Cultura

Quando as crianças saírem de férias

Mãe nenhuma se preocupava com a chegada das férias dos filhos

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Tenho certeza absoluta que em nenhum fim de junho passou pela cabeça da minha mãe o que ela faria com cinco crianças de férias dentro de casa, durante um mês. 

Férias eram sagradas, de primeiro a 31 de julho, todos os anos. Quando o primeiro dia de férias chegava, lembro-me bem dela recolhendo nos nossos armários, os uniformes do Colégio Marista e do Colégio Sion e colocando dentro de uma sacola para levar para a Lavanderia Eureka. Só isso. As férias propriamente ditas, eram por nossa conta. 

Quando vejo nos telejornais, matérias e mais matérias que só faltam dizer que as férias de julho em casa com as crianças correm o risco de serem um verdadeiro inferno, penso na minha mãe. Os repórteres dão mil sugestões para preencher as vinte e quatro horas diárias das crianças, durante o mês inteirinho.

As mães de hoje, descabeladas, começam a planejar: Uma semana no acampamento, depois um dia vão ao cinema, no outro ao teatrinho, no terceiro ao McDonalds, no quarto vão ao Sesc Fábrica, no quinto no Hopi-Hari, no sexto vão pra casa dos avós, no sétimo no shopping… mas, pensando bem, ainda faltam três semanas inteirinhas pra preencher. 

Nossas férias começavam cedo. Acordávamos tipo seis da manhã, comíamos um pão com manteiga, bebíamos um copo de Ovomaltine e descíamos pro quintal. Era um espaço que tinha galinhas, coelhos, porquinhos-da-índia, cachorro, pombos, passarinhos, caixotes, carrinhos, cordas, árvores, tijolos, muros e muito mais.

Naquele quintal estava o maravilhoso mundo das nossas férias. Ficávamos descalços os trinta e um dias e, se não estava fazendo um friozinho mineiro de inverno, nem camisa vestíamos. Nossas brincadeiras só eram interrompidas quando minha mãe chegava na porta da cozinha e gritava: “Tá na mesa!” 

O tá na mesa era o almoço que ela fazia. Arroz, feijão, angu, uma verdura, um bife e, de sobremesa, quando não era um pedaço de goiabada cascão, era um pedaço de pessegada, de marmelada ou uma mangada que vinha de Ponte Nova. 

Barriga cheia, retomávamos a brincadeira. Lembro-me bem que julho às vezes chovia em Belo Horizonte. Nos dias de chuva, pegávamos todos os cobertores da casa e embolávamos na cama de casal da minha mãe e fingíamos que eram montanhas. E nas montanhas, espalhávamos nossos bonequinhos que ganhávamos juntando tampinhas de Pepsi-Cola. 

Quando a brincadeira em casa enjoava, juntávamos aos vizinhos. Com eles, jogamos muitas peladas, muito vôlei, muitas queimadas num campinho que tinha num casarão na Rua Grão Mogol. Juntávamos mamonas para fazer guerra, jogávamos finca, bolinhas de gude, fabricávamos carrinhos de rolimã e fazíamos papagaios com taquara, papel celofane e grude, uma cola que preparávamos com farinha de trigo e água. 

Nenhuma preocupação passava pela cabeça da minha mãe naqueles trinta e um dias de julho. De vez em quando ela entrava em ação quando um chegava com o joelho ralado, o cotovelo esfolado ou uma picada de abelha. Ela lavava com água e sabão, passava mercúrio cromo, salpicava Anaseptil e pronto, estávamos novinhos em folha. 

No dia primeiro de agosto a cortina das férias se fechavam. Na noite de 31 de julho ela abria o armário e tirava o uniforme de cada um, limpinho, cheirando a novo, embalados num plástico transparente da Lavanderia Eureka. E a vida continuava.

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