Cultura

‘On the Road’ é vibrante e acomodado

O contraste do material original com a adaptação de Walter Salles parece evidente e dificilmente permitirá a unanimidade

Divulgação
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De Cannes 

Na Estrada, a adaptação do referencial livro autobiográfico de Jack Kerouac pelo cineasta Walter Salles, não será o filme a efetivar o mito de uma geração na tela, como parecem ter esperado seus primeiros espectadores na estreia no Festival de Cannes. Tampouco deve ser visto como a leitura possível para o cinema, ainda que algumas tentativas com roteiros não saíram anteriormente do papel por receio de realizadores ou questões várias de produção desde o lançamento de On the Road em 1957. Há, deve-se atentar, uma escolha pessoal emoldurada pelo fascínio da época, o que ocorre ao diretor brasileiro e à boa parte de seus colaboradores e, como tal, discordâncias serão inevitáveis. Vibrante às vezes, acomodado e um tanto casto em muitas outras, o filme tem a qualidade de nos fazer refletir a partir de uma integridade do livro sobre as figuras humanas, num plano mais terreno do que heróico, naquele universo que parece ter sobrevivido até aqui apenas no imaginário.

Agora temos Dean Moriarty, Sal Paradise, Marylou e Camille delineados pela primeira vez por atores que incorporam em maior ou menor grau a liberdade e a expressão de rebeldia que não mais se replica atualmente. Este é um dos pontos sobre os quais o filme se sustenta, a ideia de que, num momento de retorno ao conservadorismo, seria o caso de apelar à memória desses jovens que não mediram consequências. Bem verdade que não se lança mão de um romance de origem tão desinteressada em marcar posturas para impor a obra como um guia de regras ao presente. Talvez por temer o sentido de mensagem, o diretor contornou a filosofia de pensamento de seus protagonistas e a demonstrou na prática, com suas relações afinadas de início, suas distensões mais tarde, e a ruptura por fim. Narrativa convencional, ou clássica se assim se quiser, mas que assegura o aspecto físico, tão significativo aqui, seja no sentido de movimento sintetizado pelo título seja na essencial abertura para sexo que tanto marcou o grupo.

É sintomático dessa proposta a cena inicial que flagra Paradise (Sam Riley) à beira da estrada em sua primeira travessia para o oeste americano, onde encontrará o amigo de comunhão de vida Moriarty (Garrett Hedlund). Ao mesmo tempo em que tem início a amizade, também se estabelece uma visão informal da prática sexual, na relação aberta entre o segundo e Marylou (Kristen Stewart), que logo se tornará um trio com Sal. A união neste triângulo surge pálida na maior parte das vezes no filme e causa ruído com a força viril e instável de Moriarty, que desta forma deveria obter muito mais tensão de seus antagonistas, mas quase sempre consegue apenas um torpor de Sal e a anuência de Marylou. Melhor prova de sua inconstância e incompetência a uma vida estável está no casamento fracassado com Camille (Kirsten Dunst), contraponto que permite uma visão mais acurada de sua personalidade.

Ainda assim mantém-se uma perspectiva realista e menos idealizada dos personagens, construída pelo roteiro de Jose Rivera, mesmo colaborador de Salles em Diários de Motocicleta. Num encontro com jornalistas brasileiros durante o festival, ele concordou com a noção levantada sobre a trajetória percorrida por Sal desde a morte do pai no início até o fecho do ciclo com a amizade interrompida. Vê no percurso questões como ética e diz considerá-lo a representação da condição falível do ser humano. O contraste do material original com sua forma cinematográfica parece evidente até mesmo no que diz respeito aos defeitos desta última e com isso dificilmente permitirá a unanimidade.

De Cannes 

Na Estrada, a adaptação do referencial livro autobiográfico de Jack Kerouac pelo cineasta Walter Salles, não será o filme a efetivar o mito de uma geração na tela, como parecem ter esperado seus primeiros espectadores na estreia no Festival de Cannes. Tampouco deve ser visto como a leitura possível para o cinema, ainda que algumas tentativas com roteiros não saíram anteriormente do papel por receio de realizadores ou questões várias de produção desde o lançamento de On the Road em 1957. Há, deve-se atentar, uma escolha pessoal emoldurada pelo fascínio da época, o que ocorre ao diretor brasileiro e à boa parte de seus colaboradores e, como tal, discordâncias serão inevitáveis. Vibrante às vezes, acomodado e um tanto casto em muitas outras, o filme tem a qualidade de nos fazer refletir a partir de uma integridade do livro sobre as figuras humanas, num plano mais terreno do que heróico, naquele universo que parece ter sobrevivido até aqui apenas no imaginário.

Agora temos Dean Moriarty, Sal Paradise, Marylou e Camille delineados pela primeira vez por atores que incorporam em maior ou menor grau a liberdade e a expressão de rebeldia que não mais se replica atualmente. Este é um dos pontos sobre os quais o filme se sustenta, a ideia de que, num momento de retorno ao conservadorismo, seria o caso de apelar à memória desses jovens que não mediram consequências. Bem verdade que não se lança mão de um romance de origem tão desinteressada em marcar posturas para impor a obra como um guia de regras ao presente. Talvez por temer o sentido de mensagem, o diretor contornou a filosofia de pensamento de seus protagonistas e a demonstrou na prática, com suas relações afinadas de início, suas distensões mais tarde, e a ruptura por fim. Narrativa convencional, ou clássica se assim se quiser, mas que assegura o aspecto físico, tão significativo aqui, seja no sentido de movimento sintetizado pelo título seja na essencial abertura para sexo que tanto marcou o grupo.

É sintomático dessa proposta a cena inicial que flagra Paradise (Sam Riley) à beira da estrada em sua primeira travessia para o oeste americano, onde encontrará o amigo de comunhão de vida Moriarty (Garrett Hedlund). Ao mesmo tempo em que tem início a amizade, também se estabelece uma visão informal da prática sexual, na relação aberta entre o segundo e Marylou (Kristen Stewart), que logo se tornará um trio com Sal. A união neste triângulo surge pálida na maior parte das vezes no filme e causa ruído com a força viril e instável de Moriarty, que desta forma deveria obter muito mais tensão de seus antagonistas, mas quase sempre consegue apenas um torpor de Sal e a anuência de Marylou. Melhor prova de sua inconstância e incompetência a uma vida estável está no casamento fracassado com Camille (Kirsten Dunst), contraponto que permite uma visão mais acurada de sua personalidade.

Ainda assim mantém-se uma perspectiva realista e menos idealizada dos personagens, construída pelo roteiro de Jose Rivera, mesmo colaborador de Salles em Diários de Motocicleta. Num encontro com jornalistas brasileiros durante o festival, ele concordou com a noção levantada sobre a trajetória percorrida por Sal desde a morte do pai no início até o fecho do ciclo com a amizade interrompida. Vê no percurso questões como ética e diz considerá-lo a representação da condição falível do ser humano. O contraste do material original com sua forma cinematográfica parece evidente até mesmo no que diz respeito aos defeitos desta última e com isso dificilmente permitirá a unanimidade.

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