Cultura

O Tom da entrevista

Alberto Villas relembra entrevistas antigas de sua coleção de revistas. Em uma delas, Tom Jobim se dizia assustado com as novidades: os radinhos de pilha e os Beatles

O maestro Antonio Carlos Jobim. Foto: Armatoj/Flickr
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Por Alberto Villas

 

Tenho um vício! Ler entrevistas antigas. Outro dia levei um susto ao trombar com uma do sambista de breque Moreira da Silva ao jornal O Pasquim. Era final dos anos 1960 e a canção Travessia tocava sem parar nas rádios. Estava no hit parade, como dizíamos. Quando a turma do Pasquim perguntou ao bom e velho Morengueira o que ele achava de Milton Nascimento, foi curto e grosso.

– Tem de voltar pra enxada!

Adoro passar a mão numa revista bem antiga e dar uma espiada. Tem coisa mais divertida que ler a entrevista de um cientista publicada na Enciclopédia Bloch, a Superinteressante dos anos 1960, em que ele dizia que o último elefante da Terra desapareceria em janeiro do ano 2000?

Gosto também quando elas são reunidas em livro. A Arte da Entrevista, por exemplo, organizada pelo jornalista Fábio Altman e publicada pela Boitempo, reúne um punhado delas em quase 500 páginas. Vai de Mark Twain a Thomas Edison. De Ernest Hemingway a Getúlio Vargas. De Mao Tse-tung a Lula. Um primor.

A Editora Azougue lançou uma deliciosa coleção chamada Encontros. São livrinhos caprichados que reúnem entrevistas já publicadas em revistas e jornais em diversas épocas. Já devorei Manoel de Barros, Hélio Oiticica, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Gil, Tom Zé e agora estou me deliciando com outro Tom, o Jobim. Uma grande viagem porque Jobim era um mestre em dar entrevistas.

Adoro quando o compositor de Chega de Saudade usa palavras que ninguém usa mais. Perguntado sobre o que acha da obra de Nelson Cavaquinho, ele disse:

– Sou ardente fã de Nelson Cavaquinho.

Fãs existem aos montões, mas ninguém mais diz que é fã ardente, não é mesmo? Para demonstrar o seu entusiasmo com a obra do cantor e compositor Jimmy Webb, Tom usa uma expressão que também já sumiu do mapa:

– Esse é fogo na jaca!

Em pleno 1967, Tom Jobim já estava preocupado com o avanço da tecnologia e a revolução que o mundo viria a passar algumas décadas depois. Em vários momentos ele cita o poderio do radinho de pilha. Sim, o simplório radinho de pilha. Tom, em tom assustado, diz que o mundo tinha virado uma loucura, isso numa época em que a internet nem engatinhava ainda.

“Hoje a notícia se espalha com uma velocidade assustadora. Em qualquer lugar que a gente vai tem alguém com um radinho de pilha ouvindo notícias”. Numa época em que não havia nenhum tipo de I – Ipod, Ipad, Iphone – o espanto de Tom era com o radinho de pilha, daqueles forrados com uma capa de couro e que funcionavam com as pilhas amarelinhas.

Tem coisa mais deliciosa que ler Tom Jobim dizendo que “esses meninos que apareceram agora” – John, Paul, Ringo, George – são ótimos? Tem coisa mais deliciosa ver que Tom tem de ser ajudado por um entrevistador para lembrar o nome de uma dupla que surgira na América – era assim que ele chamava os Estados Unidos – uns tais de Simon & Garfunkel? E quando ele diz que adora esses garotos da Califórnia, The Mamas & The Papas?

Em todas as entrevistas Tom deixa bem claro quem são suas paixões, além das mulheres. Carlos Drummond de Andrade, Villa-Lobos, Guerra Peixe, Radamés Gnatalli, Custódio Mesquita, sem contar os parceiros Newton Mendonça, Vinícius de Moraes, Chico Buarque e Edu Lobo.

É curioso ouvir de Tom que a melhor cerveja do mundo era fabricada em Minas Gerais. Ele não revela o nome. Será a saudosa Ouro Branco?  Como é curioso ouvir de Tom que ele se considera um “pequeno burguês adaptado”, que a “máquina” está engolindo o homem, que Ipanema não tem mais praia e sim Volkswagens. Tom revela não ter medo da morte e que se um dia virasse nome de rua, gostaria que essa rua desse para o mar. Lembro sempre dessas palavras do maestro soberano toda vez que ouço a comissária de bordo anunciando lá nas nuvens:

– Dentro de alguns minutos pousaremos no aeroporto internacional Tom Jobim, na Cidade Maravilhosa.

Por Alberto Villas

 

Tenho um vício! Ler entrevistas antigas. Outro dia levei um susto ao trombar com uma do sambista de breque Moreira da Silva ao jornal O Pasquim. Era final dos anos 1960 e a canção Travessia tocava sem parar nas rádios. Estava no hit parade, como dizíamos. Quando a turma do Pasquim perguntou ao bom e velho Morengueira o que ele achava de Milton Nascimento, foi curto e grosso.

– Tem de voltar pra enxada!

Adoro passar a mão numa revista bem antiga e dar uma espiada. Tem coisa mais divertida que ler a entrevista de um cientista publicada na Enciclopédia Bloch, a Superinteressante dos anos 1960, em que ele dizia que o último elefante da Terra desapareceria em janeiro do ano 2000?

Gosto também quando elas são reunidas em livro. A Arte da Entrevista, por exemplo, organizada pelo jornalista Fábio Altman e publicada pela Boitempo, reúne um punhado delas em quase 500 páginas. Vai de Mark Twain a Thomas Edison. De Ernest Hemingway a Getúlio Vargas. De Mao Tse-tung a Lula. Um primor.

A Editora Azougue lançou uma deliciosa coleção chamada Encontros. São livrinhos caprichados que reúnem entrevistas já publicadas em revistas e jornais em diversas épocas. Já devorei Manoel de Barros, Hélio Oiticica, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Gil, Tom Zé e agora estou me deliciando com outro Tom, o Jobim. Uma grande viagem porque Jobim era um mestre em dar entrevistas.

Adoro quando o compositor de Chega de Saudade usa palavras que ninguém usa mais. Perguntado sobre o que acha da obra de Nelson Cavaquinho, ele disse:

– Sou ardente fã de Nelson Cavaquinho.

Fãs existem aos montões, mas ninguém mais diz que é fã ardente, não é mesmo? Para demonstrar o seu entusiasmo com a obra do cantor e compositor Jimmy Webb, Tom usa uma expressão que também já sumiu do mapa:

– Esse é fogo na jaca!

Em pleno 1967, Tom Jobim já estava preocupado com o avanço da tecnologia e a revolução que o mundo viria a passar algumas décadas depois. Em vários momentos ele cita o poderio do radinho de pilha. Sim, o simplório radinho de pilha. Tom, em tom assustado, diz que o mundo tinha virado uma loucura, isso numa época em que a internet nem engatinhava ainda.

“Hoje a notícia se espalha com uma velocidade assustadora. Em qualquer lugar que a gente vai tem alguém com um radinho de pilha ouvindo notícias”. Numa época em que não havia nenhum tipo de I – Ipod, Ipad, Iphone – o espanto de Tom era com o radinho de pilha, daqueles forrados com uma capa de couro e que funcionavam com as pilhas amarelinhas.

Tem coisa mais deliciosa que ler Tom Jobim dizendo que “esses meninos que apareceram agora” – John, Paul, Ringo, George – são ótimos? Tem coisa mais deliciosa ver que Tom tem de ser ajudado por um entrevistador para lembrar o nome de uma dupla que surgira na América – era assim que ele chamava os Estados Unidos – uns tais de Simon & Garfunkel? E quando ele diz que adora esses garotos da Califórnia, The Mamas & The Papas?

Em todas as entrevistas Tom deixa bem claro quem são suas paixões, além das mulheres. Carlos Drummond de Andrade, Villa-Lobos, Guerra Peixe, Radamés Gnatalli, Custódio Mesquita, sem contar os parceiros Newton Mendonça, Vinícius de Moraes, Chico Buarque e Edu Lobo.

É curioso ouvir de Tom que a melhor cerveja do mundo era fabricada em Minas Gerais. Ele não revela o nome. Será a saudosa Ouro Branco?  Como é curioso ouvir de Tom que ele se considera um “pequeno burguês adaptado”, que a “máquina” está engolindo o homem, que Ipanema não tem mais praia e sim Volkswagens. Tom revela não ter medo da morte e que se um dia virasse nome de rua, gostaria que essa rua desse para o mar. Lembro sempre dessas palavras do maestro soberano toda vez que ouço a comissária de bordo anunciando lá nas nuvens:

– Dentro de alguns minutos pousaremos no aeroporto internacional Tom Jobim, na Cidade Maravilhosa.

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