Cultura

Na trave

Na gastronomia, sempre existe espaço para a discussão sobre um resultado medíocre. Diante de algo excepcional, por outro lado, a torcida não discute nem se cala. Comemora.

O time estava bem, mas aconteceu alguma coisa. Só sobrou o ruidoso silêncio da multidão voltando para casa
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Ugo Giorgetti, em uma de suas boas crônicas publicadas no caderno de esportes do Estadão de domingo, descreveu de maneira muito precisa o estranho momento em que a torcida do time derrotado sai do estádio. No caso, ele se referia à torcida do Corinthians deixando o Pacaembu e seguindo pela avenida de mesmo nome. Impressiona a tristeza, o desapontamento, porém, mais que tudo, o estranho silêncio que milhares de pessoas conseguem produzir. Pois eu me vi saindo de dois restaurantes, na semana que passou, do mesmo jeito que a torcida do time derrotado.

Não. Não pense que saio cabisbaixo e entristecido toda vez que não chego a comer bem. Devo ter comentado por aqui algumas vezes sobre expectativas. São muitas as vezes em que vou almoçar em algum lugar simplesmente para comer alguma coisa enquanto falo sobre outras. Acredito que a maioria dos locais que servem comida se vale disso: a distração. Imagine a população de grandes cidades atenta a cada detalhe dos restaurantes/lanchonetes que frequenta. Não sobraria prato sobre prato, ainda que a maioria seja condescendente e, uma maioria ainda maior, costume olhar somente o tamanho da porção.

O problema, no meu caso, manifesta-se em outra situação: quando parto feliz e lotadinho de esperança de encontrar uma comida muito boa. Duas vezes na semana que passou aconteceu. O nome dos restaurantes não pode ser mencionado porque não se trata de uma crítica a eles. A crítica exige que mais de uma refeição seja feita e nunca apenas em um dia.

Fui de coração aberto. Um deles trabalha com tradicionais receitas brasileiras. Um pouco botequim, um pouco comida de mãe. Vale uma pausa: qual seria a “comida de mãe” hoje? A que eu me refiro é aquela que preparava bolinhos de miolo, fazia uma dobradinha com feijão-branco imbatível, fazia gemada com vinho do Porto… Não saberia dizer se esse tipo de mãe ainda existe. Acho que não. Mas dá para entender o que eu quis dizer, certo?

A entradinha chegou e me pegou salivando e, na primeira garfada, eu ouvi aquela clássica manifestação da torcida quando o craque quase faz o gol. Não desanimei, mas pedi uma pimenta. Essa é uma dica boa: sempre que o prato carecer de graça, de sabor, um pouco de pimenta ajuda.

E vieram os pratos principais, o meu e o de meu colega de mesa. Fui me lembrar, veja você quão longe fui, do Salvatore Loi, que é o chef do Fasano e consegue, como já disse neste Refô algumas vezes, encher de sabor tudo que faz, ainda que seja uma simples polenta com queijo taleggio. Você tem todo o direito de dizer: “Mas ele é o chef do Fasano!” Eu diria de outro jeito: por isso ele é o chef do Fasano.

No outro restaurante onde estive não foi diferente. Ruim? Eu digo que muito longe disso. Mas o técnico falou tanto que o time estava bem. E de fato o time estava bem. Mas aconteceu alguma coisa que pode ter sido obra do dia, dos astros, e aquela bola foi lançada, parecia que ia fora e o ponta se distraiu, e o zagueiro achou que dava conta daquele camarada que veio correndo da outra área. E nada disso aconteceu. E de repente o tal camarada entrou com bola e o juiz apitou e nada sobrou a não ser o ruidoso silêncio da multidão voltando para casa.

Coloco-me a pensar: será que o chef provou esse prato? Será que esse prato é sempre assim? Será que eu e o chef temos paladares incompatíveis? É bem estranha a sensação: querer gostar sem ter gostado. Pense a respeito: sempre existe espaço para a discussão sobre um resultado medíocre. Diante de algo excepcional, por outro lado, a torcida não discute nem se cala. Comemora.

Ugo Giorgetti, em uma de suas boas crônicas publicadas no caderno de esportes do Estadão de domingo, descreveu de maneira muito precisa o estranho momento em que a torcida do time derrotado sai do estádio. No caso, ele se referia à torcida do Corinthians deixando o Pacaembu e seguindo pela avenida de mesmo nome. Impressiona a tristeza, o desapontamento, porém, mais que tudo, o estranho silêncio que milhares de pessoas conseguem produzir. Pois eu me vi saindo de dois restaurantes, na semana que passou, do mesmo jeito que a torcida do time derrotado.

Não. Não pense que saio cabisbaixo e entristecido toda vez que não chego a comer bem. Devo ter comentado por aqui algumas vezes sobre expectativas. São muitas as vezes em que vou almoçar em algum lugar simplesmente para comer alguma coisa enquanto falo sobre outras. Acredito que a maioria dos locais que servem comida se vale disso: a distração. Imagine a população de grandes cidades atenta a cada detalhe dos restaurantes/lanchonetes que frequenta. Não sobraria prato sobre prato, ainda que a maioria seja condescendente e, uma maioria ainda maior, costume olhar somente o tamanho da porção.

O problema, no meu caso, manifesta-se em outra situação: quando parto feliz e lotadinho de esperança de encontrar uma comida muito boa. Duas vezes na semana que passou aconteceu. O nome dos restaurantes não pode ser mencionado porque não se trata de uma crítica a eles. A crítica exige que mais de uma refeição seja feita e nunca apenas em um dia.

Fui de coração aberto. Um deles trabalha com tradicionais receitas brasileiras. Um pouco botequim, um pouco comida de mãe. Vale uma pausa: qual seria a “comida de mãe” hoje? A que eu me refiro é aquela que preparava bolinhos de miolo, fazia uma dobradinha com feijão-branco imbatível, fazia gemada com vinho do Porto… Não saberia dizer se esse tipo de mãe ainda existe. Acho que não. Mas dá para entender o que eu quis dizer, certo?

A entradinha chegou e me pegou salivando e, na primeira garfada, eu ouvi aquela clássica manifestação da torcida quando o craque quase faz o gol. Não desanimei, mas pedi uma pimenta. Essa é uma dica boa: sempre que o prato carecer de graça, de sabor, um pouco de pimenta ajuda.

E vieram os pratos principais, o meu e o de meu colega de mesa. Fui me lembrar, veja você quão longe fui, do Salvatore Loi, que é o chef do Fasano e consegue, como já disse neste Refô algumas vezes, encher de sabor tudo que faz, ainda que seja uma simples polenta com queijo taleggio. Você tem todo o direito de dizer: “Mas ele é o chef do Fasano!” Eu diria de outro jeito: por isso ele é o chef do Fasano.

No outro restaurante onde estive não foi diferente. Ruim? Eu digo que muito longe disso. Mas o técnico falou tanto que o time estava bem. E de fato o time estava bem. Mas aconteceu alguma coisa que pode ter sido obra do dia, dos astros, e aquela bola foi lançada, parecia que ia fora e o ponta se distraiu, e o zagueiro achou que dava conta daquele camarada que veio correndo da outra área. E nada disso aconteceu. E de repente o tal camarada entrou com bola e o juiz apitou e nada sobrou a não ser o ruidoso silêncio da multidão voltando para casa.

Coloco-me a pensar: será que o chef provou esse prato? Será que esse prato é sempre assim? Será que eu e o chef temos paladares incompatíveis? É bem estranha a sensação: querer gostar sem ter gostado. Pense a respeito: sempre existe espaço para a discussão sobre um resultado medíocre. Diante de algo excepcional, por outro lado, a torcida não discute nem se cala. Comemora.

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