As paredes estão pixadas e as árvores frondosas despencando sobre os automóveis. As calçadas são cheias de buracos e a arquitetura é a não-arquitetura, cada um constrói o que lhe convém. Caixotes sem graça convivem na mais confusa harmonia entre prédios inteligentes e modernos com a grife Ohtake. A cidade é cheia de postos de gasolina e de vez em quando aparecem dependuradas nos postes da concha da Shell e da lua oval da Esso faixas de panos anunciando até mesmo liquidação de antibióticos.

Perto da minha casa tem uma pracinha e nessa pracinha a prefeitura plantou várias mudas de maria-sem-vergonha nos canteiros. Elas não duraram uma semana. Enquanto esperavam o ônibus, os moradores do meu bairro pisaram nas Maria-sem-vergonha, sem perceber que elas estavam ali recém plantadas por funcionários da prefeitura.

Últimas crônicas do Villas:

Sinto que está tudo errado por aqui, tudo fora da ordem nessa cidade. Sinto isso quando folheio o número especial de uma revista portuguesa chamada Egoísta dedicado as cidades. Já na carta ao leitor, o editor Mário Assis Ferreira avisa: “A cidade da Egoísta não existe, ela habita tão somente a nossa imaginação. Reside apenas na resposta às nossas interrogações. Depende, inclusive, dos nossos anseios estéticos, literários, filosóficos. Esta cidade é, pois, uma utopia.”

Fecho a janela do meu apartamento para a chuva não entrar e coloco pra rodar mais uma vez uma velha canção de Tom Zé que diz assim: “Apesar de todo defeito/Te carrego no meu peito/São, São Paulo meu amor!”

São nove horas da manhã de uma segunda-feira. Com um olhar de Jack Kerouac fotografado por Allen Ginsberg nas escadas do East Village, observo da janela do meu apartamento os relâmpagos que desabam sobre a cidade onde moro há mais de três décadas. Os trovões chegam logo em seguida fazendo com que as pessoas que passam lá embaixo corram com medo da tempestade que o céu e o site da meteorologia anunciam.

Não faz muito tempo minha filha disse durante um jantar aqui em casa que cidade para ela morar precisa ter pelo menos 20 milhões de habitantes, 40 shoppings, centenas de salas de cinema e um punhado de restaurantes japoneses que servem todo tipo de combinado. Ela é o retrato-falado da metrópole e não se empolga nem um pouco com a vida rural, com cavalos, leitões, vaquinhas e galinhas.

Acostumou-se com os 150 quilômetros de engarrafamentos, com a poluição e com o medo dos arrastões que está no ar. Toda sexta-feira lê com afinco o Guia da Folha e não abre mão dos shows de rock que pipocam pela cidade. Ela se empolga com as novas drugstores gigantescas que abrem em cada esquina todos os dias e com as academias de ginástica e supermercados abertos 24 horas.

São com esses argumentos que ela me afasta cada vez mais de qualquer tipo de vida pacata. Com mais de 2 milhões de habitantes, Belo Horizonte de repente ficou pequena demais. Curitiba, Floripa, Porto Alegre? Nem pensar, tchau! Minha filha é a cara dessa São Paulo que não dorme sossegada, onde carros circulam a noite toda até quando não há mais nada a fazer nas ruas escuras.

Mas é nessa selva de pedra que cultivamos na varanda do nosso apartamento na Lapa uma pequena horta com manjericão, hortelã, alecrim, seis vasos de orquídeas e um pequeno pé de romã. É lá também que uma rede balança com o vento, um convite à preguiça.

São Paulo é uma cidade feia. As paredes estão pixadas e as árvores frondosas despencando sobre os automóveis. As calçadas são cheias de buracos e a arquitetura é a não-arquitetura, cada um constrói o que lhe convém. Caixotes sem graça convivem na mais confusa harmonia entre prédios inteligentes e modernos com a grife Ohtake. A cidade é cheia de postos de gasolina e de vez em quando aparecem dependuradas nos postes da concha da Shell e da lua oval da Esso faixas de panos anunciando até mesmo liquidação de antibióticos.

Perto da minha casa tem uma pracinha e nessa pracinha a prefeitura plantou várias mudas de maria-sem-vergonha nos canteiros. Elas não duraram uma semana. Enquanto esperavam o ônibus, os moradores do meu bairro pisaram nas Maria-sem-vergonha, sem perceber que elas estavam ali recém plantadas por funcionários da prefeitura.

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