Cultura

Preguiça danada

A versão brasileira do ócio criativo

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Vocês devem conhecer o Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Desde que nasceu até os cinco anos de idade ele não disse nada. Então esticou os bracinhos, abriu bem a boca e com os olhos fechados em puro gozo do ócio, ele assustou a família e a bicharada com sua primeira frase: “Ai, que preguiça!”

A dar crédito ao sociólogo italiano Domenico de Masi, temos de admitir que é durante o ócio que mais criamos. A mente livre e descansada está no ponto para criar. E o brasileiro é criativo? Bem, existem controvérsias e não serei eu que vou resolver o assunto.

Mas para início de conversa, o italiano não falou de preguiça e sim de ócio, que é outro departamento. O gozo do ócio pode ser ou não acompanhado da preguiça. Mário de Andrade achava que um dos traços do caráter do brasileiro era a preguiça, e Macunaíma teria sido criado para representar uma síntese de nosso povo.

Outro autor que durante muito tempo acreditou em nossa patológica preguiça foi Monteiro Lobato. Era um período de nossa história literária em que certa corrente exaltava o caboclo, essa coisa meio romântica de achar que as virtudes estão na simplicidade. Era a repetição modificada do “bom selvagem”, de Rousseau. Monteiro Lobato cria então a figura do Jeca Tatu, complementado, mais tarde, pelo Zé Brasil. Alguém se lembra do Biotônico Fontoura?

Uma das bandeiras do Modernismo de 22 era penetrar fundo em nossas origens. Uma corrente elegeu o índio como nosso ancestral, outra foi encontrar no caboclo nossos antepassados. Tudo simplificação.

Em sua fase do anticaboclismo, o autor de Taubaté afirma que o caboclo brasileiro é o piolho da terra, que só aproveita aquilo que a natureza dá de graça. Entra no mato e colhe o que lá existe para colher. Com isso vai à cidade e troca por uns trocadinhos, porque de grandes trocados ele não precisa. A lei que o rege é sempre a lei do menor esforço.

Monteiro Lobato informa que foi o caboclo brasileiro o inventor do banquinho de três pernas. Depois de perceber que, sem a quarta perna, o banquinho mantinha-se de pé, dispensou-a para sempre. Para alguma coisa a preguiça serviu! 

Hoje, com o calor a fritar nossos miolos, gostaria muito de ficar num estado de ócio criativo, pois me parece que meu romance ganharia muito com isso. Não vai ser possível. Mergulhado nessa caldeira quente, só me é possível curtir uma tremenda preguiça. 

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