Cultura

O melhor do pior

O lado bom da especialização dos prêmios talvez seja perceber quão boa é a azeitona da pizza da Italianella

O lado bom da especialização dos prêmios talvez seja perceber quão boa é a azeitona da pizza da Italianella
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Falava sobre concursos e prêmios e listas e boletins e flâmulas que estão sendo distribuídas para restaurantes e suas partes. Cheguei a afirmar, na semana passada, que esse encanto por prêmios deveria ter origem na infância, nos tempos em que sentíamos um orgulho danado de levar para casa um diploma de “melhor qualquer coisa”.

Ainda que nos tenham eliminado ou reduzido as possibilidades de participar de contendas, restou-nos acompanhar as alheias competições. Curiosamente, lados opostos se encontram na ansiedade por saber quem são os melhores, como até comentei nesta página há meses. Muitos aplaudem e outros tantos vaiam. E os que vaiam, eu quase arrisco apostar, o fazem com o espírito si hay gobierno soy contra.

Premiar, descobriu a imprensa, é acima de tudo uma espetacular maneira de faturar. Um concurso tem a pré, a venda e a pós-venda. Hoje, o mais importante é ter uma sacada. Como diz um amigo, “criar é humano”. O melhor uso do azeite em pratos feitos com farinha. Esse é um jeito espetacular de premiar uma pizzaria que não chegou a faturar nada no quesito “melhor pizza”.

Não se surpreenda se um dia você entrar em uma casa vendedora de redondas (não quis repetir pizzaria) e encontrar um diploma emoldurado atribuindo ao local o prêmio de “melhor azeitona na pizza portuguesa”. Alguém poderia perguntar: “E a azeitona na pizza de calabresa?” “Pois é, neste ano foi para a Italianella.” “Eles vão indo bem, hein?! Não foram eles que levaram o melhor orégano em 2010?” Por que não eleger “o melhor lugar para você comer mal”? Por que não formar um júri com pessoas que odeiam comer? Júri com pessoas que apresentem relevante desvio do septo.

Você consegue imaginar um resort sem monitores, e eu me refiro a monitores para adultos? É provável que você não apenas consiga, mas sonhe com isso: chegar em um belíssimo hotel à beira-mar e desfrutar do silêncio. Acredite que a maioria deplora a ideia de ir a algum lugar para descansar, contemplar a natureza, sentir os perfumes que a brisa traz e sentir a brisa na pele.


Mencionei todos os sentidos porque é sobre isso que falo nesta coluna. Por ter mencionado isso, recomendo o filme Os Sentidos do Amor. Ele fala sobre uma estranha epidemia que elimina os sentidos das pessoas, começando pelo olfato e, claro, o paladar. A certa altura, um crítico de gastronomia escreve sobre um restaurante. E fala sobre todo o resto: apresentação, texturas se combinando ou contrastando, o ruído de algo crocante, a sensação de afundar o dente em algo cremoso, as borbulhas do champanhe, as temperaturas. E as pessoas continuam frequentando os restaurantes para ser servidas, por gostarem do ritual.

Eu achei deveras interessante esse momento do filme. Um restaurante passa a ser muito frequentado por conta de uma crítica, ainda que ninguém mais consiga sentir gosto algum. Às vezes me pergunto o quão perto estamos disso. Por que tantas listas de prêmios? A resposta já dei linhas acima: para vender mais seja lá o que for.

A grande descoberta de Robert Parker Jr. não foi o vinho feito por Gerome Inhoolen, cuja produção não passa de um copo por ano, quando as uvas o permitem. Ele descobriu que, se desse nota 100 para esse vinho, o velho Gerome poderia ficar rico e vender cada copo por uma fortuna. Parker descobriu o poder das notas em um mercado que estava começando a crescer. No vinho surgiram outros nomes e, na comida, o Guia Michelin mostrou gigantescos sinais de cansaço e várias outras publicações anuais estão indo para o mesmo caminho. Não cabe, hoje, com a velocidade dos meios de comunicação, esperar um ano para dar uma flâmula, uma medalha, um troféu.

Juntando tudo, as pessoas gostam de campeonatos, de monitores, de orientações. Onde comer e o que comer e beber. E talvez o lado bom da especialização dos prêmios seja fazer com que se repare, pela primeira vez, quão boa é a azeitona da pizza de calabresa da Italianella.

Falava sobre concursos e prêmios e listas e boletins e flâmulas que estão sendo distribuídas para restaurantes e suas partes. Cheguei a afirmar, na semana passada, que esse encanto por prêmios deveria ter origem na infância, nos tempos em que sentíamos um orgulho danado de levar para casa um diploma de “melhor qualquer coisa”.

Ainda que nos tenham eliminado ou reduzido as possibilidades de participar de contendas, restou-nos acompanhar as alheias competições. Curiosamente, lados opostos se encontram na ansiedade por saber quem são os melhores, como até comentei nesta página há meses. Muitos aplaudem e outros tantos vaiam. E os que vaiam, eu quase arrisco apostar, o fazem com o espírito si hay gobierno soy contra.

Premiar, descobriu a imprensa, é acima de tudo uma espetacular maneira de faturar. Um concurso tem a pré, a venda e a pós-venda. Hoje, o mais importante é ter uma sacada. Como diz um amigo, “criar é humano”. O melhor uso do azeite em pratos feitos com farinha. Esse é um jeito espetacular de premiar uma pizzaria que não chegou a faturar nada no quesito “melhor pizza”.

Não se surpreenda se um dia você entrar em uma casa vendedora de redondas (não quis repetir pizzaria) e encontrar um diploma emoldurado atribuindo ao local o prêmio de “melhor azeitona na pizza portuguesa”. Alguém poderia perguntar: “E a azeitona na pizza de calabresa?” “Pois é, neste ano foi para a Italianella.” “Eles vão indo bem, hein?! Não foram eles que levaram o melhor orégano em 2010?” Por que não eleger “o melhor lugar para você comer mal”? Por que não formar um júri com pessoas que odeiam comer? Júri com pessoas que apresentem relevante desvio do septo.

Você consegue imaginar um resort sem monitores, e eu me refiro a monitores para adultos? É provável que você não apenas consiga, mas sonhe com isso: chegar em um belíssimo hotel à beira-mar e desfrutar do silêncio. Acredite que a maioria deplora a ideia de ir a algum lugar para descansar, contemplar a natureza, sentir os perfumes que a brisa traz e sentir a brisa na pele.


Mencionei todos os sentidos porque é sobre isso que falo nesta coluna. Por ter mencionado isso, recomendo o filme Os Sentidos do Amor. Ele fala sobre uma estranha epidemia que elimina os sentidos das pessoas, começando pelo olfato e, claro, o paladar. A certa altura, um crítico de gastronomia escreve sobre um restaurante. E fala sobre todo o resto: apresentação, texturas se combinando ou contrastando, o ruído de algo crocante, a sensação de afundar o dente em algo cremoso, as borbulhas do champanhe, as temperaturas. E as pessoas continuam frequentando os restaurantes para ser servidas, por gostarem do ritual.

Eu achei deveras interessante esse momento do filme. Um restaurante passa a ser muito frequentado por conta de uma crítica, ainda que ninguém mais consiga sentir gosto algum. Às vezes me pergunto o quão perto estamos disso. Por que tantas listas de prêmios? A resposta já dei linhas acima: para vender mais seja lá o que for.

A grande descoberta de Robert Parker Jr. não foi o vinho feito por Gerome Inhoolen, cuja produção não passa de um copo por ano, quando as uvas o permitem. Ele descobriu que, se desse nota 100 para esse vinho, o velho Gerome poderia ficar rico e vender cada copo por uma fortuna. Parker descobriu o poder das notas em um mercado que estava começando a crescer. No vinho surgiram outros nomes e, na comida, o Guia Michelin mostrou gigantescos sinais de cansaço e várias outras publicações anuais estão indo para o mesmo caminho. Não cabe, hoje, com a velocidade dos meios de comunicação, esperar um ano para dar uma flâmula, uma medalha, um troféu.

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